Fazer-se ouvir dentro do partido que governa Moçambique é uma forma de trazer mudanças na FRELIMO, entende Samora Machel Jr. Independentemente do que lhe possa vir a acontecer Samito diz que não desiste das suas ideias.
Samora Machel Jr é visto como o homem que desafiou o status quo da FRELIMO, o partido que governa Moçambique. Desafiou a tudo e todos quando em 2018 avançou sem o seu partido para uma candidatura a edil da cidade de Maputo, embora abortada no final. Isso foi entendido como um marco de mudanças há muito exigidas na formação. Entrevistamos o filho do primeiro Presidente de Moçambique independente, Samora Machel, que enfrenta agora um processo disciplinar pela ousadia.
DW África: Vai continuar a vestir a camisola da FRELIMO apesar do antagonismo que marcou as vossas relações nos últimos tempos?
Samora Machel Jr. (SM): Eu estou na FRELIMO, eu sou FRELIMO ainda.
DW África: Defende mudanças no seio do seu partido. Pode especificar de que natureza?
SM: Acho que o partido tem de ser muito mais aberto e [deve] aceitar as diferenças de opiniões com naturalidade. Nem todos nós pensamos da mesma maneira e a [postura] é de um partido dinâmico, um partido do povo que acompanha as dinâmicas da sociedade e daí que vão surgir diferentes opiniões e ideias.
DW África: Vai candidatar as eleições de outubro próximo?
SM: Nunca anunciei que iria fazer isso, o meu objetivo era candidatar-se para o município [de Maputo].
DW África: Quando pretendeu candidatar-se as municipais teve apoio de algum correlegionário seu?
SM: Vários, a lista da AJUDEM é dos membros do partido. E vários membros do partido ao nível da cidade apoiaram-me.
DW África: A sua madrasta, a sra Graça Machel, na altura manifestou publicamente apoio a sua pessoa. Continua a ser assim até hoje que vive um momento de tensão com o seu partido?
SM: Se há tensão deve ser do lado do partido, eu estou muito tranquilo, eu não estou sob pressão nenhuma. Tenho uma boa relação com a minha mãe, continuamos a apoiar-nos um ao outro, e ela dá-me todo o suporte.
DW África: A decisão que tomou de se candidatar as autárquicas custou-lhe um preço alto na FRELIMO?
SM: Depende do ponto de vista, o que é custar um preço alto, é o meu nome estar a ser propalado a nível nacional? Ser discutido? Não considero isso um peço alto. Mas por exemplo, se for expulso o preço pode ser alto, [mas] continuo convicto das minhas ideias.
DW África: Tem um nome de peso no mundo da política em Moçambique e há quem entenda que esse seja o seu maior trunfo. É realmente só isso ou acha que tem na verdade algo há mais para oferecer aos moçambicanos?
SM: Eu havida de lhe convidar para vir cá a Maputo e fazermos uma passeata pela cidade e aí havia de perceber se o peso que tenho na política é só por causa do nome ou por causa daquilo que eu defendo e o que são as minhas ideias. Acho que tenho muito mais valias para dar.
DW África: O senhor tornou-se uma espécie de símbolo de revolução numa FRELIMO que ainda é dominada por dinossauros e que dá sinais de estar a precisar de ser revitalizada. Como pretende continuar a implementar mudanças no seu partido?
SM: Fazendo a minha voz ouvir-se dentro do partido, criticando o que não está certo e aplaudindo o que está certo. Neste momento, o povo é constituído por 70% de jovens, eu faço parte dos jovens deste país. Então, nós temos de trazer novidades, trazer uma maneira de pensar diferente para dentro do partido.
DW África: Inicialmente acreditava-se que poderia vir a ser penalizado ou expulso da FRELIMO no contexto do comité central, que deve acontecer no começo de maio, por ter concorrido as autárquicas. Mas depois o processo disciplinar foi antecipado e isso foi entendido como uma estratégia para o manter em “banho-maria” travando assim alguma ambição política sua. Entende as coisas da mesma forma?
SM: Primeiro, a minha ambição é trabalhar para o povo, venho do povo e tenho de trabalhar para o povo e nunca vou deixar de trabalhar para o povo, estando sempre do lado do povo. Agora, o processo disciplinar teve um início e deve ter um desfecho e até este momento não há desfecho. Eu recebi a carta de acusação e tinha um período para responder e respondi dentro dos prazos. O comité de verificação do comité central está a analisar a minha defesa e neste momento aguardo desfecho e isso acho que só pode ser ao nível do comité central, sendo eu membro do comité central.
DW África: E o que espera que venha a acontecer no comité central em relação ao seu caso?
SM: Eu acho que há-de haver discussão acesa. Há-de haver várias opiniões em termos de desfecho: se tenho de ser expulso, se tenho de continuar dentro do comité central ou se tenho de sofrer uma sanção… Não sei.
DW África: E uma tentativa de postergar o seu caso para depois do comité central pode ser tomada em consideração?
SM: Isso depende tudo do partido, não depende de mim. O que me competia fazer eu fiz.
DW África: E em relação ao próprio partido, o que deverá dominar o comité central? A FRELIMO não vive um momento particularmente bom…
SM: Acho que o partido vai se debruçar sobre a vida a sua vida interna e preparar-se para as eleições que se avizinham. Tivemos este infortúnio ao nível da zona centro, o ciclone Idai, vamos discutir o impacto que esta intempérie teve sobre a zona e como o partido pode melhorar a sua atuação dentro dos esforços que tinham sido feitos para recuperar ou trazer as pessoas de volta para a sua vida normal, temos a questão da instabilidade dos insurgentes no norte do país, temos de encontrar uma saída que traga paz e calma naquela região para que haja desenvolvimento.
DW África: E em relação às dívidas ocultas?
SM: Acho que não preciso mencionar, acho que é um assunto que é nosso pão de cada dia e tem de ser discutido.
DW África: E em que medida, na sua opinião, isso desestabiliza a imagem da FRELIMO neste momento, a beira de eleições principalmente?
SM: Não é bom, nenhum partido gostaria de estar numa situação destas, principalmente quando somos partidos que estamos a governar. Temos de encontra uma saída para que o país possa voltar de novo aos carris ter níveis de crescimento como tínhamos há alguns anos atrás.
DW África: Há certas correntes que defendem que o partido FRELIMO está a necessitar de uma espécie de purificação. Partilha dessa opinião?
SM: Depende de como entende por purificação…
DW África: De excluir ou se livar, de alguma maneira, de membros que não dignificam em nada a imagem do partido…
SM: Eu concordo, sim. Não não dignifica não merece representar o partido.
DW África: E acha que o número desse tipo de gente dentro da FRELIMO cresce ou tende a reduzir?
SM: Eu acho que tende a crescer, querem aproveitar-se do facto do partido ser uma posição que não se pode dissociar da história deste país, então ser membro de um partido grande como a FRELIMO é vantajoso para quem tem objetivos obscuros e aproveitam-se.
DW África: A FRELIMO que o seu pai sonhou e a FRELIMO de hoje ainda tem alguma coisa em comum?
SM: Há uma diferença entre a FRELIMO que temos hoje e a que tínhamos em 1975 até aos anos oitenta, as dificuldades eram diferentes, a maneira de olharmos para os objetivos finais que queremos atingir no país é diferente, agora, temos aqui problemas sérios, problemas de falta de valores, é preciso trazermos os valores de volta, há problemas sérios de corrupção e isso não era uma situação corrente nos anos de que está a falar.