O Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em representação da UE, reunir-se-ão com o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Washington DC, em 20 de Outubro, para a 27.ª cimeira UE-EUA. A última Cimeira entre os dois aliados foi há dois anos, em 15 de junho 2021, em Bruxelas.
Esta cimeira proporciona uma oportunidade para rever a estreita parceria transatlântica e as áreas de cooperação dentro da parceria. O comunicado de imprensa do Conselho Europeu menciona que a “UE e os EUA são parceiros próximos e com ideias semelhantes, que partilham o compromisso de uma ordem internacional baseada em regras, de um multilateralismo eficaz e de valores democráticos. A UE e os EUA demonstraram liderança conjunta no seu apoio à Ucrânia após a guerra de agressão da Rússia. Na cimeira, analisarão mais detalhadamente esta cooperação e discutirão outras áreas de cooperação, tais como: economia global de energia limpa, cadeias de abastecimento seguras e resilientes, infraestrutura digital, inteligência artificial e resiliência económica”.
Embora o comunicado de imprensa não faça referência à crise do Médio Oriente, é certo que a possibilidade do conflito de Israel com o Hamas se transformar numa guerra mais ampla injetou uma nova urgência na Cimeira. A discussão sobre este assunto será delicada. Os dois parceiros manifestaram abertamente o seu apoio sem reservas a Israel e condenaram veemente a agressão do Hamas. Mas o Conselho Europeu adoptou uma posição mais equilibrada na sua declaração sobre o conflito ao fazer apelo às leis internacionais e aos acordos sobre a ajuda humanitária em relação à população palestiniana de Gaza. Muito embora a situação humanitária da população palestina no terreno seja dramática e não haja melhorias rápidas à vista.
A viagem de Joe Biden a Israel na quarta-feira não produziu até agora resultados tangíveis, nem em termos de solução ou, pelo menos, de contenção do conflito, nem em termos de ajuda humanitária à população palestina, para além da decisão do Egipto de deixar passar ajuda pelo seu território.
Mas não será esta questão que produzirá atrito entre os dois parceiros. A suas posições estão alinhadas e encontrarão facilmente uma fórmula para expressar o seu alinhamento levando em consideração as particularidades de cada um.
Nem será a posição dos dois parceiros relativamente à invasão da Ucrânia pela Rússia que levantará grandes problemas. No final, a invasão da Rússia à Ucrania serviu para solidificar a aliança transatlântica ao reavivar a OTAN e trazer a Finlândia e a Suécia para a aliança.
A UE irá certamente expressar a Joe Biden as suas preocupações em relação à ajuda financeira americana à Ucrânia, uma vez que os republicanos no Congresso estão cada vez mais relutantes em manter os níveis de ajuda à Ucrânia.
Por sua vez, Joe Biden pressionará a UE com a adesão da Ucrânia à UE, o que poderá servir de base para uma grande negociação para a solução do conflito: a Ucrânia não adere a OTAN mas adere à UE. Não podemos esquecer que o Tratado da UE de Lisboa introduziu uma cláusula de defesa mútua (artigo 42°, n°7 do Tratado da União Europeia). Esta cláusula prevê que se um Estado-Membro da UE vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51 da Carta das Nações Unidas. A grande incógnita é saber o que a Rússia pedirá em troca.
Mas, por enquanto, não há perspetivas de negociações no horizonte para resolver o conflito entre a Ucrânia e a Rússia. Portanto, tal como na crise do Médio Oriente, é de esperar que a UE e os Estados Unidos cheguem facilmente a um acordo durante a Cimeira de Washington que expresse o total alinhamento um com o outro em relação ao conflito.
Mesmo que o Médio-Oriente e a Ucrânia ocupem grande parte das discussões, a EU e os Estados Unidos têm outras questões muito importantes para discutir, com consequências a longo prazo.
É preciso reconhecer que a parceria entre os dois blocos está desequilibrada.
Como resultado da guerra na Ucrânia, a Europa nunca esteve tão alinhada como está actualmente com os Estados Unidos em questões geopolíticas desde o fim da Guerra Fria. Nesta área, a liderança dos Estados Unidos é inquestionável.
Onde a parceria é mais vulnerável é em relação às questões geoeconómicas. A este respeito, a União Europeia está mais relutante em aceitar a liderança dos EUA e aspira a uma parceria mais equitativa. As decisões que os Estados Unidos tomaram, como a lei de redução da inflação e a Lei do Chip, que se traduzem em medidas massivas de milhares de milhões de dólares em subsídios ligados à transição climática e às tecnologias de ponta, para travar a hegemonia da China e proteger a economia americana, também atingiram duramente a economia e as empresas europeias. Os pontos mais delicados são:
Acordos comerciais
Dois resultados principais esperados da cimeira são um acordo político sobre acordos de aço e alumínio e um acordo sobre minerais essenciais para a transição climática.
O chamado Acordo Global sobre Aço e Alumínio Sustentáveis, ou GSA, permitiria que a UE e os EUA combatessem o excesso de capacidade e as emissões de carbono nos metais. A GSA permitiria às duas economias evitar o retorno de milhares de milhões de dólares em tarifas da era Trump e medidas retaliatórias da UE.
Sobre o excesso de capacidade, o acordo é relativamente simples. A UE lançaria novas investigações nos próximos meses que poderiam levar a novas tarifas destinadas às práticas não mercantis de economias como a China, enquanto os EUA poderiam introduzir novas tarifas próprias.
O ponto mais polêmico está relacionado com as emissões de carbono. O aço e o alumínio fazem parte dos produtos abrangidos pelo Mecanismo de Ajuste Fronteiriço de Carbono da EU, que serve para compensar a diferença de intensidade de carbono entre um produto fabricado na UE e um produto similar importado, atribuindo um preço justo ao carbono emitido durante o produção de bens intensivos em carbono que entram na UE. O aço e o alumínio importados dos Estados Unidos também são abrangidos pelo Mecanismo da UE. Este é um ponto muito delicado nas discussões entre os dois parceiros.
Após a cimeira, os dois aliados trabalharão no sentido de um acordo internacional sobre o aço e o alumínio aberto a outros países com ideias semelhantes.
Entretanto, é necessário um acordo sobre minerais críticos para permitir que as empresas europeias tenham acesso a alguns dos benefícios da Lei de Redução da Inflação dos EUA, que inclui cerca de 500 mil milhões de dólares em novas despesas e incentivos fiscais ao longo de uma década, principalmente para beneficiar empresas norte-americanas. A Lei de Redução da Inflação dos EUA visa atrair empresas para se instalarem nos Estados Unidos ou em países com os quais os Estados Unidos tenham acordos de livre comércio. Até à data, a UE não tem um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, o que significa que as empresas europeias estão excluídas dos benefícios da legislação americana. Isto tem causado duras críticas da parte dos Estados Membros da UE e das empresas europeias.
Relações económicas com a China
Nas relações económicas com a China, os Estados Unidos têm uma política muito mais musculada do que a UE: para os EUA é necessário travar a hegemonia económica da China. A doutrina americana liga a hegemonia económica da China à possibilidade de esta ter hegemonia militar. Os Estados Unidos não querem estar na mesma posição que a União Soviética durante a Guerra Fria, quando era uma potência militar capaz de fazer frente aos Estados Unidos, mas estava muito longe de alcançar a economia americana. Embora o crescimento da China tenha abrandado, a possibilidade de ultrapassar a economia americana em meados deste século ainda é real.
Por sua vez, a UE procura uma relação mais equilibrada e menos dependente da China, especialmente em relação às tecnologias de ponta que impulsionam a transição climática, como a energia solar e as baterias para carros elétricos. Uma investigação anti-subsídios da UE sobre veículos eléctricos fabricados na China, que também poderá ter como alvo a Tesla Inc. , também poderá surgir nas discussões dos líderes.
Apesar disso, os Estados Unidos e a EU têm implementado políticas similares para limitar a capacidade da China de adquirir tecnologias avançadas que poderiam ser utilizadas para fins militares, bem como para mitigar os riscos de dependência nas respetivas cadeias de abastecimento.
Mas é provável que os Estados Unidos pressionem a UE para que assuma posições mais radicais em relação à China. Recentemente a Itália abandonou, sob pressão americana, a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative – BRI) lançada pela China.
Conclusão
A configuração geopolítica e geoeconómica que emerge é complexa e difícil de articular. Do ponto de vista geopolítico, seria mais bipolar: União Transatlântica (UE e EUA) de um lado e China e Rússia do outro. Do ponto de vista geoeconómico, seria marcadamente multipolar com três grandes polos formados pelos Estados Unidos, a União Europeia e a China.
O reforço da aliança transatlântica e a revitalização da OTAN nos últimos dois anos é o aspecto mais relevante da parceria entre a UE e os Estados Unidos. Do ponto de vista geopolítico, isto permitirá aos parceiros enfrentar os desafios políticos da Rússia e da China.
Do ponto de vista económico, embora a parceria entre a UE e os Estados Unidos seja sólida, existem pontos de fissura. Não está claro se os parceiros irão abordar estes pontos na Cimeira ou tentarão escondê-los debaixo do tapete em nome da sua coesão geopolítica. Em qualquer caso, as relações económicas entre a UE e os Estados Unidos constituem um dos principais alicerces da economia mundial e podem, se bem articuladas, impulsionar a reglobalização ou, pelo contrário, acelerar a fragmentação global.
José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola