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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Cercado por russos e pronto a morrer, este soldado ucraniano pediu um ataque de artilharia – contra a sua própria posição

Abandonado, ferido e sem água ou sem comida, Serhii desafiou todas as probabilidades e fez o impensável

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O soldado ucraniano Serhii está sentado na sua cama de hospital numa clínica pública no centro da Ucrânia. Tem pequenos pedaços de estilhaços cravados nas pernas que os médicos não conseguem retirar. Apesar das dores, diz sentir-se bem.

“Nem acredito que agora estou no hospital e não na trincheira. Não pensei que fosse sobreviver”, diz o homem de 36 anos.

Serhii é um soldado de infantaria da 80.ª Brigada de Assalto Aéreo. Entrou para o exército pouco depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, em fevereiro de 2022, deixando a Finlândia, onde vivia e trabalhava como faz-tudo nos últimos dez anos, para se alistar. Numa alusão a este seu passado, foi-lhe dado o nome de código “Fin”.

Há um mês, a 27 de outubro, foi atribuída uma missão a si e à sua unidade: manter as trincheiras na linha da frente oriental, nos arredores de Bakhmut. Essa missão deveria durar três dias, mas prolongou-se por duas semanas, depois de a unidade ter ficado encurralada pelo fogo inimigo. Para alguns seria a última missão a que assistiriam.

A unidade tinha estado sob bombardeamento constante durante vários dias, quando um morteiro explodiu perto do abrigo onde se encontravam Serhii e dois outros homens, isolando o grupo quando estavam prestes a mudar de posição.

“Ficámos todos feridos. Eu estava ferido nas duas pernas e toquei-lhes imediatamente para ver se ainda lá estavam”, recorda Serhii.

Os outros dois soldados ficaram com as pernas e os maxilares partidos. Um deles ficou tão chocado que queria se matar, pelo que os outros lhe tiraram a arma. Quando a equipa de evacuação chegou, Serhii insistiu para que levassem os outros homens primeiro e que ele esperaria pela próxima oportunidade.

Mas essa oportunidade nunca chegou. Sempre que chegavam outras unidades, os constantes bombardeamentos russos mantinham-nas encurraladas e incapazes de chegar a Serhii.

Várias equipas de evacuação tentaram chegar a Serhii durante as duas semanas seguintes, mas nenhuma conseguiu passar e alguns morreram a tentar.

“Estávamos sob fogo inimigo constante. O inimigo parecia estar à procura dos nossos pontos fracos ou a testar a nossa resistência”, lembra.

Com Serhii confinado à sua trincheira, o seu comandante utilizou um drone para lhe entregar bens essenciais como água, analgésicos, barras de chocolate e até cigarros.

“A água foi um grande problema porque, primeiro, o drone não conseguia apanhar garrafas grandes de água. Por isso, o drone deixava cair pequenas garrafas embrulhadas em papel e fita-cola, mas nem todas as garrafas sobreviviam à queda e muitas vezes partiam-se. Apreciei cada gole de água”, conta Serhii.

Ao mesmo tempo, os drones russos estavam a apontar para o abrigo com cargas mais pesadas, tendo um deles largado uma granada mesmo ao lado de Serhii, a quem se tinha juntado outro soldado ucraniano que tinha ficado isolado.

“Explodiu perto das costas do outro soldado e a meio metro de mim, perto dos meus pés. Ficámos feridos, mas tivemos sorte em sobreviver. Só foi possível evacuar um soldado gravemente ferido. Naquele momento apercebi-me de que estava sozinho.”

Cercado

Durante os três dias seguintes, Serhii escondeu-se no seu abrigo, cercado pelo inimigo. A cada hora que passava, as tropas russas aproximavam-se mais e mais da sua posição. Serhii conseguia ouvir as suas vozes e conhecia o seu plano.

Acreditando que não sobreviveria, Serhii contactou o seu comandante através do rádio e sussurrou-lhe as coordenadas do inimigo – essencialmente, pedindo ataques de artilharia contra a sua própria posição.

Graças a Serhii, a artilharia ucraniana efetuou vários ataques precisos, mas mais soldados russos continuaram a tomar posições à sua volta.

“Eu estava rodeado de inimigos”, explica Serhii. “Quando eles não me ouviam, eu voltava a sussurrar as coordenadas no rádio e a nossa artilharia disparava contra eles.”

A certa altura, Serhii pensou que estava acabado quando um soldado russo entrou no seu abrigo. O soldado perguntou a Serhii de onde era e o ucraniano respondeu em russo que tinha sofrido um traumatismo craniano e pediu água. O soldado russo não lhe deu água, mas rastejou para fora da trincheira, aparentemente ainda sem saber que Serhii era ucraniano.

“Ainda não consigo perceber como é que ele não se apercebeu que eu era das forças armadas ucranianas. Eu estava a usar um uniforme ucraniano. As minhas calças eram em pixéis. Sim, estavam sujas. Mas era óbvio que as botas eram ucranianas”, descreve Serhii.

Depois de esgotados todos os esforços para retirar Serhii, o seu comandante acabou por lhe dizer que a única forma de sair era rastejar e rezar.

“Tive de rastejar através do abrigo onde estavam os russos. Segurando o rádio com a mão esquerda e apoiado nos joelhos, comecei a rastejar. Deparei-me com um fio com uma granada. Conseguia ouvir o comandante no rádio a corrigir-me, mas eu próprio não conseguia contactá-lo. A bateria estava quase descarregada. O comandante gritou-me que tinha de avançar. Por fim, cheguei às posições ucranianas. ‘Fin, continua a andar’, diziam-me eles.”

Serhii está a recuperar há mais de duas semanas. Sentado na quente enfermaria do hospital, lembra-se de como lambia a água da chuva da sua trincheira e sonhava com cada gole.

Ao contar a sua história à CNN, Serhii não vê nada de heróico nas suas ações.

“Deviam ver o que os nossos homens estão a fazer na linha da frente. Como eles lutam, retiram e salvam os seus companheiros. Os nossos homens estão a pagar um preço muito alto. Pagam com o seu sangue. Tudo o que eu quero é ir pescar com os meus amigos, beber umas cervejas e ficar sentado em silêncio.”

Por CNN, Daria Tarasova-Markina e Anna Coren

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