O líder do CDS revela que o partido está a preparar propostas para as forças de segurança e para idosos mais carenciados. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, Francisco Rodrigues dos Santos acusa o Governo de estar a “abrir a porta ao amiguismo e à corrupção” com a alteração das regras da contratação pública.
Eleito em janeiro passado para a liderança do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos desempenhou grande parte do seu mandato em situação de pandemia. Recentemente, criou um grupo para o ajudar a apresentar um plano de emergência social, do qual fazem parte Pires de Lima, Lobo Xavier e Nobre Guedes, e que assume ser um “sinal de conciliação” do partido.
Em tempo de pandemia, o PSD e, em certa medida, o CDS abdicaram de fazer oposição. Acha que foi a opção certa ou deixou o Governo sem escrutínio?
Num tempo em que o país se debatia com circunstâncias absolutamente excecionais imprevisíveis, o papel dos partidos da oposição é fazerem um escrutínio e fiscalização rigorosa do papel do Governo, mas ter uma iniciativa construtiva. O CDS, sem nunca ter dito que criticar o Governo era adotar uma postura antipatriótica, procurou que a crítica fosse um antídoto para algumas receitas socialistas.
O CDS votou contra o Orçamento Suplementar. O que devia estar neste Orçamento?
Em primeiro lugar, devia resultar numa oportunidade para efetivarmos reformas estruturais. Devia ser lançada a base de um clima fiscal que diminuísse impostos e promovesse o investimento, competitividade da nossa economia e a criação de emprego. Depois, uma verdadeira política de patriotismo económico. Isto passa por uma aposta radical nos nossos sectores produtivos onde temos vantagens competitivas naturais e por dizer que é necessário consumir português. Mas também há medidas cirúrgicas, como o alargamento do layoff simplificado, e não o layoff complicado, até ao final do ano de 2020, a duplicação do valor das linhas de crédito com uma percentagem garantida pelo Estado a fundo perdido. Depois devia ser criado um mecanismo de acerto de contas. Esta ideia de que não há austeridade, defendida pelo ex-ministro das Finanças, é um engodo.
E haverá no futuro?
Neste momento já existe um quadro de perda de rendimentos, isso é um clima de austeridade que tem de ser revertido.
Como é que o país pode recuperar desta crise?
Deve ser diminuída a burocracia do Estado e deve-se criar processos mais ágeis e céleres. O Governo tem procurado discutir publicamente algumas alterações ao nível da contratação pública. Falamos dos vistos prévios do Tribunal de Contas, que eram obrigatórios até 750 mil de euros. Quando o Estado não paga o que deve às pessoas, ao querer contratar sem controlo e regra, provocando uma total opacidade e diminuindo o nível de transparência da contratação, está a abrir as portas ao amiguismo e à corrupção. Isso é preocupante quando a boa gestão dos dinheiros públicos tem de ser um princípio em qualquer Estado de Direito democrático. Ao nível das reformas fiscais há muitas: um IRC mais competitivo, diminuição dos escalões de IRS, medidas sociais que reforcem o terceiro sector, e ajudar quem está a ficar para trás, sobretudo, os mais idosos. Temos sensivelmente 200 mil idosos a viverem sozinhos. É por isso que o CDS vai desenhar uma proposta que significará uma comparticipação social atribuída aos idosos mais carenciados para a compra de medicamentos.
Foi criado um grupo de oito sábios no CDS para preparar o relançamento da economia. Quando é que conta apresentar essas propostas?
Vão sair paulatinamente. Vamos libertando essas propostas em áreas como a segurança…
Sempre foi um tema muito caro ao CDS. Sente que está a perder esse campo?
O CDS vai continuar a defender a autoridade das nossas forças de segurança, porque elas são fundamentais para que haja liberdade em Portugal. Os nossos agentes de autoridade precisam de ter autoridade social e a confiança dos nossos concidadãos e não discursos de ódio como temos visto ultimamente. Uma das propostas que estão a ser compostas é tipificar no nosso Código Penal autonomamente o crime [de ofensas corporais] contra agentes de autoridade, com uma moldura penal agravada para que exista a perceção na sociedade de que um agente da autoridade é um representante do Estado, que age em nome da nossa segurança e que tem de ter o respeito por parte da nossa sociedade, e não ser visto como o adversário ou obstáculo ao exercício das nossas liberdades.
Também deve haver um crime agravado quando praticado pela própria força de segurança?
Isso já acontece.
Voltando ao grupo do CDS. Tem Pires de Lima, que foi apupado no congresso quando o criticou. Este grupo é um sinal de união?
Sem dúvida absolutamente nenhuma. Esse é um sinal que eu procuro dar desde o início da minha liderança do CDS. Quero congregar diferentes alas e correntes do partido, desde os que estão no CDS há mais tempo aos militantes mais recentes, desde que estejam no espírito construtivo. Este grupo sinaliza uma conciliação no CDS, colocando o foco onde interessa: é transformar o CDS num partido útil a Portugal.
Mas há alguma oposição interna que está descontente com a sua liderança e que se prepara para se afirmar no próximo conselho nacional. Antevê tensão no partido?
Nenhum militante é considerado oposição ao CDS pelo presidente do partido. Quero dizer-lhe com toda a franqueza e honestidade que não tenho nenhum adversário dentro do CDS, a minha liderança quer ser congregadora.
As autárquicas serão o grande teste à sua liderança?
As autárquicas são importantes para todos os partidos, mas antes disso temos eleições regionais nos Açores onde o nosso presidente Artur Lima tem feito um trabalho excecional. O CDS tem quatro deputados e acredito que podemos ambicionar mais.
Será quanto? Tirar a maioria ao PS?
Não gosto de quantificar.
O CDS deve voltar a apoiar Marcelo Rebelo de Sousa ou não se revê neste mandato?
O CDS vai debruçar-se sobre isso nos órgãos próprios do partido.
O que gostaria de ver na intervenção do próximo Presidente da República?
É uma boa pergunta [risos]. Gostava de ver um baluarte de estabilidade política, que fizesse os equilíbrios entre a esquerda e a direita, que pudesse ser uma voz da razão e exercer uma magistratura de influência que permitisse a quem está no Governo acertar o passo, quando é necessário, e a quem está na oposição focar-se em propostas construtivas e sólidas e úteis aos portugueses. E que pudesse ser um catalisador dos portugueses à volta do mais alto magistrado da nação, numa política de proximidade também de afetos, de presença, mas que não se confundisse com uma ideia de homem providencial ou de ‘omni-Presidente’, que tem de estar em todo o lado, ou de exorbitar até os seus poderes e competências.
Que avaliação faz da forma como o Presidente exerce o seu mandato?
Gostava que o senhor Presidente da República se aproximasse deste perfil…
Não cumpre esse perfil?
Com a sua sensibilidade tem de interpretar as preocupações de quem está na oposição e a expectativa face ao chefe de Estado. Vamos lá ver… Quem não tem candidato presidencial é o PS. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa foi apoiado pelo PSD e CDS há quatro anos. Esta OPA ao candidato do centro-direita deve merecer reflexão por parte dos eleitores e também alguma indagação ao primeiro-ministro.
O CDS não concorda com a ida de Mário Centeno para governador do Banco de Portugal. Aceita a crítica do primeiro-ministro de que se está a preparar uma lei ad hominem?
Com essa afirmação o primeiro-ministro revela impreparação, que não estudou bem os dossiers e também que tem memória selectiva. O CDS apresentou já por duas vezes, em 2009 e em 2019, rigorosamente a mesma proposta que foi a votos na semana passada.
Que solução defende para o Novo Banco?
É um caso bicudo que, neste momento, já começa a cheirar mal. O CDS disse que o Governo devia ser tão rápido a pagar aos portugueses como ao Novo Banco.