O activista angolano Rafael Marques defende que a solução da violência sistémica nas Lundas, Angola, deve envolver todos os protagonistas, o que pretende promover na próxima semana com um encontro em Cafunfo, palco de incidentes com mortes em janeiro.
Em declarações à Lusa, o ativista e investigador, responsável pelo ‘site’ Maka Angola e agora à frente do UFOLO – Centro de Estudos para a Boa Governação, salientou que foram realizadas anteriormente jornadas semelhantes na Huíla e Benguela e tinha previsto a mesma iniciativa nas Lundas.
“Acabou por ser adiada por várias razões e esses acontecimentos levaram-nos a realizar [as jornadas] precisamente em Cafunfo, para que possamos, com todos os intervenientes garantir que situações do género não voltem a ocorrer. A violência tem sido sistémica naquela região, é preciso debater porquê e encontrar soluções definitivas para que esses casos não voltem a repetir-se”, afirmou.
Além de Cafunfo, o Ufolo vai estar nas vilas de N’zagi e Lucapa, também na Lunda Norte, que partilham da ausência de definição político-administrativa, algo que as jornadas, a decorrer na próxima semana, pretendem também debater.
“Cafunfo até hoje não tem um estatuto político-administrativo, não é considerado distrito, comuna ou município”, notou Rafael Marques, sublinhando que esta é uma das questões a abordar, a par da violência.
Pela primeira vez, sublinhou, “temos a oportunidade de estar no terreno junto com as autoridades, com as comunidades, para discutir uma solução sobre a violência sistémica, sobre os problemas de pobreza e porque é que as pessoas, numa terra tão rica em diamantes, são tão pobres, e como é que se pode garantir que as pessoas retirem benefícios da riqueza natural que a região contém.
Para Rafael Marques, essa possibilidade de estar “todos juntos a discutir os problemas” é o que sempre faltou e o que vai fazer a diferença nestas jornadas.
Rafael Marques, autor do livro “Diamantes de Sangue”, resultado de anos de investigação sobre os abusos de direitos humanos praticados na Lunda Norte pelas forças armadas e empresas de seguranças privadas, tem dado sequência ao trabalho que desenvolve desde 2004, produzindo outros relatórios que incidem sobre a mesma temática.
O ativista disse à Lusa que está também a investigar os acontecimentos do dia 30 de janeiro.
A polícia angolana afirma que cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protetorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), que defende autonomia desta região rica em recursos minerais, tentaram invadir nesse dia uma esquadra policial e, em defesa, as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local que falam em mais de 20 mortos.
“Estou a preparar um relatório e como investigador vou reportar os factos que chegarem ao meu conhecimento”, afirmou Rafael Marques, escusando-se a emitir uma opinião sobre as versões contraditórias e prometendo pronunciar-se mal tenha o relatório preparado, que será de conhecimento público.
Questionado sobre se foram tardias as declarações do Presidente da República, João Lourenço, que falou pela primeira vez sobre o tema na terça-feira, Rafael Marques considerou que a escolha do momento para se pronunciar “é algo que compete ao seu gabinete”.
As jornadas de cidadania e segurança pública são realizadas em parceria com o comando geral da Polícia Nacional, que estará representado pelo diretor-adjunto da Escola Prática de Polícia, para que seja possível “trabalhar com as autoridades de ordem pública no sentido de garantir o máximo respeito pelo direito à vida e pelos direitos humanos”.
Acrescentou que “não se pode falar em paz e ordem pública sem se falar com a polícia”, sendo fundamental que “haja esta disponibilidade para se sentar com a sociedade civil para discutir as questões” que estão na origem da tensão permanente que se verifica na região.
Também estarão presentes representantes da diamantífera estatal ENDIAMA e da Sociedade Mineira do Cuango, consórcio de exploração diamantífera da região, autoridades locais, incluindo o administrador municipal e o governador da Lunda Norte, Ernesto Muangala, membros do executivo, familiares de vítimas e da sociedade civil local e das igrejas.
“Será uma discussão o mais aberta e abrangente possível”, frisou.
As jornadas iniciam-se no dia 09 de março e terminam no dia seguinte.