Há meses que a França, antiga potência colonial, é contestada no Burkina Faso, que se aproxima cada vez mais da Rússia, sobretudo desde que as atuais autoridades assumiram o poder através de um golpe de Estado, em setembro último.
Agora, o Burkina Faso solicitou a saída das tropas francesas do seu território no prazo de um mês, de acordo com uma carta das autoridades de Ouagadougou, que a agência AFP recebeu este domingo (22.01) de uma fonte diplomática burquinabê.
Na carta, dirigida às autoridades francesas e datada de quarta-feira (18.01), o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Burkina Faso “denuncia e põe termo, na sua totalidade, ao acordo” de 17 de dezembro de 2018, “relativo ao estatuto de intervenção das forças armadas francesas” no país.
“Tendo em conta o prazo de pré-aviso de um mês imposto pelo referido acordo em caso de denúncia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Burkina agradece que seja dada particular diligência ao presente no momento da sua receção”, é referido no documento.
Várias manifestações foram recentemente realizadas em Ouagadougou para exigir a retirada da França daquele país do Sahel, que acolhe um contingente de cerca de 400 operacionais das forças especiais francesas.
Também as autoridades de transição no Mali, vizinho do Burkina Faso, fizeram as forças francesas abandonar o país, depois de nove anos de presença, e viram-se cada vez para o grupo paramilitar russo Wagner, que agora apoia o país luta contra o extremismo.
Macron pede esclarecimentos
A fonte diplomática burquinabê não pôde confirmar se Paris já acusou a receção da carta.
Mas a Presidência francesa disse este domingo (22.01) que está à espera da confirmação da posição do Burkina Faso ao “mais alto nível”.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que há uma “grande confusão” na informação que circula desde sábado (21.01) em Ouagadougou, e que quer esperar até que o Presidente burquinabê para o período de transição, Ibrahim Traoré, “se possa expressar”.
“Penso que temos de ser muito cuidadosos”, afirmou numa conferência de imprensa franco-alemã na capital francesa, Paris.
A França disse na última semana estar disponível para apoiar no combate ao terrorismo, mas vê-se agora confrontada com a solicitação do Governo do Burkina Faso para retirar as suas tropas no prazo de um mês.
Relações “azedas” com Paris
No início deste mês, a secretária de Estado francesa para o Desenvolvimento, Francofonia e Acordos Internacionais, Chrysoula Zacharopoulou, disse, após um encontro com Ibrahim Traoré, que o seu governo não deixaria de apoiar o Burkina Faso na luta contra os militantes islâmicos, apesar do crescente sentimento antifrancês e das tensões diplomáticas.
“Sabemos o preço que as forças armadas burquinenses e a população civil têm vindo a pagar há anos, face a grupos que decidiram transformar o país de um paraíso de paz numa zona de guerra”, declarou.
As relações entre a França e o Burkina Faso, antiga colónia francesa, deterioraram-se após os recentes golpes militares, em parte estimulados pelo fracasso das autoridades em proteger os civis dos ataques jihadistas.
O Burkina Faso luta desde 2015 contra uma insurreição liderada por jihadistas afiliados à Al-Qaeda, que já fez milhares de mortes e deslocou cerca de dois milhões de pessoas.
Raptos terroristas continuam
Entretanto, as forças militares conseguiram regatar as 62 mulheres e quatro bebés sequestrados por supostos jihadistas na semana passada no norte do país. De acordo com oficiais locais, o exército e auxiliares civis efetuaram buscas com êxito na área.
Apesar do resgate com sucesso, o problema dos raptos acentua-se. O sequestro de mulheres não tem precedentes e a situação é preocupante, diz Daouda Diallo, secretário-geral do Colectivo contra a Impunidade e Estigmatização das Comunidades.
“Esta é a primeira vez que assistimos a um rapto de várias dezenas de mulheres. Por vezes registámos casos isolados, mas as mulheres conseguiam, no geral, movimentar-se mais do que os homens. Hoje a situação é preocupante”, alerta.
De acordo com as Nações Unidas, perto de um milhão de pessoas vive em zonas bloqueadas no norte e leste do Burkina. O líder da junta militar, Ibrahim Traoré, de 34 anos, que tomou o poder a 30 de setembro de 2022, fez da segurança a prioridade número um do regime e apostou na reconquista do território ocupado pelos terroristas.
No entanto, Daouda Diallo considera que será um desafio lidar com os extremistas por causa das suas novas tácticas. “Estes grupos armados extremistas estão cada vez mais militarizados”, com veículos motorizados, e muitas vezes há até “atores que também usam uniformes para cobrir os seus rastos”, explica.
“São grupos armados extremistas e bem militarizados não estatais que estão a pôr em perigo a vida de civis”, alerta ainda Diallo.