Bonga Kuenda é o semba e a vivência clandestina.
Foi nos ‘musseques’, bairros típicos de Angola que José Adelino Barceló de Carvalho viveu e cresceu, até que deu conta de que as suas ‘quinamas’ (pernas) desenvolviam uma velocidade incrível tanto nos 100 como nos 200 e mais tarde nos 400 metros.
Rapidamente deu nas vistas em Luanda e um convite do Sport Lisboa e Benfica não tardou. Foi atleta do Benfica e da seleção nacional. Bateu o recorde nacional dos 400 metros com 47.20 segundos em Atenas no ano de 1969.
A atividade de desportista de Barceló de Carvalho durou cerca de 6 anos. “A partir daí, as lengalengas da minha terra de origem, que é Angola, fizeram com que abandonasse Portugal por razões que muita gente sabe, políticas e outras. E então fui para a Holanda. É aí que, sem querer, me tornei no artista Bonga Kuenda”, recorda.
“O nome Barceló de Carvalho era conhecido e procurado, na altura, porque eu tinha fugido. E todas as semanas as televisões davam os tempos que eu tinha feito no atletismo. Tive de deixar de ser o Barceló de Carvalho.
Muita gente não sabe porquê, mas estou-lhes a dizer agora. Passei a ser Bonga Kuenda, que tem a ver com a música, com rítmica, com o semba e a vivência clandestina”, lembra Bonga, que então gravou o seu primeiro disco, ‘Angola 72’, lançando uma carreira artística que nunca mais parou.
Seguiram-se outros discos, sempre com a conivência dos amigos cabo-verdianos, como Djunga di Biluca, da Morabeza Records, Mário Rui Silva, de Angola, e Humberto Bettencourt, de Cabo Verde.
‘Angola 72’ foi feito em apenas oito horas. Na altura, um tempo recorde, impensável. “Para mim, era uma experiência que estava a fazer e que afinal se tornou num grande ‘boom’. Porque era um disco essencialmente político e informativo. Não tinha a certeza de que aquele disco iria resultar na história da música de Angola.
Mas não parei mais. Tem a ver com o meu carácter, a minha irreverência, a maneira de estar e a minha necessidade de intervenção”, recorda o cantor, acrescentando: “Eu fui falando de mim. Não me escondi. Quando tinha que me esconder, dizia sempre qualquer coisa, deixava um ‘recadozinho’.
Dei-me conta que era mais importante do que imaginava. Uma simples mensagem passou a ser um bico-de-obra, o que me deu felicidade a mim, ao povo angolano e a todos os que, finalmente, se aperceberam da minha luta.”
O jornalista francês Rémy Kolpa-Kopoul falou sobre a voz rouca de Bonga, o seu carácter e os seus temas musicais. Abriu-lhe as portas em França. “Foram-me buscar. França, quando abre as portas, não fecha. Que o digam Cesária Évora, falecida, coitada.
Que o digam também Manu Dibango, Salif Keita, Mory Kanté e muitos outros, que entraram pela porta parisiense, que nunca mais se fechou. Devo a Paris a grande promoção que me foi feita, a continuidade de ser o artista que sou.
Devo a Paris as menções honrosas e os prémios que recebi. Mais importante, o título que me foi atribuído pela presidência da república francesa, o de Cavaleiro das Artes e das Letras”, declara o cantor.
Bonga foi também homenageado pelo atual presidente da república angolano, João Lourenço, e tem recebido inúmeros prémios internacionais. Atuou em palcos importantes, o De Doelen de Roterdão; o Olympia de Paris; o SOB de Nova Iorque ou o Apollo em Harlem. A estrutura foi-se consolidando.
Bonga tornou-se um artista profissional completo. “Servindo-me do desporto, da ‘pulungunza’ (força) para continuar. Hoje em dia até fico meio surpreendido por estar com 78 anos a fazer espetáculos em lugares por onde já passei nos anos do antigamente, o que é muitíssimo bom. Estou aí para assumir esta carreira profissional. Está a valer a pena”, remata.
Após o 25 de Abril, Lisboa voltou a ser um destino para Bonga. Lugares como A Sanzala, no Campo Grande, onde atuava o Duo Ouro Negro, o Kandandu, Procópio, Teatro Aberto, Teatro da Comuna eram os mais visitados pelo cantor, numa altura em que as discotecas africanas tinham sempre música ao vivo.