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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Bonga: “Os prémios todos que tenho no estrangeiro, não os tenho em Portugal”

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Bonga Kuenda é o semba e a vivência clandestina.

Foi nos ‘musseques’, bairros típicos de Angola que José Adelino Barceló de Carvalho viveu e cresceu, até que deu conta de que as suas ‘quinamas’ (pernas) desenvolviam uma velocidade incrível tanto nos 100 como nos 200 e mais tarde nos 400 metros.

Rapidamente deu nas vistas em Luanda e um convite do Sport Lisboa e Benfica não tardou. Foi atleta do Benfica e da seleção nacional. Bateu o recorde nacional dos 400 metros com 47.20 segundos em Atenas no ano de 1969.

A atividade de desportista de Barceló de Carvalho durou cerca de 6 anos. “A partir daí, as lengalengas da minha terra de origem, que é Angola, fizeram com que abandonasse Portugal por razões que muita gente sabe, políticas e outras. E então fui para a Holanda. É aí que, sem querer, me tornei no artista Bonga Kuenda”, recorda.

“O nome Barceló de Carvalho era conhecido e procurado, na altura, porque eu tinha fugido. E todas as semanas as televisões davam os tempos que eu tinha feito no atletismo. Tive de deixar de ser o Barceló de Carvalho.

Muita gente não sabe porquê, mas estou-lhes a dizer agora. Passei a ser Bonga Kuenda, que tem a ver com a música, com rítmica, com o semba e a vivência clandestina”, lembra Bonga, que então gravou o seu primeiro disco, ‘Angola 72’, lançando uma carreira artística que nunca mais parou.

Seguiram-se outros discos, sempre com a conivência dos amigos cabo-verdianos, como Djunga di Biluca, da Morabeza Records, Mário Rui Silva, de Angola, e Humberto Bettencourt, de Cabo Verde.

‘Angola 72’ foi feito em apenas oito horas. Na altura, um tempo recorde, impensável. “Para mim, era uma experiência que estava a fazer e que afinal se tornou num grande ‘boom’. Porque era um disco essencialmente político e informativo. Não tinha a certeza de que aquele disco iria resultar na história da música de Angola.

Mas não parei mais. Tem a ver com o meu carácter, a minha irreverência, a maneira de estar e a minha necessidade de intervenção”, recorda o cantor, acrescentando: “Eu fui falando de mim. Não me escondi. Quando tinha que me esconder, dizia sempre qualquer coisa, deixava um ‘recadozinho’.

Dei-me conta que era mais importante do que imaginava. Uma simples mensagem passou a ser um bico-de-obra, o que me deu felicidade a mim, ao povo angolano e a todos os que, finalmente, se aperceberam da minha luta.”

O jornalista francês Rémy Kolpa-Kopoul falou sobre a voz rouca de Bonga, o seu carácter e os seus temas musicais. Abriu-lhe as portas em França. “Foram-me buscar. França, quando abre as portas, não fecha. Que o digam Cesária Évora, falecida, coitada.

Que o digam também Manu Dibango, Salif Keita, Mory Kanté e muitos outros, que entraram pela porta parisiense, que nunca mais se fechou. Devo a Paris a grande promoção que me foi feita, a continuidade de ser o artista que sou.

Devo a Paris as menções honrosas e os prémios que recebi. Mais importante, o título que me foi atribuído pela presidência da república francesa, o de Cavaleiro das Artes e das Letras”, declara o cantor.

Bonga foi também homenageado pelo atual presidente da república angolano, João Lourenço, e tem recebido inúmeros prémios internacionais. Atuou em palcos importantes, o De Doelen de Roterdão; o Olympia de Paris; o SOB de Nova Iorque ou o Apollo em Harlem. A estrutura foi-se consolidando.

Bonga tornou-se um artista profissional completo. “Servindo-me do desporto, da ‘pulungunza’ (força) para continuar. Hoje em dia até fico meio surpreendido por estar com 78 anos a fazer espetáculos em lugares por onde já passei nos anos do antigamente, o que é muitíssimo bom. Estou aí para assumir esta carreira profissional. Está a valer a pena”, remata.

Após o 25 de Abril, Lisboa voltou a ser um destino para Bonga. Lugares como A Sanzala, no Campo Grande, onde atuava o Duo Ouro Negro, o Kandandu, Procópio, Teatro Aberto, Teatro da Comuna eram os mais visitados pelo cantor, numa altura em que as discotecas africanas tinham sempre música ao vivo.

“Eu vim auscultar Portugal, porque até então não podia vir. Mas depois do 25 de Abril vim ‘cheirar o cravo’, dar o ar da minha graça e contactar as pessoas de então, desde o Vitorino, o Padre Fanhais, o Adriano Correia de Oliveira e os meus amigos angolanos que moravam aqui, como o Duo Ouro Negro, o Eleutério Sanches, a Lilly Tchiumba, com  quem trabalhei.
Foi formidável, mas encontrei um clima um bocado pesado, porque já havia muitas interrogações. Estava em causa o poder político. Como é possível, depois da independência de Angola, a coisa descambar e dar na guerra civil, de irmãos contra irmãos? Duro. Osso duro de roer”, sublinha o artista, que entretanto se resguardou e voltou a França, onde deu sequência ao seu trabalho musical com espetáculos pela Europa fora.
Foi a partir dessa altura que Bonga começou a ser mais divulgado em Portugal. “Depois de ‘Angola 72’, na Holanda, depois de França abrir as portas, Portugal veio atrás. Levou algum tempo a reagir. Os prémios todos que tenho no estrangeiro, não os tenho em Portugal. Está a levar algum tempo.
Talvez um dia isso aconteça”, lamenta Barceló de Carvalho, ou Bonga Kuenda, que, a viver em Portugal desde os anos 80, se mantém a dar gás à vida artística. É da música que vive. Da música e do espetáculo, da divulgação consequente do Semba, a música da sua terra.
 

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