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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

“Até já vi um presidente ser preso. Quero estar longe de Portugal”

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FONTE:NMBR

Apesar de reconher mérito ao treinador e jogador português, o técnico Jorge Paixão considera que os dirigentes em Portugal estão a impedir o crescimento do futebol do rectângulo nacional. Numa entrevista ao Desporto ao Minuto, Jorge Paixão relatou a passagem atribulada pelo Mafra, assim como pelo Sp. Braga.

Jorge Paixão abandonou o futebol português em 2016, deixando para trás uma experiência traumática no Mafra. Uma temporada que viu “um presidente ser preso”, malas de dinheiro a voar de um lado para o outro, e um caso de manipulação de resultados que ensombrou o futebol português.

Futebol esse do qual o treinador de 55 anos não guarda muitas saudades. Afinal as direções dos clubes, ao contrário de jogadores e técnicos, ainda “têm muito que aprender”.

O ex-técnico do Sporting de Braga teve a última experiência na China, no Shenzhen, regressando a Portugal após o início da pandemia. Guarda belas memórias do Oriente e recorda com alegria uma história que viveu no Estrela da Amadora, de onde emergiu um jogador que, pouco meses depois de sair da Casa do Gaiato, transferiu-se para o Vitória SC e, 15 dias depois, já estava em Old Trafford para defender as cores do Manchester United. Tem um palpite de quem seja? Vamos então partir à conversa com Jorge Paixão.

Neste momento o Jorge Paixão está sem clube. Aos 55 anos. quais são as suas aspirações?

As mesmas que tinha quando iniciei a minha carreira de treinador: pretender sempre o máximo, ir o mais longe possível e ser feliz na minha profissão.

O regresso passa por treinar um clube em Portugal?

Não passa por Portugal, é uma decisão que tomei há uns anos, e o meu futuro vai continuar a passar lá por fora. A minha vontade é essa e para a minha carreira é melhor. Não tenho prazer e nem me identifico com muitas situações que se passam no futebol português.

E que situações são essas?

Várias e que vão desde a gestão dos clubes até à questão da verdade desportiva, passando pelas condições com que se trabalha e a falta de organização que existe em muitos emblemas. Há uma falta de estratégia e de ideias nos clubes, e tudo isto leva-me a querer estar longe de Portugal, até porque a tendência é que a situação piore. Muitas vezes fala-se de um futebol positivo dentro das quatro linhas e eu falo da importância de ter um futebol positivo fora dos relvados. Só dando dois exemplos. Faz-me muita confusão um clube escolher um treinador e, ao fim de um mês ou dois, escolher um técnico com características completamente distintas. Também me faz muita confusão um clube ter um presidente e uma administração que quer fazer o trabalho do treinador.

 - portal de angola
Jorge Paixão ao serviço da equipa de sub 23 do Shenzhen<br >© KSirius

Recentemente no futebol português tivemos o caso do César Peixoto que se demitiu por alegadamente haver essa mesma interferência da administração do Moreirense nas funções do treinador…

No meu caso isso só aconteceu uma vez e vim-me logo embora. Houve um presidente que quis fazer o papel do treinador e a minha decisão foi sair logo. Não compactuo com esse tipo de situações. Falou-me do caso do Moreirense, mas há muitos outros que não estão identificados. O César Peixoto já sabia dessa situação e, quando nós aceitamos esse tipo de interferência, já não podemos vir reclamar depois, porque já partimos avisados. Há uma coisa que as pessoas têm de perceber, nós temos de ser sérios connosco próprios e saber que quem lida com determinadas funções é o treinador, e se aceita outro tipo de coisas, e em clubes onde é sistemático esse tipo de envolvimento, então não podemos fazer nada depois. Os treinadores têm de se impor e não podem aceitar esse tipo de situações.

E para treinadores com menos currículo no futebol não é mais fácil haver essa interferência do presidente no cargo do técnico?

Penso que não. Isto está relacionado com a atitude e os princípios do treinador e não com a sua idade. A personalidade do treinador é que dita o seu futuro no cargo. Há pessoas que se sujeitam a tudo e outras não, e isso depois define muita coisa. Há treinadores que desaparecem por esta interferência dos presidentes. Mas, na minha opinião, cada um tem as suas funções e cada ‘macaco deve estar no seu galho’. E isto só me aconteceu em Portugal.

Um treinador ganha quatro jogos é um herói, e perde outros quatro de seguida e já é um vilão. A ‘cabeça’ do técnico começa ser logo a primeira a rolar em caso de fracasso, mas, raramente, e só em alguns casos, se apontam críticas aos presidentes. Esse fenómeno um dia vai mudar e os presidentes vão também um dia sentar-se no banco dos réus?

Acredito que sim, afinal lá fora essas situações acontecem. Ainda na minha última experiência na China vi essa situação a acontecer. Naquele país, o CEO, e depois o diretor desportivo, são os dois primeiros a cair num projeto que está numa linha de fracasso. Todavia, volto a sublinhar que é preciso tempo para os trabalhos saírem vencedores. Basta ver o caso do FC Porto, em que também houve oscilações e o Conceição manteve-se. Na primeira fase de Jesus no Benfica, o atual técnico teve seis anos por lá e também oscilou entre o muito bom e o muito mau, mas houve uma aposta de confiança no Jesus. O problema é que muitas vezes não há uma estratégia e então o mais fácil é mandar uma equipa técnica embora. O problema está em quem escolhe e quem decide em cima do joelho. Lá fora vemos trabalhos de sucesso e de treinadores que chegaram a esse sucesso, após vários meses de estadia por lá, basta pensar no caso do Klopp.

O Jorge Paixão falou sobre a sua passagem pela China. Qual é o patamar em que coloca neste momento a Superliga Chinesa?

Comparativamente à Europa não dá para comparar. Agora, a Liga chinesa evoluiu bastante na última década, tem cada vez mais treinadores e jogadores de melhor qualidade. Agora é um campeonato que ainda precisa de crescer muito. Todavia, sublinho que já tem um nível bastante alto. Uma das ferramentas deste sucesso também passa pelo trabalho que se tem feito nas camadas jovens, e aí tem havido um cuidado exaustivo dos técnicos. Acredito que a Liga chines, a neste momento, esteja no top-3 dos campeonatos asiáticos, apenas atrás da Liga japonesa, sul-coreana e talvez a da Arábia Saudita. A nível de seleção é que ainda tem muito a trabalhar. Por exemplo, o campeonato do Catar é muito fraco, mas a nível de seleção está muito mais forte do que a chinesa.

O que correu de pior na passagem pelo Shenzhen?

Foi uma experiência muito boa. Treinei a equipa de sub-23 e foi um desafio muito interessante, até porque nunca tinha treinado uma equipa de sub-23. Tinha o objetivo de subir à primeira Liga, uma vez que estávamos a competir no escalão secundário. À margem disso, o meu objetivo passou por lançar jovens talentos o que engrandeceu muito a minha passagem pelo Oriente. Lançar jogadores e trabalhá-los para jogar na primeira Liga é uma grande missão e cumprimos com sucesso, conduzindo cinco jogadores à seleção chinesa.

Dificuldades? Não me recordo, até porque o clube dava todas as condições para nós fazermos o trabalho nas melhores condições. Talvez o pior tenha sido a falta da família, até porque a adaptação foi muito fácil. O povo chinês é muito hospitaleiro e recebeu-nos muito bem. Talvez só na parte da culinária a situação tenha sido um pouco mais difícil (risos), mas tínhamos sempreà nossa disposição vários restaurantes internacionais. Acabei por me ir embora com o estalar da pandemia, em janeiro de 2020, e regressei de imediato a Portugal, até porque os campeonatos foram suspensos.

Há pouco o Jorge Paixão falou sobre as potencialidades do futebol chinês e frisou a importância que nesse país se dá ao trabalho do treinador. O que é nos podíamos ou devíamos aprender com a China?

Aprender temos sempre a aprender, agora também falamos de um país que a nível financeiro é das maiores potências do mundo. No clube em que estava tinha quatro relvados para treinar, algo que também já tinha no Catar. O nosso centro de treinos era extraordinário. O que a China tem a mais que Portugal começa logo no dinheiro que existe num país e não existe no outro.

A China é um país mais rígido, há uma muito maior disciplina. Agora não digo que o povo latino seja indisciplinado, contudo, na China há um maior rigor. Mas vamos lá ver, eu não me sinto motivado para treinar em Portugal devido às condições de que falei há pouco, agora ao nível de jogadores e ao nível de treino somos muito bons. Nós, treinadores, na China, temos vários portugueses a fazer um excelente trabalho nas camadas de formação, assim como temos no Catar, na Arábia Saudita e nos Emirados.

A que nível coloca o treinador português?

Diria que estamos no primeiro lugar, estamos mesmo muito fortes, pena é que aqui em Portugal não reconheçam isso. Nós temos treinadores ao mais alto nível em Inglaterra, em Espanha, em França, no Brasil, mas também noutros países. E não esquecer que temos treinadores adjuntos portugueses a trabalhar com estrangeiros e que também estão a fazer um grande trabalho. Volto a bater na mesma tecla, o problema não está nos treinadores, que já têm um nível de formação altíssimo, mas talvez essa mesma formação faça falta a muitos dirigentes (diretores desportivos e a presidentes) para que depois não existam certo tipo de problemas. E depois agora virou moda a situação dos investidores.

Agora eu pergunto-lhe se conhece algum clube em Portugal que tenha ficado melhor depois de ser entregue às mãos de um investidor? E eu não falo dos investidores de milhões, mas os de tostões, aqueles que vão para a II Liga ou para a CNS (Campeonato Nacional de Séniores). Estes investidores estão a matar a essência de muitos clubes. A entrada de um investidor, se não trouxer nada, só vai acabar por matar um clube. Há muitas situações que têm de ser alteradas para bem do futebol português. E o futebol português tem condições para ambicionar outras coisas. Podemos ter o melhor jogador do mundo, o melhor treinador do mundo e até sermos campeões da Europa, mas não temos o melhor dirigente do mundo.

Avaliando o trabalho feito na última década em Portugal, o futebol evoluiu ou não?

Evoluiu o jogador e o treinador português. O futebol português só evoluiu em função do trabalho do jogador e do treinador português, porque se tivermos em conta o trabalho feito pelos dirigentes não evoluiu. Porque continuamos com os mesmos problemas de há 10 anos ou até piores, afinal, vamos assistindo a situações de clubes que descem de divisão por terem salários em atraso. Eu fui o último treinador do Estrela da Amadora quando desceu da I Liga para a segunda B, porque o clube entrou em insolvência. Nessa temporada (2009/10), o clube não tinha posto médico, não tinha autocarro, não tinha lavandaria, não tinha nada.

O clube manteve-se a nível desportivo na I Liga, mas teve de fechar portas. Agora temos a situação do Vitória FC. Agora eu pergunto-lhe assim: acha mesmo que o futebol português melhorou? O dirigismo em Portugal piorou, há escândalos a toda a hora. Eu saí de Portugal vítima de um desses escândalos, era então treinador do Mafra, envolvido num esquema de manipulação de resultados. Nós descemos de divisão, porque não nos deixaram ganhar. Num jogo entre o Leixões e a Oliveirense houve um presidente preso e descobriram-se malas de dinheiro. Isto é para rir. Houve jogadores presos, resultados combinados…

Temos vindo a falar muito da relação entre presidente e treinador. Não resisto a perguntar-lhe como era a sua relação com António Salvador [Jorge Paixão foi treinador do Sp. Braga na temporada 2013/14].

Foi ótima e ainda hoje é. Não tive problema nenhum com o presidente António Salvador. Nunca se quis intrometer no meu trabalho e foi sempre uma pessoa muito correcta. Hoje, o facto de o Sporting de Braga estar onde está deve-se, na minha opinião, à figura do seu presidente. Ele é uma pessoa muito ambiciosa, que tem um sentido de vencer nato e um sentido de visão muito à frente dos restantes. Gostei muito de estar no Sporting de Braga, mas como costumo dizer fui para o lugar certo à hora errada, porque foi uma época muito atribulada.

O Sporting de Braga teve muitas saídas e entradas de jogadores, sendo logo eliminado das competições europeias nas pré-eliminatórias. Apanhei uma equipa muito desestruturada e com muitos atletas lesionados. Utilizei 26 jogadores em 10 jogos, seis deles na equipa B e muitos deles já não estão no grande panorama do futebol. Foi uma experiência positiva, até porque deste momento negativo também aprendi bastante.

Quero ser melhor sempre, escolher sempre onde quero treinar e tentar sempre com a maior ambição chegar o mais longe possível. Também quero ganhar títulos, mas, apesar de as pessoas só reconhecerem os títulos no treinador, para mim também é altamente gratificante lançar jogadores e promovê-los e dá-me uma alegria gigante vê-losa crescer até ao topo.

Já me disse que não pensa num regresso ao futebol português a curto prazo, mas e se António Salvador lhe endereçasse esse convite…

Eu vivo com os pés no chão e isso não vai acontecer. Eu não vivo de ilusões e isso não é uma realidade. E volto a dizer, entre o convite de um clube nacional ou internacional, eu decido ir para fora.

Para rematarmos a questão do Sp.Braga. O emblema de Carlos Carvalhal é candidato ao título?

Na minha opinião sim. Tem um excelente treinador e uma grande equipa. O Sporting de Braga de Carvalhal é uma equipa muito madura e que já vem de trás. Coloco esta equipa ao nível de Sporting, FC Porto e Benfica. E o facto de ter uma massa adepta incrível também empurra o clube para o topo. Além disso, tem infraestruturasextraordinárias.

Agora vamos a três perguntas rápidas do futebol português. Quem é o melhor treinador da I Liga?

Eu não acho que haja um melhor treinador do mundo ou de Portugal. O que lhe posso dizer é que, neste momento, e pelo que tem feito, o melhor treinador é o Ruben Amorim, por ir à frente na classificação e pelo que tem extraído de cada jogador. E também é o treinador que tem lidado melhor com esta situação da pandemia. Agora, não o considero o melhor treinador português nem o da I Liga, é sim o melhor treinador do momento em que estamos.

O presidente mais competente da I Liga?

António Salvador, porque tem sido o presidente a conseguir fazer a melhor gestão do seu clube, também muito à semelhança de Pinto da Costa. Olhando para o caso de Salvador, basta ver o que tem feito ao nível de negócios com jogadores, assim como com treinadores, em que conseguiu o melhor negócio de sempre, e tem feito um trabalho fantástico ao nível da Academia, como também conseguiu colocar o clube ao nível dos outros ‘grandes’ do futebol português.

E, finalmente, quem é o melhor jogador do nosso campeonato?

Aquele que, para mim, se tem destacado, não querendo dizer que seja o melhor, tem sido o Pote. Ele tem mostrado uma enorme qualidade e não baixou os níveis que já apresentava no Famalicão. É o maior destaque nesta I Liga.

Gostava de terminar esta entrevista pegando numa frase que disse no decorrer desta conversa: “Um treinador não deve ambicionar apenas ganhar títulos, mas também trabalhar para o crescimento dos jogadores”. E pegando nisto que disse, qual foi a sua grande vitória?

Talvez a maior vitória tenha sido quando estive no Estrela (2009/10) e não ter deixado morrer um jogador que se tornou meses depois numa das maiores transferências do futebol português. Um miúdo com o qual tive de trabalhar muito para o conseguir motivar, assim como o disciplinar. Falo do Bebé que se transferiu para o Manchester United. O Bebé vai para Old Trafford pelo que fez no Estrela, afinal em Guimarães teve apenas 15 dias. Falamos de um miúdo que era da Casa do Gaiato, um rebelde por natureza.

Eu conto-lhe uma história que eu tive com ele. Todas as semanas havia problemas com o Bebé e um dia chamei-o ao balneário e disse-lhe: ‘Imagina que isto é uma balança e de um lado temos 15 dias, 15 anos ou até 25 anos de cadeia, e do outro lado temos os gigantes europeus (Manchester United, Real Madrid, Bayern, Barcelona…). Todas as semanas te vou chamar aqui e dizer para que lado é que estás mais próximo de cair’. Eu chamava-o todas as semanas e nas que estava mais instável dizia que ele ia apanhar 15 anos de prisão. Mal sabia eu que passado uns meses ele ia rumar ao Manchester United.

Caso para dizer que a metáfora ganhou mesmo asas e tornou-se uma realidade. Jorge Paixão muito obrigado por esta conversa e que o próximo projeto se torne num grande sucesso!

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