Na sua primeira apresentação pública ao sector competente do Executivo, o Rio Luanda, um projecto concebido por dois engenheiros angolanos, colheu pouca ou nenhuma simpatia.
Na segunda-feira, 17, por delegação do seu superior hierárquico, o secretário de Estado das Águas, Lucrécio Costa, transformou uma audiência que Francisco Lopes e António Venâncio solicitaram ao ministro da Energia e Águas, num frente-a-frente entre os dois proponentes do Rio Luanda e a nata da Empresa Pública de Água de Luanda (EPAL).
Francisco Lopes dos Santos, que o apresentou, atribuiu ao projectado rio uma multiplicidade de funções, destacando-se, dentre elas, a retenção das águas pluviais para acabar com as enchentes, inundações em Luanda; reaproveitamento das águas residuais produzidas em fábricas, condomínios e residências e provimento de água potável a um universo não determinado de habitantes da capital do país.
De acordo com os seus proponentes, o rio seria um elemento estruturante do saneamento básico de Luanda e promoveria, ao longo do seu curso, o turismo, a restauração e o lazer.
Em nenhum dos seus momentos, o projectado rio se “cruza” com a EPAL para eventuais e sempre aconselháveis sinergias.
Terminada a apresentação, marcada, registe-se, por frequentes “picadas” à EPAL, cujo trabalho Francisco Lopes dos Santos desvalorizou profusamente, tomou a palavra o secretário de Estado das Águas. Mas antes de fazer uso dela, Lucrécio da Costa avisou que falaria na qualidade de Engenheiro Mecânico que é e não na veste de coadjutor do ministro da Energia e Águas.
Nessa qualidade, dirigiu aos dois proponentes do rio uma bateria de perguntas. Em concreto, ele queria respostas técnicas para questões como o background bibliográfico sobre a qual assenta a proposta, a correlação entre a proposta e o conteúdo de documentação institucional já aprovada e sujeita à discussão pública, estágio de maturidade da proposta, principais indicadores de sustentabilidade ambiental, sanitária, económica e social, dados demonstrativos de que a potabilização das águas residuais, como é defendido, seria menos onerosa do que a potabilização de água bruta.
Lucrécio Costa perguntou, também, se numa hipotética escala de caracterização ambiental, a proposta do rio configuraria uma solução green, blue ou grey e por que razão a proposta não apresentada uma análise multicritério que permitisse a comparação da solução proposta com soluções já estudadas e outra em fase de implementação.
Dirigindo-se especificamente a Francisco Lopes dos Santos, Lucrécio Costa foi enfático: “O senhor conhece, de facto, as soluções que estão em fase de implementação?”
Depois perguntou aos dois: ”por que razão, uma narrativa de engenharia, sendo embora uma proposta, está desprovida de números, simulação de escoamento e modelação primária”?
A bateria de perguntas de Lucrécio Costa ficou sem respostas. É esse misto de silêncio e tergiversação que lhe permitiu concluir que a proposta ali levada a debate não estava amadurecida.
Opinião corroborada pelo representante da Ordem dos Engenheiros de Angola, ali presente. Quando lhe foi dada a palavra, Agostinho Baltazar sublinhou que a OEA entende que falta imensa documentação de suporte à proposta de criação artificial do rio Luanda.
Quando lhes foi devolvida a palavra, Francisco Lopes dos Santos e António Venâncio alternaram-se na exaltação das “virtudes” do seu rio e nas alusões menos simpáticas ao desempenho da EPAL.
Ao cabo de pouco mais de duas horas, todas as partes, mas sobretudo os anfitriões, abandonaram a sala sob o peso da constatação de haverem empregue mal o seu tempo.
É por causa dessa frustração que, já quase no final do encontro, um engenheiro, formado em Cuba, tomou a palavra para questionar a autoridade técnica dos dois proponentes do Rio Luanda. “Mas qual a autoridade que vocês têm de criticar a EPAL quando não são capazes de defender a ideia que aqui vos trouxe”?
Também desapontado, um outro engenheiro sugeriu que Francisco Lopes e António Venâncio deveriam pedir desculpas à opinião pública. ‘Vocês usam a comunicação social para vender à opinião pública um produto que não existe”.
Em suma, ficou ali evidente um enorme fosso entre aquilo que Francisco Lopes dos Santos e António Venâncio dizem à opinião pública e a execução do seu projecto.
Apesar do clima de “sabe a nada”, estampado nos rostos de quase todos, sobretudo nos dos técnicos da EPAL, sequiosos de detalhes da nova proposta, Lucrécio Costa, novamente nas vestes de secretário de Estado das Águas, não fechou a porta a novos diálogos com os protagonistas da proposta do rio Luanda.
“Daqui a dois ou três meses podemos ter outro encontro se os senhores tiverem algo mais substancial a apresentar”, anunciou no final do encontro de segunda-feira.
Mais de 24 horas depois do encontro, António Venâncio desvalorizou a importância do evento. “Nós só fomos ao encontro com a EPAL para satisfazer o ministro da Energia e Águas. Não abrimos o jogo naquele encontro porque o nosso foco não é a EPAL; é o Governo.
Não queremos perder tempo com a EPAL. Ela tem o seu percurso e nós queremos seguir o nosso. Se calhar, no futuro, poderemos considerar o aproveitamento de algumas das suas infraestruturas. Mas, por enquanto, o nosso foco é o Governo”.
Ao Correio Angolense, António Venâncio disse-se bastante encorajado com a “boa avaliação que a governadora de Luanda faz da nossa proposta. Isto é o que nos interessa. A nossa prioridade é convencer o Governo. A EPAL não nos interessa”.
ESTIVE LÁ
Está a circular nas redes sociais uma mensagem cuja autoria é atribuída ao Eng. Francisco Lopes dos Santos, co-proponente do projecto rio Luanda, em que se insinua que o ambiente que se viveu na manhã de segunda-feira, no anfiteatro da EPAL, teria sido uma encenação previamente ensaiada.
“A tendência no local ficou clara com os discursos do secretário e seu convidados previamente instruídos. Nada nos admira diante do quadro em que vivemos”, diz-se na referida mensagem.
A convite do secretário de Estado das Águas, Lucrécio Costa, testemunhei, do princípio ao fim, à apresentação do projecto rio Luanda aos trabalhadores da Empresa Pública de Água.
Em momento algum vi, ouvi ou pressenti qualquer encenação ensaiada visando embaraçar os dois proponentes do rio Luanda.
Aqui e ali, mas sobretudo na parte final, o encontro foi pontuado por algum friccion. O tom por vezes exaltado que um ou outro funcionário empregou foi proporcional à linguagem frequentemente descortês usada pelos dois proponentes.
Na apresentação do projecto e na sua defesa, quer Francisco Lopes dos Santos quanto o seu parceiro frequentes vezes usaram linguagem ofensiva ao brio dos profissionais da EPAL. Quase invariavelmente reputaram como fracasso o passado da empresa e olharam com desdém as suas realizações actuais e programadas.
Francisco Lopes dos Santos e António Venâncio já apresentaram o “seu” rio Luanda a plateias que, eventualmente, se “derreteram” diante da perspectiva de um rio passar por entre a cidade de Luanda.
Provavelmente constituídas por leigos e outros “impercebentos”, tais plateias não exigiram aos proponentes do projecto os caminhos concretos que culminariam com a criação artificial de rio atravessando Luanda e carregando consigo soluções para o crónico deficit de água potável e para os gravíssimos problemas de saneamento básico.
Na segunda-feira foi diferente. Francisco Lopes e António Venâncio tinham diante de si não um bando de ouvintes passivos, mas uma plateia activa, questionante. De entre os presentes, estavam alguns que frequentaram, com António Venâncio e Francisco Lopes, as mesmas escolas, universidades e países.
A este caso, não se aplicaria o “Xicola”, um dos clássicos de Lulas da Paixão. Conceitos como caudal de água, conformidade ambiental da solução ou garantia de segurança sanitária da água, perspectiva de resultados económicos e sociais convincentes ou ligação domiciliar, estudados em Engenheira Hidráulica, eram familiares a boa parte dos presentes.
Perante uma plateia tecnicamente preparada, não foi fácil a Francisco Lopes e António Venâncio impor o seu “produto”. Ou seja, o público ali presente mostrou-se pouco receptivo ao “peixe” que lhe era vendido. Mesmo porque – e como se diz mais acima – os proponentes do rio Luanda não levaram a debate todos os dados do problema.
Mas daí para uma encenação, como sugere a mensagem de Francisco Lopes, vai a distância que há entre o sonho e a realidade.