Cabo Verde ainda está a digerir a perda do homem que escrevia e compunha “música com tradição”, Antero Simas, falecido a 9 de Junho nos Estados Unidos, depois de doença prolongada.
Esta leitura é do jornalista e músico Moisés Évora e do sociólogo e etnomusicólogo César Monteiro sobre o autor de mais de 40 composições, que também foi um exímo guitarrista, fundador de vários grupos musicais e intérprete.
Natural da cidade da Praia, onde nasceu a 7 de Outubro de 1952, neto e filho de músicos, aos 10 anos de idade Antero Simas teve o seu primeiro violão e deu então os primeiros passos na música.
Nessa altura, como diz César Monteiro, autor de “A música cabo-verdiana e Manel d’Novas” (2021) e “Música e Sociedade Cabo Verdiana – Múltiplos Olhares Sobre o Perfil e Obra de Manel d’Novas” (2022), Simas tinha uma forte influência dos Beatles, dos The Rolling Stones e, mais tarde, da Bossa Nova brasileira, que passou a ser uma dos seus géneros preferidos.
Influências e “aparente parodoxo”
Em meados da década de 1970, quando radica-se na ilha do Sal, por motivos profissionais, Antero Simas passa a manter uma forte convivência com um dos mais exímios guitarristas de Cabo Verde, Luís Rendal, e o intérprete de mornas, Tonecas Marta.
“Essas influências marcam-no profundamente”, aponta Monteiro quem justifica assim a profundidade das raízes da música cabo-verdiana nas composições dele.
Para Monteiro, pode-se falar num “aparente paradoxo” entre essas influências estrangeiras e as suas composições puramente crioulas, “mas apenas aparente porque não há paradoxo”.
“Compositor verdadeiramente moderno, eclético, diversificado, um compositor livre, ele dizia que quando compunha não tinha barreiras, era absolutamente livre, e condenava qualquer tipo de entrave que se colocasse à criação”, acrescenta aquele estudioso da música cabo-verdiana que descreve Antero Simas, como possuidor “de uma cultura musical vastíssima, enciclopédica, que envolvia essa faceta humana, faceta patriórica, faceta nacionalista”.
Música com tradição, não tradicional
Por isso, Monteiro afirma que Antero Simas “é um dos mais modernos e multifacetados compositores cabo-verdianos que, no entanto, dizia não fazer música tradicional.
“Musica com tradição” é assim que, segundo o escritor e sociólogo que o entrevistou várias vezes, Simas definia a sua obra porque, sublinha César Monteiro, “a música dele não estava pendurada àquela visão rígida que temos da música cabo-veridana”.
De casa “discoteca” a homem de elevado nível cultural
Essa dimensão tradicional mas também global do compositor de uma das mais emblemáticas músicas de Cabo Verde, “Doce Guerra”, gravada por mais de um dezena de artistas, entre eles Cesária Évora e Mirri Lobo, decorre da sua formação musical e particular sensibilidade.
O jornalista e músico, Moisés Évora, que tocou com Antero Simas durante anos, lembra que a casa dele era uma “autêntica discoteca, de discos antigos até aos mais recentes, porque a música era a sua grande paixão”.
“Homem com uma cultura geral acima da média, que falava da música como alguém que bebe um copo de água”, acrescenta o também amigo de décadas de Simas.
Para Évora, o país “ainda está a digerir a perda e pergunto: o que Cabo Verde terá perdido para o futuro (?) porque as composições do Antero eram autênticas aulas, demonstrando que o caminho da composição é um caminho vastissimo, mas ainda não concluímos o tamanho da perda”.
“Doce guerra”, uma benção
Grande defensor da cultura musical do país, mas com mente aberta, aquele jornalista lembra que “Antero Simas assumia-se como africanista, falava da grande cultura do continente africano e ficava aborrecido quando se falava tanto do lado negativo e se esquecia do lado positivo e da cultura de África”.
Para aquele jornalista, “a nossa geração e a geração vindoura têm muito a aprender com as suas composições, a sua pena lindíssima, os seus poemas, porque quem fez ´Doce Guerra´ não pode ser uma pessoa qualquer, ´Doce Guerra´é uma benção”.
Prémio Carreira
Neste ano, a Sociedade Cabo-verdiana de Música (SCM) atribuiu-lhe o Prémio Carreira.
Na ocasião, ausente por motivos de doença, deixou uma mensagem em vídeo.
“As minhas emoções não têm limites, se calhar não merecia que Deus me desse tanto. É extraordinário o que recebi de Deus, da SCM e de Cabo Verde. Obrigado a todos os cabo-verdianos!”, disse.
Na década de 1980, ele recebeu o Prémio B.Leza, que destacou as duas melhores composições dos 10 primeiros anos da Independência Nacional, juntamente com o ícone da composição das ilhas, Manuel d´ Novas.
Além do clássico “Doce Guerra”, Antero Simas assinou várias composições como Alma Violção, Fidjo Rei di Funaná, Nha Morna, Súplica, Destino di Criola e Joana Santana.