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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Angolano conta a sua fuga da Ucrânia para a Polónia

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FONTE:RFI

O angolano Cláudio Chicaia, de 28 anos, fugiu da Ucrânia assim que a invasão russa começou e chegou este domingo à capital da Polónia. Nos últimos dias, viveu uma odisseia de comboio, de carro e, no final, a pé, algo que “vai ficar para sempre” e que foi vivido por milhares de pessoas. Desde 24 a 27 de Fevereiro, a Polónia acolheu mais de 115.000 pessoas. Cláudio é uma delas e tem esperança de regressar a Kiev.

RFI: Quer contar-nos um pouco como foram os últimos dias?

Cláudio Chicaia: Realmente foi muito difícil. Foram praticamente três dias sem alimentação apropriada, sem tomar um banho assim bom, ficar de pé quase sempre, deitar-se em lugares inapropriados, como nas malas… Foram dois ou três dias de muito stress. Eu estava em Dnipro, ao princípio, mas eu já vivo em Kiev há mais ou menos dois ou três anos. Então, estava em Dnipro, tive que sair de Dnipro para Kiev quando começaram as primeiras explosões. Depois em Kiev, tive de sair de Kiev para Lviv e de Lviv tive de sair para passar a fronteira e entrar para a Polónia.

Foram uns dias muito cansativos, quase que não dormimos, aquilo é andar porque para entrar para a fronteira há muita gente. Tinha muitos carros, a linha era muito grande, quase não se movia para quem vai de carro, então tínhamos que descer em algum ponto e andar. Há quem teve que andar vinte, trinta quilómetros até chegar lá na fronteira. Depois, na fronteira, ficas lá de pé até chegar a tua vez de ser atendida e era uma multidão. Então, tu ficavas lá cinco, seis, sete horas. Quem chegava no final do dia, ouvia: “Agora estamos a atender, por exemplo, só as crianças e as mulheres, no caso, os ucranianos, vocês fiquem por aí, durmam em algum lugar e voltem novamente no dia seguinte.

Então, foi uma luta e tanto. Felizmente conseguimos sair. Saímos alguns, mas tem outros angolanos que estão na mesma disputa, neste momento, ainda estão lá na fronteira.

Tem noção de quantos angolanos?

No momento, tem uma média de 30 angolanos lá na linha da fronteira, prestes a passar para a Polónia. Isto é a informação que eu tenho. Agora, dos que ficaram não sei quantos ainda estão por passar.

Como é que foi a viagem? Foi de carro, foi com amigos?

De Dnipro a Kiev foi de comboio. De Kiev para Lviv também foi de comboio mas foi uma luta porque estávamos a utilizar um comboio de evacuação. Houve chicotes e tudo. Os policiais a darem porrada em certas pessoas por causa da confusão e tudo o mais. Mas felizmente conseguimos entrar e cheguei a Lviv. De Lviv para a fronteira fui de carro, um taxi.

E pagou? Fizeram-no pagar?

Temos que pagar. Há quem esteja a aproveitar a situação para fazer algum extra. Pagámos uns 500, 600 dólares só para sairmos de Lviv até à fronteira e foram para aí 30 ou 40 minutos. Éramos quatro no carro e pagámos esse valor.

E agora, como é que você se sente e o que pensa fazer?

Sinto-me triste porque já estava na Ucrânia há mais ou menos sete anos, então já tinha uma certa conexão com o país e criei laços com certas pessoas, tive um apartamento graças a Deus e tive que deixar tudo para trás. Então, é um sentimento muito triste.

Durante o caminho, o que é que mais o marcou?

O que mais me marcou – infelizmente não é algo tão positivo – é que em certos locais não fomos tratados como o normal, estava a ser um pouquinho mais separatista, vamos dizer. Por exemplo, subir nos comboios – como eram comboios de evacuação não se pagava nada – e por não se pagar nada tinha um montão de pessoas e todo o mundo tentando entrar no mesmo comboio, mas os policiais travavam os estrangeiros, principalmente os africanos. Podias estar na linha da frente, paravam-te, ficavas à espera e puxavam os ucranianos e tudo o mais e aquilo ficava logo cheio e tinhas que esperar o outro comboio. Isto aconteceu na estação de comboio e aconteceu também para atravessarmos a fronteira da Ucrânia para entrar para a Polónia. Então, naquela linha também aconteceu a mesma coisa. Nós tivemos que discutir com eles. Aconteceu com o nosso grupo e aconteceu novamente com os outros grupos que deixámos para trás.

Ou seja, além de ter de fugir de um país em guerra, ainda teve de enfrentar o racismo e a discriminação por ser africano?

Exactamente, foi exactamente isto que aconteceu. Fiquei muito triste porque conectei com o povo ucraniano, com a cidade, com o país, então foi meio difícil para nós ter de aceitar que temos de deixar o país. Eu, pelo menos, fiquei lá até ao último momento quando as coisas começaram a tomar um rumo mais complicado.

Quando é que você decidiu deixar o país?

Eu estava em Dnipro, que é uma cidade que estava bem próximo do Donbass. Então, quando houve as primeiras explosões em algumas partes da Ucrânia eu ainda estava ali. Quando saí, levei praticamente 24 horas ou uma coisa assim para chegar até Kiev. Depois, passei a noite em Kiev e, no dia seguinte, fui procurando opções para sair de carro ou de comboio. Assim consegui. Acho que foi a 24 ou 25 que eu decidi sair de Kiev. Já estávamos a ouvir algumas notícias de tropas descendo daqui, de tropas descendo dali, parece que o objectivo era mesmo eles chegarem à cidade de Kiev. Nesse momento, decidi que mais vale prevenir do que depois ter que passar por uma situação bem mais complicada.

Pelo caminho, também deve ter visto muitas famílias, muitas crianças, se calhar até mulheres grávidas…

Sim, sim, sim. Havia muitas crianças, muitas grávidas. Muita gente, muita gente mesmo, nem imagina o quanto. Foi como se fosse um filme de terror porque nós ficámos de pé. Tanto nós quanto as crianças e as mulheres grávidas, com um clima fresco. Foi muito difícil, muito complicado.

Isso no comboio ou quando chegou à Polónia?

No comboio também. Foi uma luta e tanto. No comboio, por exemplo, entrava tanta gente que nem todos tinham possibilidade de sentar. Nós, por exemplo, viajámos de pé, tínhamos que às vezes sentar nas malas, dormir nas malas e, depois, quando chegámos às fronteiras havia mais crianças. Alguns de só alguns meses, dois, três, quatro meses, crianças de dois, três anos e sucessivamente. As mães ali, umas não aguentavam tanto sofrimento, choravam ali no local, mas não adiantava muito o choro porque não tinha o que se fazer porque não era só uma ou duas pessoas com crianças, era uma multidão. Foi realmente muito difícil.

Agora, você tem a possibilidade de pedir ajuda ao governo angolano. Vai pedir ajuda para voltar para Angola ou prefere ficar na Europa?

Eu prefiro ficar cá porque, primeiro, já não estou muito acostumado com o nosso estilo de vida lá e aqui teria mais oportunidades para mim em termos de emprego e estudos. Em Angola estamos também com uma crise que já vem de há uns bons anos e não há assim muita possibilidade de empregos. Então, de preferência ficamos aqui, conseguimos fazer qualquer coisa. Pretendo ficar por aqui e não pretendo pedir ajuda do governo angolano no momento porque eles já deixaram bem claro que a ajuda vai ser colocar-nos no avião e voltarmos para Angola. A maior parte dos angolanos não querem voltar, posso até dizer que quase ninguém quer voltar.

Não houve uma ajuda para vos extrair da Ucrânia?

Ao princípio ficaram de dar esta ajuda mas, como pode ver, nós entrámos na Polónia, não tivemos ajuda alguma. Mas eles deixaram algumas informações que iriam ajudar, que deixariam um autocarro lá à espera, que deixariam o nome das pessoas que vão entrar para facilitar o processo todo, mas até agora não se viu. Talvez com o outro grupo em maioria lá [na fronteira] a Embaixada poderá ajudar, mas a ajuda será levá-los para um hotel dois, três, quatro dias e depois voltarem para Angola.

Até à manhã deste domingo, a Polónia já recebeu cerca de 115 mil pessoas que vêm da Ucrânia. Como está a ser a recepção, os centros para os refugiados e onde é que você vai dormir?

Há muita gente a chegar. A recepção da Polónia foi muito boa. Eles ajudaram até quem não tinha passaporte – que se esqueceu, que o perdeu – eles estão a deixar entrar. Depois de sair da fronteira, eles põem-te no autocarro, não pagas nada, levam-te para o campo de refugiados – não sei se é bem um campo de refugiados – mas sim, levaram-nos para lá hoje de manhã cedo [domingo]. Tinha muita gente e nós decidimos não ficar lá porque tinha muita gente. Neste momento, estamos num hotel onde vamos ficar dois dias e vamos ver depois se conseguimos um apartamento mais barato e assim levarmos a vida por aqui, pelo menos até conseguirmos um visto que nos permita ficar por aqui ou irmos para um outro local.

Como é que olha para toda esta invasão russa à Ucrânia? Conseguiu sair do país mas certamente muitos dos seus amigos ficaram lá e são obrigados a alistarem-se para lutar. Como é que vê toda esta situação?

É uma situação bem complicada de se dizer ou dizer algo sobre o assunto. Eu, ao princípio, não acreditava que a Rússia realmente pudesse invadir, não esperava. Eu pensava que se invadisse talvez fosse só na área do Donbass. Não pensei que chegaria a esse extremo em que os cidadãos fossem obrigados a pegar nas armas e defender o país. É uma situação muito triste porque realmente muita gente vai perder a vida, não só do lado da Ucrânia mas também do outro lado. É uma situação muito triste. Não sabemos como descrever exactamente ou saber o que dizer neste tipo de situações.

Tem esperança para os próximos tempos?

Sim, ainda tenho esperança. Eu pretendo, se as coisas melhorarem, eu gostaria de voltar para a Ucrânia. Tenho esperança, sim, que o governo ucraniano possa ainda recuperar e que desse jeito quem gostaria de voltar possa voltar. Eu voltaria para lá. Eu tenho esperança. Os ucranianos e o governo ucraniano precisam de muita ajuda e seria muito bom que alguns países pudessem realmente dar essa ajuda que eles precisam. Os cidadãos estão a defender Kiev como podem, com tudo. É motivador. Eu estava no autocarro e tive o sentimento de como se estivesse abandonando o país, como se o país fosse meu e eu poderia ter feito alguma coisa assim para ajudar também, como um soldado ou algo parecido. Tive esse sentimento quando estava no autocarro… É algo muito motivador, algo muito bom o que os cidadãos estão a fazer lá. Então tenho esperança sim. Gostaria de poder voltar para lá com as coisas mais calmas. Isto foi algo muito intenso e vai ficar nas nossas vidas para sempre.

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