O protagonismo do Presidente do Ruanda, Paul Kagame, no conflito militar em Cabo Delgado, está a provocar indignação em alguns sectores da sociedade moçambicana, que alertam para o facto de a soberania poder estar a ser colocada em causa, para além de ofuscar o papel do Chefe de Estado moçambicano na luta contra o terrorismo.
“Estou muito preocupado com esta situação porque parece que Paul Kagame está a fazer as vezes do nosso Presidente da República”, afirma o economista Salvador Mahumane, questionando “por que é que tem de ser o Ruanda a anunciar a recuperação de vilas e povoados que tinham sido ocupados por terroristas, em operações em que estão envolvidas também as forças de defesa e seguranças moçambicanas”.
Mahumane afirma ter tido conhecimento de que Paul Kagame convidou jornalistas de grandes cadeias de televisão, entre as quais a Sky News e Al Jazeera, “em voo privado e, aparentemente, sem o envolvimento do Gabinete de Informação, instituição governamental que tem coordenado o trabalho de comunicação social. E esses jornalistas saíram do Ruanda directamente para Cabo Delgado”.
O editor do jornal electrónico MediaFax, Fernando Mbanze, diz que “isso não só ofusca o Chefe de Estado moçambicano na gestão do conflito militar em Cabo Delgado, como também coloca em causa a soberania e a auto-estima dos moçambicanos”.
“Temos uma espécie de dois governos e dois presidentes; temos Filipe Nyusi dum lado e doutro, Paul Kagame, a dirigirem o mesmo território. Como é que fica a nossa soberania numa situação em que algumas coisas que acontecem cá, entre nós, são decididas lá fora?”, interroga-se aquele jornalista.
Para o sociólogo Moisés Mabunda, isso acontece porque Moçambique “sempre esconde a informação sobre o conflito em Cabo Delgado, que começou com pequenos ataques a aldeias remotas daquela província”.
Um Estado que se preze não pode ser destroçado de qualquer maneira. Estou indignados com essa situação”, acrescenta Mabunda.
Fernando Mbanze pergunta também que “Estado temos que até parece estar a ser dirigido por dois governos”.
“Repare que Kagame nem sequer veio a Maputo, como mandam as regras protocolares, voou directamente para Cabo Delgado, falou com os seus homens e passeou a sua classe”, conclui aquele jornalista.
O Ruanda enviou em Junho um contingente de mil homens para ajudar as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique a combater a insurgência em Cabo Delgado, e tem sido o porta-voz do exército de Kigali a anunciar as vitórias contra os terroristas que desde Outubro de 2017 têm atacado e tomado localidades naquela província.
Na semana passada, o Presidente Paul Kagame visitou durante dois dias a região e os dois Governos assinaram acordos e memorandos, cujo teor não foi divulgado.