Em causa está o abandono sem autorização por parte de Jacob Zuma de uma sessão da comissão anticorrupção. O antigo Presidente sul-africano acusou o juiz de ser parcial e de o tratar como acusado e não como testemunha.
A comissão de inquérito à corrupção endémica na África do Sul durante a Presidência de Jacob Zuma vai apresentar uma queixa-crime contra o ex-Presidente por ter deixado a sessão em que foi convocado para testemunhar na semana passada.
“Decidi pedir ao secretário da comissão que apresente uma queixa-crime à polícia sul-africana contra o senhor Zuma, para que a polícia possa investigar a sua conduta”, anunciou nesta segunda-feira (23.11) o presidente da comissão de inquérito e vice-presidente do Tribunal Constitucional da África do Sul, Raymond Zondo, através de um comunicado.
“Atendendo à seriedade da conduta do senhor Zuma e ao impacto que pode ter no trabalho da comissão, e para garantir que respeitamos as disposições constitucionais segundo as quais todos são iguais perante a lei, decidi pedir ao secretário da Comissão que apresente uma queixa-crime à polícia “, justificou ainda o presidente da comissão.
O juiz explicou também que tomará medidas para convocar novamente o antigo Presidente, recorrendo ao Tribunal Constitucional para o obrigar a comparecer.
A decisão de Zondo responde ao comportamento desafiante de Jacob Zuma, que na passada quinta-feira (18.11) abandonou, sem autorização e sem dar explicações, uma sessão para a qual tinha sido convocado para testemunhar.
“Este é um assunto sério”, disse o juiz, insistindo que a atitude de Zuma envia a mensagem de que qualquer testemunha pode “ir e vir” e fazer o que quiser perante a comissão, o que tornaria o seu mandato inútil.
Juiz tendencioso?
O antigo Presidente começou por ser convocado para testemunhar ao longo de toda a semana passada, mas entre segunda-feira e quinta-feira a comissão esteve a considerar uma petição de escusa interposta pela defesa de Zuma contra o juiz Raymond Zondo, por alegada “parcialidade”.
Após quatro dias de deliberações, Zondo indeferiu a petição e confirmou a presença de Zuma na sessão de quinta-feira (19.11), argumentando que o ex-chefe de Estado não tinha provado “razoavelmente” qualquer “parcialidade” em relação a si e, portanto, que o seu testemunho poderia continuar.
Depois da exposição de Zondo, a comissão interrompeu a sessão para um intervalo e o ex-chefe de Estado e o seu advogado, Muzi Sikhakhane, saíram e não regressaram. Não houve qualquer pedido de autorização expressa nesse sentido.
O advogado de Zuma tinha acusado Raymond Zondo de ser “juiz e testemunha” no caso e pedido que a audiência fosse encerrada, declarando a intenção de remeter o assunto para as autoridades judiciais competentes.
Desde então, o ex-Presidente ou a sua defesa não voltaram a pronunciar-se.
Durante todos o processo de inquérito, Zuma só testemunhou uma vez, em julho de 2019, mas retirou-se após alguns dias, dizendo que estava a ser tratado como um “acusado” e não como uma testemunha.
De que é acusado Zuma?
A denominada Comissão de Inquérito sobre a Captura do Estado procura esclarecer se durante a Presidência de Zuma, entre 2009 e 2018, o aparelho público sul-africano funcionou como uma engrenagem para beneficiar fraudulentamente vários homens de negócios, que chegaram a determinar a entrada e saída de ministros de sucessivos governos.
A comissão Zondo ouviu até agora dezenas de ministros, ex-ministros, funcionários eleitos, empresários ou altos funcionários durante os últimos dois anos e deverá prosseguir os seus trabalhos até março de 2021.
Envolvido em escândalos, Jacob Zuma foi obrigado a demitir-se em 2018 e substituído por Cyril Ramaphosa, que se comprometeu a erradicar a corrupção no país.
O ex-Presidente sul-africano é suspeito de ser conivente com a delapidação generalizada dos recursos do Estado através de meios ilícitos, especialmente ao favorecer os assuntos de um trio de empresários envolvidos em vários processos de corrupção, os irmãos Gupta.
O antigo Presidente está também a ser processado num caso de suborno, com mais de 20 anos, em que é acusado de ter recebido comissões do grupo francês Thales num negócio de compra de armas.
Em 2016, por outro lado ainda, Jacob Zuma foi obrigado a devolver, por ordem do Tribunal Constitucional, meio milhão de euros de capitais públicos, gastos irregularmente na renovação da sua residência privada.
A comissão Zondo não tem poderes para processar judicialmente os inquiridos, mas pode fazer recomendações a outros organismos e as suas conclusões podem no futuro ser utilizadas como prova em tribunal.
Pelo menos 34 testemunhas implicaram o antigo Presidente sul-africano em alegados delitos. Zuma negou ter cometido qualquer ato ilícito.