Ministério Público considera que os juízes do Tribunal Penal Internacional cometeram erros de direito e processuais na absolvição do ex-Presidente da Costa do Marfim, em 2019.
Em Fevereiro de 2019, Laurent Gbagbo, agora com 75 anos, saiu da prisão em Haia (Países Baixos) em liberdade condicional, na Bélgica, após 7 anos atrás das grades. O ex-Presidente da Costa do Marfim foi liberto na sequência de uma surpreendente absolvição por parte do Tribunal Penal Internacional (TPI) devido a falta de provas.
O braço direito de Gbagbo, o ex-ministro da juventude Charles Ble Goude, de 48 anos, também foi absolvido.
Os dois homens estavam em julgamento desde 2016, acusados de incitar à violência e de crimes contra a humanidade, incluindo assassinato e violação. Os crimes terão sido cometidos em 2010 e 2011, durante a violência pós-presidenciais na Costa do Marfim, que causou a morte a três mil pessoas.
Pedido de anulação da absolvição
Com o objectivo de anular esta absolvição e obter um novo julgamento, a Procuradora-Geral do TPI, Fatou Bensouda, apresentou um recurso em Setembro de 2019, apenas oito meses após a absolvição.
Até quarta-feira (01.07) o TPI vai realizar audiências para apreciar o pedido da procuradora para que haja um julgamento de recurso.
Esta segunda-feira (22.06), na primeira audiência, o Ministério Público considerou que os juízes do TPI não emitiram uma decisão totalmente fundamentada e cometeram erros de direito e processuais na absolvição de Laurent Gbagbo, em 2019.
Devido à pandemia provocada pelo novo coronavírus, a audição desta semana é parcialmente virtual, o que constitui uma estreia para o TPI. Gbagbo assiste por videoconferência, enquanto Goudé está presente na sala de audiências.
Críticas aos juízes
O Ministério Público junto do TPI criticou os juízes da secção de julgamento por terem apresentado os seus fundamentos por escrito em Julho de 2019, seis meses após a decisão, comunicada oralmente, de absolver os dois homens. Foi um período demasiado longo, “o que lançou dúvidas sobre a fiabilidade da decisão”, indicou a acusação.
O tribunal “não proferiu uma decisão devidamente fundamentada” sobre a absolvição e “não tinha concluído o seu exercício, quando absolveu oralmente os dois homens em Janeiro de 2019”, afirmou Helen Brady, procuradora-adjunta sénior.
Brady disse que isso “manchou a própria essência do processo judicial, afectando assim a confiabilidade e a integridade da decisão em si”.
Provas insuficientes?
Uma das razões para a absolvição, segundo os juízes, foi o facto de não existirem provas suficientes contra os visados. No entanto, a acusação apresentou uma “quantidade significativa de provas”, disse Brady, com 4.610 documentos e 96 testemunhas ouvidas durante o julgamento.
Além disso, “o lapso de tempo” foi muito curto “entre o processo da moção de insuficiência de provas e a absolvição”, defendeu a própria acusação.
“As vítimas apoiam e aderem aos argumentos da acusação que demonstram que a maioria cometeu vários erros de direito e falhas processuais” ao absolver Gbagbo e Blé Goudé, afirmou Paolina Massidd, representante das vítimas perante o TPI.
“Os referidos erros são o resultado de um procedimento extremamente deficiente e são apenas alguns exemplos de um fracasso geral da câmara de julgamento em conduzir um julgamento justo para as vítimas”, acrescentou.
De regresso à Costa do Marfim?
Recentemente, o TPI negou um pedido de libertação incondicional de Gbagbo, 75 anos. No entanto, atenuaram as condições da liberdade condicional ao antigo presidente, que está agora autorizado a sair da Bélgica. Necessita apenas de concordância prévia de qualquer país que deseje visitar.
O partido político de Laurent Gbagbo, a Frente Popular da Costa do Marfim (FPI), apelou ao actual Presidente, Alassane Ouattara, para que “dialogasse”, a fim de permitir o regresso do ex-chefe de Estado ao país.
Uma associação de vítimas da crise pós-eleitoral 2010-2011 manifestou rapidamente a sua “forte oposição” a um eventual regresso do ex-Presidente à Costa do Marfim.
Tecnicamente, caso regresse ao país Gbagbo enfrenta a prisão, após ter sido condenado à revelia a um mandato de 20 anos por um tribunal da Costa do Marfim, em Novembro passado pelo “roubo” da filial local do Banco Central dos Estados da África Ocidental (BCEAO) durante a crise pós-eleitoral.
TPI em declínio?
A absolvição de Gbagbo foi um duro golpe para a acusação, uma vez que foi o primeiro ex-chefe de Estado a ser julgado pelo TPI, fundado em 2002 para julgar as piores atrocidades do mundo
A audiência desta segunda-feira (22.06) chega quando a procuradoria do TPI luta contra uma série de absolvições e casos fracassados, incluindo o do político congolês Jean-Pierre Bemba, absolvido em 2018 por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Também vem numa altura em que o TPI está a ser atacado pela administração do Presidente dos EUA, Donald Trump, devido à investigação do tribunal sobre crimes cometidos pelas forças dos EUA durante a guerra no Afeganistão.