Não há dúvidas nenhumas de que a cultura constitui o acto fundador mais importante da História da Humanidade: é nela que a memória, a criatividade e a imaginação se abraçam de um modo que não acontece noutra forma da consciência, é nela que se manifesta melhor, como diria André Malraux, a nossa “condição humana”.
Nestes primeiros dias do mês de Maio, uma série de factos fez acender as luzes vermelhas sobre o que, – se não se fizer diferente, pode vir a transformar-se a cultura quanto mais nos aproximarmos das eleições gerais de 2022.
Neste sentido, confesso que quando começou a circular nas redes sociais que o kudurista Pai Banana aderiu à UNITA e que, muito provavelmente, vai participar na sua campanha eleitoral, uma vez que para além de fazer parte na retórica da pureza da identidade cultural, como o partido em questão nunca deu muita importância à Cultura, tendo mesmo rejeitado o pelouro aquando da formação do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, em 1997, eu não prestei muita atenção à notícia.
No entanto, quando me apercebi que outro kudurista, o Pai Profeta, vai participar na campanha do MPLA fez-me rir porque, de um modo geral, para mim, ele tem lá a sua piada. Mas, foi quando, – dada a transcendência da notícia -, depois, o Presidente João Lourenço anunciou na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo do Forúm dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), que o Estado angolano vai conceder um milhão de euros para que se escreva uma história dos movimentos de libertação nacional é que dei por mim a pensar que, de uma maneira contundente, por um lado, o titular do Poder Executivo assume que a cultura é um espaço onde as decisões políticas mais do que relevantes, podem mesmo vir a ser a ser decisivas.
E, por outro, que, afinal, se vontade política existir, podemos encontrar dinheiro para as artes e para a cultura. Se a isso, unimos, a proposta de cariz político mais ousada que Jomo Fortunato, o Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente fez, no passado dia 6 de Maio, no primeiro conselho consultivo alargado do Ministério que dirige: ele propôs que o Decreto Presidencial Nº15/11, de 11 de Janeiro, – que aprovou a Política Cultural, proposto pelo IIIº Simpósio sobre a Cultura Nacional, que coincidentemente caducou há quatro meses -, seja prorrogado até 2022.
O ministro argumentou que o que se pretende é permitir que “se complete o ciclo político e de governação”: daí, também, a curiosidade de muitos de nós em saber e ver o que, no futuro, farão os partidos políticos e o governo, no que a uma estratégia de desenvolvimento da cultura, do turismo e do ambiente (2022-2032), se refere.
Assim é, pois, neste contexto que, no nosso mais modesto entender, tal fará mais sentido se se despoletar imediatamente um processo que permita fazer uma avaliação dos efeitos e da eficiência, dos pontos fracos e dos acertos práticos do referido Decreto Presidencial, se desenhar e se programar um instrumento de transição e, também, se se passar imediatamente a redefinição de uma nova política cultural, que dote o Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente de meios, mecanismos, incluindo tanto um orçamento robusto como o conjunto de políticas públicas que o permitam autosustentar-se financeira e economicamente, de modo adequado, a curto, médio e a longo prazo.
Neste sentido, podemos ir mais longe e fazer diferente: sendo a definição da política cultural um instrumento fundamental para pensar a Nação, para além dos partidos políticos, a necessidade de renovar a política cultural da República de Angola deveria, antes, catalizar a realização do IV Simpósio sobre a Cultura Nacional e, por esta via, se activarem mecanismos de auscultação transversais, inclusivos e abrangentes, que permitiriam captar o sentir e o entendimento de um vasto leque de instituições públicas e privadas, associações e agremiações profissionais e empresariais, fundações, instituições de ensino, peritos e especialistas de diversas áreas de estudo e de pesquisa, incluindo membros da sociedade civil organizada, entre outros.
Em todos os períodos da história de Angola, a cultura esteve sempre presente de diversas formas e maneiras: é ela que ajuda a definir a nossa múltipla, compósita, elástica e inclusiva “condição angolana”; da qualidade de uma nova política cultural (2022-2032) dependerá, também, a qualidade das artes e da cultura e do lugar que ocuparão na nossa sociedade, no futuro; reforçar a sua gestão contribuirá ao fortalecimento das instituições, a melhor utilizá-la como um veículo de saber e de factor de consolidação de uma inteligência colectiva, em prol do bem-estar social de todos.