As perdas em África devido aos fluxos financeiros ilícitos (FFI) ascendem a cerca de 88,6 mil milhões de dólares anualmente, representando 3,7 por cento do seu PIB, uma grave fuga de capitais que agrava a desigualdade e sufoca o crescimento. Esta fuga ameaça também a realização dos objectivos delineados na Agenda 2063 de África, o plano da União Africana (UA) para a prosperidade económica em todo o continente, bem como os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
A cooperação fiscal global e a luta contra os fluxos financeiros ilícitos (FFI) tornaram-se cruciais na governação económica internacional, especialmente para os países africanos.
À medida que a economia global se tornou mais interligada, as práticas de erosão da base tributável e de transferência de lucros (BEPS na sigla inglesa) por parte das empresas multinacionais (EMN) intensificaram-se, levando a perdas significativas de receitas fiscais.
Os países africanos são particularmente vulneráveis devido à sua forte dependência dos impostos sobre o rendimento das empresas e aos desafios na aplicação da regulamentação fiscal. A digitalização da economia global veio complicar ainda mais a tributação, dificultando às autoridades africanas a captação de receitas provenientes dos negócios digitais. Apesar do envolvimento de mais de 140 países no Quadro Inclusivo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e do Grupo dos Vinte (G20) sobre BEPS, as nações africanas enfrentam desafios significativos para beneficiarem plenamente destas normas globais como resultado de processos administrativos e restrições económicas.
Para além das iniciativas da OCDE, a UA abordou os FFI através do Painel de Alto Nível sobre os Fluxos Financeiros Ilícitos de África, presidido pelo antigo presidente sul-africano Thabo Mbeki (o Painel Mbeki). O relatório do Painel Mbeki instou as nações africanas a reforçarem as capacidades institucionais para conter estas saídas. Além disso, a ONU tem defendido uma abordagem mais inclusiva à governação fiscal global que aborde os desafios únicos dos países em desenvolvimento.
Reduzir os Fluxos Financeiros Ilícitos (FFI) e promover o desenvolvimento sustentável em África exigirá uma abordagem centrada em África para a cooperação fiscal global que reforce as regras internacionais sobre os FFI, preserve os recursos financeiros e capacite os decisores políticos africanos com ações estratégicas adaptadas aos desafios únicos do continente.
Para combater a BEPS, mais de 140 países e jurisdições aderiram ao Quadro Inclusivo da OCDE/G20, implementando quinze medidas para garantir que os lucros são tributados onde ocorrem as atividades económicas. Estas medidas incluem o reforço da coerência das regras fiscais internacionais e a promoção da transparência. A abordagem de dois pilares do quadro – o primeiro pilar reafecta os lucros das empresas multinacionais às jurisdições de mercado e o segundo pilar apoia uma taxa fiscal mínima global de 15% – visa enfrentar os desafios colocados pela digitalização da economia e pelas estratégias agressivas de planeamento fiscal por parte das empresas multinacionais.
Embora o quadro BEPS da OCDE/G20 represente um avanço significativo, as nações em desenvolvimento enfrentam desafios únicos na implementação destas medidas.
A capacidade administrativa limitada, a corrupção, as restrições orçamentais e as potenciais distorções nas decisões de arbitragem impedem estes países de participar plenamente na governação fiscal global. Além disso, as complexidades da economia digital dificultam às autoridades fiscais africanas a captação de receitas provenientes de negócios digitais, desgastando ainda mais as suas bases tributárias.
No geral, o Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre o BEPS representa um esforço global crítico para enfrentar os desafios fiscais. No entanto, para que os países africanos beneficiem plenamente, o foco deve estar no reforço das capacidades administrativas e na adaptação das medidas do quadro para satisfazer as necessidades específicas das nações em desenvolvimento. Os esforços de colaboração e as soluções especializadas são essenciais para proteger as bases de receitas das economias africanas e promover o desenvolvimento sustentável.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Cooperação Fiscal Internacional
O impulso para negociar uma Convenção Fiscal da ONU foi inspirado pela necessidade crescente de um sistema fiscal internacional mais inclusivo e eficaz, especialmente para responder às preocupações dos países em desenvolvimento historicamente marginalizados nas discussões fiscais globais.
Tradicionalmente, os acordos fiscais multilaterais têm sido elaborados em fóruns – principalmente a OCDE – com participação limitada dos países mais afectados por estas decisões, conduzindo a normas fiscais internacionais que muitas vezes não conseguem satisfazer as necessidades das nações em desenvolvimento.
Desafios e oportunidades
A proposta de convenção fiscal da ONU apresenta desafios significativos, bem como oportunidades para os países africanos. As principais preocupações incluem uma potencial perda de soberania, o risco de domínio das nações desenvolvidas e as disparidades globais na informação e nos recursos.
As nações africanas devem lidar com estas preocupações ao mesmo tempo que defendem os seus interesses, particularmente no que diz respeito à construção de capacidades regulamentares e à abordagem das causas profundas dos FFI. Para maximizar os benefícios da convenção fiscal da ONU, os países africanos devem garantir que a sua negociação e implementação final são inclusivas, respondem às suas necessidades específicas e são apoiadas por recursos adequados e iniciativas de capacitação.
A convenção apresenta também uma oportunidade única para o continente liderar na governação fiscal global. A próxima presidência do G20 na África do Sul durante 2025 e o novo estatuto da União Africana como membro do G20 oferecem plataformas estratégicas para defender uma posição africana clara relativamente à concepção e aos objectivos da convenção-quadro da ONU. Os governos africanos podem aproveitar este momento para defender os interesses das suas nações e de outros países em desenvolvimento, promovendo objectivos-chave como a eliminação dos FFI, a protecção das bases tributárias e a garantia de uma repartição justa dos direitos fiscais.
A proposta de convenção fiscal da ONU representa uma oportunidade fundamental para as nações africanas garantirem uma partilha mais equitativa das receitas fiscais globais e reduzirem os fluxos financeiros ilícitos. No entanto, para concretizar plenamente os benefícios, os países africanos devem manter-se proactivos na definição dos termos desta convenção para garantir que esta reflecte as necessidades e desafios únicos do continente.
Ao alavancar plataformas estratégicas como o G20 e ao colaborar através das instituições pan-africanas, África pode promover uma agenda colectiva que reforce a sua influência na governação fiscal global. Com esforços africanos coordenados, a convenção fiscal da ONU poderá ser uma ferramenta transformadora para o desenvolvimento sustentável em todo o continente.
Capacitação
Desenvolver a capacidade africana para melhorar a administração e a execução fiscal e o combate a corrupção são fundamentais para melhorar o cumprimento voluntário, reduzir a evasão fiscal e manter a confiança do público no sistema fiscal. Para alcançar este objectivo será necessária uma estratégia multifacetada que inclua reformas institucionais, assistência internacional e a integração das tecnologias digitais.
As reformas institucionais são também essenciais para melhorar a eficácia da administração fiscal. Apesar dos esforços, muitas administrações fiscais africanas ainda enfrentam ineficiências, em grande parte devido ao sector informal e à limitada autonomia das agências fiscais. No entanto, a segmentação fiscal (ou seja, a distinção entre os contribuintes de acordo com características comuns, como o sector ou a dimensão da empresa) oferece uma solução promissora, melhorando significativamente a eficiência e proporcionando um enfoque estratégico para as reformas em curso.
Ao prosseguirem estas acções estratégicas, os países africanos podem não só salvaguardar os seus recursos financeiros, mas também contribuir para um sistema fiscal global mais equitativo e eficaz. Esta agenda centrada em África sobre a cooperação fiscal global é essencial para reduzir os fluxos financeiros ilícitos FFI, promover o desenvolvimento sustentável e garantir que os desafios e oportunidades únicos de África são plenamente abordados no cenário em evolução da governação fiscal internacional.