Por: Reginaldo Silva (Jornalista)
Em qualquer geografia do mundo mais politicamente consolidada do ponto de vista democrático, entenda-se democracia liberal, o que se passou nos últimos dias com a exoneração do Ministro do Interior, Eugénio Laborinho e os seus dois Secretários de Estado, Paulino da Silva e Carlos Albino seria, certamente, tema para intermináveis abordagens seja na comunicação social, seja a outros níveis, com destaque para o Parlamento.
Nessas paragens, o que se passou no Ministério do Interior e áreas adjacentes seria um verdadeiro tsunami político.
Em Angola as coisas não se passam bem assim, embora hoje com as redes sociais a “pipocarem” dia e noite já não seja possível fazer uma gestão mais silenciosa das crises, como era no passado.
Tudo começou no pretérito dia 25 de Outubro, com João Lourenço a exonerar de uma só vez as chefias do Serviço de Migração e Estrangeiros (SME) e do Serviço de Investigação Criminal (SIC).
Mas antes de todos estes desenvolvimentos mais recentes que são o corolário de um processo de denuncias que se arrasta há já algum tempo sobre a prática de crimes económicos que estão a lesar gravemente o interesse colectivo, o país inteiro ouviu/viu o próprio Presidente da República no passado dia 15 de Outubro na Assembleia Nacional apontar o dedo ao envolvimento nessas práticas de “políticos e parlamentares, que têm a obrigação de defender a lei e o bem público, comportamento que deve ser condenado pela nossa sociedade.”
Não há, pois, como não associar imediatamente a “limpeza” que acaba de ser alvo o Ministério do Interior destas denúncias, embora não se possam ignorar outras narrativas menos convergentes que circulam pelas redes sociais.
Uma delas é aquela que aponta para uma luta de poder no seio do próprio Executivo tendo como protagonistas o exonerado Ministro Eugénio Laborinho, até então tido como um dos mais próximos colaboradores do PR e o actual Chefe da Segurança, Fernando Garcia Miala.
A confirmar-se esta versão, Miala sairia deste confronto com uma retumbante vitória por KO com o consequente reforço da sua influência junto do PR.
Por tudo isto e por muito mais, até para se reduzir a margem de especulação sobre as razões da “limpeza”, era com alguma expectativa que ainda se aguardava por um possível discurso (mais articulado) de João Lourenço na tomada de posse do novo Ministro do Interior.
Manuel Homem deixa assim, subitamente, a governação da Província de Luanda a meio de um musculado processo de reestruturação geral que estava a ter algum impacto social na capital.
Na verdade, Manuel Homem apenas governou a tumultuosa Luanda por cerca de dois anos, depois de ter estado na legislatura anterior (2017-2022) como Ministro das Telecomunicações e da Comunicação Social.
Esta segunda-feira na cerimónia da tomada de posse, João Lourenço ignorou olimpicamente o contexto em que acontece esta profunda remodelação do sector, tendo-se limitado a proferir algumas palavras de encorajamento dirigidas ao novo Ministro do Interior.
O Presidente considerou ser uma quebra da tradição nomear um civil para o cargo para logo de seguida pedir a Manuel Homem para não ter “medo da farda”.
Se João Lourenço estivesse disponível para falar à imprensa no final da cerimónia e aqui o escriba voltasse aos seus velhos tempos de “repórter presidencial”, talvez lhe pedisse um esclarecimento sobre este medo.
Será exactamente medo da farda que não poderá nunca usar por ser civil ou medo dos fardados que a partir de agora vai ter de dirigir?
A lógica aponta, obviamente, para a segunda opção pelo que a questão que teria de colocar imediatamente ao PR na hipotética conferência de imprensa seria sobre a razão deste medo porque, aparentemente, não há nada que justifique um tal receio pelo menos do ponto de vista político.
O resto já é mais difícil de adivinhar, mas parece que é mesmo para o “lado mais escuro da lua” que as palavras do Presidente terão sido dirigidas ao juntar no mesmo pacote medo, farda e força.
Numa tentativa muito pouco convincente de se explicar João Lourenço “confidenciou” a Manuel Homem que “a farda não faz mal a ninguém”.
A dúvida anterior continua a justificar-se.
É a farda ou os fardados?
“Não é na farda onde está a força. A força está na inteligência e na determinação dos homens”, assim se explicou João Lourenço sem imaginar que algumas horas mais tarde aqui o escriba iria ter estas dúvidas ao ler nas entrelinhas do seu discurso de circunstância.
Para rematar nada melhor do que um calmante seguido de um elogio: “Exerça as suas funções sem nenhum tipo de complexo, sem receio algum, porque confiamos nas suas capacidades e sabemos que vai dar num bom Ministro do Interior”.
Só faltava mesmo a João Lourenço usar a expressão “Haja Homem!” que agora se vai usar cada vez mais sempre que se falar do novo Ministro sobretudo em títulos da imprensa.
Por mais que não queiramos especular, não temos como não relacionar directamente estas breves, mas sintomáticas palavras de João Lourenço com o contexto turbulento que deu origem à reestruturação do Ministério do Interior e o clima algo pesado que se vive no sector que agora inicia uma nova etapa.
O que é facto é que Manuel Homem, que já é tido em alguns círculos como um dos putativos delfins de João Lourenço, sobe assim mais um degrau na escala da hierarquia político-institucional por onde certamente vai passar o futuro deste país.