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Sábado, Novembro 23, 2024

O que podem Angola e outros países africanos esperar do Fórum de Cooperação África-China 2024?

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O FOCAC 2024, Fórum de Cooperação África-China, deverá reunir-se na primeira semana de setembro em Pequim, devendo culminar com uma Cimeira de Chefes de Estado em 5-6 de setembro. O FOCAC, criado em outubro de 2000, é o principal mecanismo de coordenação multilateral entre os países africanos e a China e, desde 2018, é visto por ambos os lados como uma plataforma de cooperação dentro da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) da China.

O FOCAC reúne-se a cada três anos, alternando entre um país africano e a China. Cada reunião resulta num plano de acção trienal e em promessas chinesas de empréstimos, subsídios e créditos à exportação.

Em termos geopolíticos, o FOCAC é visto como um contrapeso às relações de parceria da EU e dos EUA (AGOA) com a África.

Leia aqui: “UE lança reflexão para rivalizar com o vasto plano de investimento global da China, especialmente em África”.

A última reunião do FOCAC foi no Senegal em 2021, mas foi realizada online devido à COVID-19, não dando oportunidade para uma verdadeira avaliação da cooperação entre os dois blocos.

A reunião do FOCAC deste ano é extremamente importante para o futuro da relação entre a China e a África porque tem lugar num contexto marcado por dois grandes desafios: por um lado, pela fragmentação da globalização e pela crescente rivalidade económica entre a China, os EUA e a UE e, por outro lado, pelo fim da “lua-de-mel” entre a China e África.

Relativamente ao primeiro desafio, é muito provável que a China tente apelar ao conceito de Sul Global para assumir uma posição de liderança no Sul Global, tal como tem tentado fazer com os BRICS, face aos Estados Unidos e a União Europeia.

Inicialmente, para a China, o FOCAC fazia parte da diplomacia chinesa e era visto como um instrumento para obter o apoio dos países africanos para o reconhecimento internacional do princípio de “uma só China” e uma maior participação chinesa em instituições de governação multilateral, como as Nações Unidas, a OMC, o FMI e o Banco Mundial.

Com a Conferência de Paris sobre a ação climática em 2015, o FOCAC ganhou uma nova dimensão. A China foi talvez a primeira grande potência económica a compreender a importância estratégica de África para a transição energética, ao controlar a produção africana de minerais críticos utilizados nas novas tecnologias verdes.

Grande parte da atual tensão geoeconómica entre os EUA, a UE e a China está relacionada com as cadeias de abastecimento de minerais críticos provenientes do continente africano, das quais o corredor do Lobito, em Angola, é um exemplo.

O segundo desafio tem a ver com o fim da relação de “lua-de-mel” entre a China e África.

Recentemente, o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, apelou ao fim dos empréstimos concedidos aos países africanos em troca dos ricos fornecimentos do continente de petróleo ou minerais essenciais utilizados na transição energética, smartphones e baterias de automóveis elétricos.

Poucos dias antes, o Presidente angolano João Lourenço anunciou durante uma visita à China que Angola estava interessada numa nova abordagem de parceria com a China baseada no investimento direto e não em novas facilidades de financiamento em troca de petróleo.

Vários países africanos, incluindo a Zâmbia e o Gana, tiveram enormes dificuldades em reestruturar as suas dívidas com a China.

Por outro lado, os padrões comerciais China-África são muito semelhantes aos padrões África-Europa e Estados Unidos, ou seja, troca de recursos naturais por produtos acabados. Tal como acontece com os países desenvolvidos, o comércio China-África mostra que os países africanos estão ligados às cadeias de valor chinesas através de matérias-primas. O envolvimento comercial China-África é significativo, mas passou em grande parte de um comércio relativamente equilibrado para défices comerciais para os países africanos.

Leia aqui : “BAD critica empréstimos ligados aos recursos naturais de África, enquanto Angola “desbloqueia constrangimentos” com a China”

Leia aqui: “O que o comércio, financiamento do desenvolvimento e IDE revelam sobre as relações económicas China-Africa”

O que podem Angola e outros países africanos esperar do FOCAC 2024?

Embora a preparação do FOCAC 2024 esteja envolta no sigilo impenetrável da diplomacia chinesa, estes dois desafios estarão certamente no centro da agenda do próximo Fórum de CooperaçãoÁfrica-China. A julgar pela direção do terceiro Fórum Cinturão e Rota (BRI) em outubro de 2023, onde a energia verde surgiu como um tema proeminente no reengajamento da China com o mundo, em particular com a Africa, a transição energética será um dos principais tópicos de discussão.

O foco global em minerais críticos, em parte em resposta à crise climática, abre uma oportunidade única para os países africanos impulsionarem a industrialização ao subirem nas cadeias de valor dos minerais. A crescente pressão dos governos africanos para refinar mais minerais no continente pode preparar o cenário para uma colaboração mais profunda entre as empresas chinesas de mineração e energias renováveis. O FOCAC 2024 pode fornecer a ocasião para fomentar tais sinergias.

A centralidade das energias renováveis abre também a possibilidade de parceria na produção de energia e fabricação de componentes. A China usou planeamento industrial e apoio estatal direcionado para aumentar rapidamente o setor de energias renováveis. A Agência Internacional de Energia estima que a China investiu cerca de dez vezes mais que a Europa na indústria solar na última década. As empresas chinesas agora ocupam 80% da cadeia de valor solar global. Isso significa que os países do Sul Global interessados em energias renováveis quase certamente obterão componentes e know-how da China.

A transição energética deve ser acompanhada de medidas que garantam a segurança energética para satisfazer a enorme procura energética em África. Apenas cerca de 44% dos africanos têm acesso a eletricidade estável, e esta falta também atrasou a industrialização africana. Colmatar esta lacuna de forma sustentável oferece oportunidades significativas em termos de parceria China-África.

Os países africanos não sofrem apenas com as lacunas na produção de eletricidade. Têm também redes elétricas fragmentadas e subdesenvolvidas que atualmente dificultam a transmissão e distribuição de energia para utilização em atividades produtivas tanto na indústria como na agricultura.

Em suma, o FOCAC 2024 oferece uma grande oportunidade para redefinir a parceria China-África, transformando o binómio comércio-financiamento em comércio-investimento e permitindo aos países africanos acrescentar valor aos produtos.

No entanto, precisamos de estar conscientes de que o desafio da fragmentação global, acima referido, deverá pairar sobre a reunião do FOCAC24 e poderá mesmo ofuscar os resultados do Fórum se a China tentar apelar ao Sul Global para pressionar os países africanos a alinharem -se com ela nas tensões geoeconómicas com os EUA e a UE. Os países africanos devem ser livres de escolher os seus parceiros económicos com base em interesses comuns.

Por: José Correia Nunes
Diretor Executivo Portal de Angola

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