Os Bispos católicos angolanos juntaram-se ao actual debate em curso no país em torno das autarquias, com uma posição que, muito provavelmente, já estará nos bastidores a provocar algumas reacções menos simpáticas da parte do Executivo de João Lourenço e do MPLA, o partido no poder que detém a maioria absoluta dos assentos na Assembleia Nacional.
Reunidos recentemente na cidade de Malange no âmbito da Primeira Assembleia Plenária Anual da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), que decorreu entre os dias 28 de Fevereiro e 4 de Março, os Bispos não podiam ter sido mais claros na defesa que fizeram da urgência da instalação do poder autárquico no país.
Neste debate sobre as autarquias em causa está a procura de soluções para se melhorar a governação e consequentemente resolverem-se os problemas sócio-económicos da população de forma mais consistente.
Problemas estes que não têm parado de se agravar nos últimos tempos como resultado de uma crise conjuntural que se tem manifestado particularmente resistente, como consequência, sobretudo, da abrupta quebra das receitas cambiais do país, fortemente dependentes das exportações petrolíferas.
Na intervenção que proferiu na abertura da Assembleia, o actual Presidente da CEAST, o Arcebispo de Saurimo, D. Manuel Imbamba, destacou um desafio que ele considerou drástico ao referir-se à envergadura dos actuais problemas sociais. “Estamos, apontou o prelado católico, a correr o risco de transformar o escândalo da pobreza ou da miséria em cultura! Estamos a correr o risco de nos habituarmos a ser pobres e de acomodar-nos na miséria!”
Para a CEAST “a realização das Autarquias é uma urgência para uma governação de maior proximidade e responsabilização”.
Ora o debate passa exactamente pela prioridade que se deve ou não conferir ao processo autárquico, ao ponto de numa das sessões parlamentares realizadas nos últimos dias em Luanda um destacado membro do Executivo ter acusado a Oposição de estar “obcecada” ou de estar a ser “obsessiva” com este dossier.
A Oposição não gostou nada da referência feita, tendo na resposta que foi dada ao Ministro Adão de Almeida, a Deputada da UNITA, Navita Ngolo considerado que a mesma, diante de tudo quanto tem vindo a acontecer, era inaceitável por ter contornos ofensivos.
O que é facto é que para o Executivo em termos legislativos a única prioridade do momento é o seu projecto de Divisão Político-Administrativa (DPA) que fará surgir em Angola mais duas províncias ficando assim o país a contar com 20, ao lado de mais cerca de 200 municípios que se irão juntar aos actuais 164.
Este projecto que já foi aprovado na generalidade pelo Parlamento com a bancada da UNITA a votar contra, vai agora entrar na fase da especialidade com debates que se adivinham particularmente acalorados, para não dizer bastante crispados.
Com a maioria absoluta, e por mais que demore a discussão na especialidade, o MPLA não terá qualquer dificuldade em fazer aprovar o projecto na sua votação final, pelo que alguns observadores admitem que a Oposição ainda venha a tentar a sua impugnação junto do Tribunal Constitucional.
Embora o poder angolano com a eleição de João Lourenço em 2017 para a Presidência da República até tenha pela primeira vez se comprometido com um prazo temporal que seria o ano de 2020, tendo em vista a realização das eleições autárquicas, o que é facto é que nada aconteceu durante o primeiro mandato do sucessor de José Eduardo dos Santos.
Neste segundo e último mandato de João Lourenço iniciado com as eleições de Agosto de 2022, também já está a ficar cada vez mais claro que só por um autêntico milagre haverá alguma movimentação mais definitiva que viabilize o surgimento do poder autárquico no país, com a realização das primeiras eleições locais em Angola.
Angola já é ao nível da SADC o único país que até agora não possui poder autárquico instituído, com a agravante deste desiderato ser incontornável, pois é uma exigência da própria Constituição em vigor desde 2010 que para tal até fixou no texto fundamental os contornos do próprio modelo de governação local.
Em resumo, a Oposição está convencida que com o seu projecto DPA, o Executivo de João Lourenço e o MPLA estão apenas a tentar ganhar tempo para inviabilizar a realização das eleições autárquicas durante este mandato.
Há outras vozes que estão a ver nesta prioridade legislativa do regime algo muito mais preocupante no âmbito da manipulação do eleitorado com as atenções já voltadas para as eleições gerais de 2027.
BISPOS PREOCUPADOS COM A FALTA DE ÉTICA DA ADMINISTRAÇÃO
Para além da implementação das autarquias, o Presidente da CEAST manifestou-se bastante preocupado com a falta de ética por parte dos gestores públicos.
D. Imbamba defendeu a ética aplicada ao serviço público como um instrumento integrado de controlo.
“Devemos, pontualizou o Arcebispo de Saurimo, primar por uma gestão ética no serviço público, para não cairmos no descrédito e na inércia, repetindo sempre os mesmos erros geradores da miséria, fome, injustiça, insatisfação e desespero.”
Em Malange D.Imbamba disse acreditar que “a gestão ética no serviço público transformar-nos-á em cidadãos e funcionários sérios, honestos, responsáveis, exemplares, comedidos, competentes, comprometidos e desapegados, capazes de garantir uma execução a bom nível das políticas públicas traçadas pelo Executivo e com um elevado sentido de pertença e de Estado.”
Como resultado da análise socioeconómica feita pelos Bispos angolanos nesta Assembleia de Malange, a CEAST recomendou quem de direito a prestar uma melhor atenção às inúmeras denúncias sobre fraudes nos diferentes concursos públicos cujo risco é a contratação dos medíocres em detrimento das pessoas mais capazes, com todo o impacto negativo que isto terá sobre a qualidade do serviço público.
A CEAST chegou a conclusão que já existe uma “asfixia do empresariado nacional com a dívida pública e os galopantes impostos”.
Para os Bispos e como consequência desta asfixia, a economia angolana está a ficar “à mercê de estrangeiros que manipulam e especulam os preços da cesta básica, adquiridos com o dinheiro do País.”
Foi assim recomendado ao “Governo a adopção de medidas legais e fiscais que protejam os nossos empresários sob o risco de perdermos soberania naquilo que é vital”.
A outra preocupação subscrita pela hierarquia católica angolana está relacionada com a fraca qualidade das obras públicas, com destaque para as estradas.
Não sendo bem uma novidade apontar-se o dedo a esta triste realidade do investimento público, os Bispos fizeram questão de voltar ao assunto com uma referência à “rápida degradação de algumas estradas recentemente intervencionadas”.
Mais do que isso, os Bispos entendem que esta situação “deve obrigar o Governo a uma melhor fiscalização das empresas contratadas para tais empreitadas, responsabilizando-as civil e criminalmente pela sua curta durabilidade, tão prejudicial para a economia do País”.
Por: Editor Político com RS em Angola
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