Ministros de comércio de todos os países membros se reúnem na Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Abu Dhabi, de 26 a 29 de fevereiro, para tentar estabelecer novas regras para o comércio global, incluindo a reforma do seu sistema de disputas, e cortar subsídios à pesca.
As expectativas para a reunião bienal são modestas num contexto de crescente desrespeito pelas regras comerciais, à medida que o organismo com quase 30 anos de existência enfrenta tensões geopolíticas e geoeconómicas globais e o risco de rutura do comércio mundial.
Embora a luta pela hegemonia económica entre os Estados Unidos e a China seja vista como o principal factor que prejudica a globalização, as tensões geoeconómicas no topo da pirâmide são, na verdade, alimentadas por uma competição tripartida: os Estados Unidos, a China e a UE.
A aliança política entre os Estados Unidos e a UE, especialmente face à invasão da Ucrânia pela Rússia e ao conflito entre Israel e o Hamas, torna as tensões económicas entre os Estados Unidos e a UE menos visíveis, mas também são importantes.
Existem outros níveis de concorrência entre blocos económicos, como o G7 e os BRICS, e entre países emergentes, o que também contribui para a fragmentação da globalização.
O mundo está no alvorecer de um novo paradigma económico, baseado na transição climática, na revolução digital e na inteligência artificial, que se traduz no surgimento de novos setores de atividade económica e na redefinição das cadeias de produção e de abastecimento.
A concorrência torna-se cada vez mais exacerbada para garantir o acesso a minerais críticos para a transição energética, assegurar cadeias de abastecimento e realocar cadeias de produção dentro dos países ou em países considerados aliados.
Após décadas de liberalismo económico, os governos de países como os Estados Unidos, a China, a UE e alguns emergentes assumiram a responsabilidade de redefinir a política industrial através de fortes intervenções públicas sob a forma de subsídios, tarifas e incentivos, muitas vezes violando as regras da OMC.
A OMC assistiu a tudo isto impotente, incapaz de fazer cumprir as regras que sustentavam a globalização. Hoje a OMC enfrenta uma série de desafios que podem comprometer o futuro, e até mesmo a existência, da organização.
O comércio global tem sido um motor essencial da prosperidade e da redução da pobreza ao longo das últimas décadas e a Organização Mundial do Comércio tem estado no centro deste processo. Agora, num momento de tensões geopolíticas, de incerteza política e de crescente armamento do comércio, a cooperação multilateral no âmbito da OMC é cada vez menor.
Os desafios que a OMC tem de enfrentar vão desde a resolução de litígios até à abordagem de desafios globais urgentes, como a transição climática, a agricultura e a segurança alimentar, o desenvolvimento sustentável e o apoio aos países em desenvolvimento.
A OMC está agora a tentar finalizar um pacote de reformas para abordar a forma como julga disputas comerciais.
O seu tribunal superior está desativado há quatro anos devido à oposição dos Estados Unidos às nomeações de novos juízes, deixando disputas comerciais no valor de milhares de milhões de dólares por resolver.
Um projeto de proposta é visto como a última oportunidade para a OMC corrigir o sistema, mas as propostas até este momento não mencionaram como reiniciar o tribunal devido à falta de consenso e há muitos obstáculos .
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, elogiou o progresso nas negociações, mas pareceu descartar as chances de um acordo na reunião de Abu Dhabi. “Ainda não chegamos lá”, disse ela.
Atualmente, os países ainda podem apresentar queixas a um órgão inferior, mas se não aceitarem as suas conclusões, o caso acaba num limbo jurídico, onde se encontram atualmente cerca de dezenas de recursos não resolvidos.
É também necessária uma OMC mais forte e mais operacional para garantir que o comércio possa contribuir positivamente para enfrentar os desafios ambientais globais, como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade e a poluição, e, mais amplamente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
Mas a inércia da organização ao longo dos anos fez com que a agenda de reformas se tornasse demasiado longa, com o risco de submergir a organização e perder o foco. Uma reforma à la carte, orientada por lobbies nacionais, não é a melhor forma de resolver os problemas.
A OMC precisa de recuperar a sua legitimidade e autoridade para liderar o processo de reforma.
Numa altura em que o paradigma económico está a mudar, a integração adequada dos países em desenvolvimento na economia global, especialmente os menos desenvolvidos, torna-se uma condição sine qua non para a humanidade enfrentar os desafios atuais.
Os países em desenvolvimento, especialmente em África, estão integrados nas cadeias de valor globais através das matérias-primas que alimentam as indústrias dos países desenvolvidos. Desde o início, o valor acrescentado global tem sido distribuído de forma desigual entre países ricos e pobres. Em última análise, a ajuda ao desenvolvimento nada mais é do que uma forma de corrigir esta distribuição desigual. Acabar com a dependência da ajuda ao desenvolvimento envolve uma melhor redistribuição do valor acrescentado a nível mundial. E nisso a OMC tem um papel fundamental a desempenhar.
Neste contexto, a agenda da OMC deve ser apoiada por uma forte vontade política para implementar reformas. É esta mensagem que os países em desenvolvimento, em particular os países africanos, que estão na mira de uma nova corrida às matérias-primas, devem levar à Conferência Ministerial da OMC.
Por: José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola