No debate convocado pelo Partido Popular Europeu (PPE), apoiando por conservadores e liberais, os deputados de centro-direita acusaram os socialistas espanhóis de sacrificarem o Estado de direito em nome de ganhos políticos.
A bancada dos Socialistas e Democratas (S&D), que é presidida pela espanhola Iratxe Garcia, respondeu que a lei de amnistia é um passo fundamental para a reconciliação de Espanha com os separatistas catalães.
No início deste mês, o partido separatista catalão Juntos pela Catalunha (JxCat) – liderado pelo exilado Carles Puigdemont, também membro do Parlamento Europeu – concedeu o apoio dos sete deputados que elegeu para o Parlamento espanhol à investudura de um novo gverno liderado pelo socialista Pedro Sánchez (em coligação com outros partidos de esquerda).
Em troca, exigiu uma controversa lei de amnistia para políticos e ativistas catalães que participaram na tentativa fracassada de secessão da província, através de um referendo, em 2017.
A lei provocou a indignação da oposição espanhola, que acusa Sánchez de se aproximar dos separatistas e de desrespeitar o Estado de direito. Nos últimos vinte dias, tiveram lugar protestos com centenas de milhares de pessoas, na capital (Madrid) e noutras cidades.
Os socialistas e a esquerda perderam toda a credibilidade para defender o Estado de direito na Europa.
Manfred Weber
Líder do Partido Popular Europeu no Parlamento Europeu
Em declarações à Euronews antes do debate, o presidente do PPE, Manfred Weber, afirmou que Sánchez colocou o seu “egoísmo pessoal” à frente dos interesses nacionais ao assinar um texto “juridicamente impensável”.
Weber afirmou que as pessoas em Espanha “já não são iguais perante a lei” e acusou Sánchez de permitir que “a corrupção, a violência e o terrorismo” fiquem impunes.
“Os socialistas e a esquerda perderam toda a credibilidade para defender o Estado de direito na Europa”, acrescentou.
“Sr. Weber mentiu”
“Sr. Weber, mentir não é correto, e o senhor mentiu”, disse Iratxe García. “Não há maior ataque ao Estado de Direito do que a sua aliança com a extrema-direita”.
Iratxe García acusou Weber de mentir ao afirmar que os crimes de terrorismo seriam absolvidos ao abrigo do projeto de lei de amnistia, citando o artigo 2C do projeto de lei de amnistia, que diz explicitamente que os actos de terrorismo seriam excluídos da aplicação da lei.
O principal problema do Partido Popular e do Vox é que são incapazes de compreender Espanha. Não conseguem compreender que a grandeza de Espanha reside na sua diversidade e pluralidade.
Iratxe Garcia
Líder dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu
A lei poderia, no entanto, exonerar um número não confirmado de crimes, incluindo desvio de fundos, desobediência e má administração.
“O principal problema do Partido Popular (PP) e do Vox”, continuou, referindo-se às principais forças políticas da direita espanhola, “é que são incapazes de compreender Espanha. Não conseguem compreender que a grandeza de Espanha reside na sua diversidade e pluralidade”, disse a líder da bancada socialista.
Fontes do Partido Socialista espanhol (PSOE) disseram à Euronews que a direita “falhou na sua tentativa de levar a Comissão Europeia a opor-se à proposta de lei de amnistia”.
Vox pede diligências europeias
Santiago Abascal, líder do partido de extrema-direita espanhol Vox, também esteve em Estrasburgo, tendo sido duramente criticado nos últimos dias por encorajar os manifestantes a desobedecerem às ordens da polícia durante as manifestações.
“Esperamos que o Parlamento espanhol seja convidado a dar explicações e que a Comissão atue com a mesma diligência que no caso da Polónia e da Hungria”, disse Abascal aos jornalistas.
O comissário europeu da Justiça, Didier Reynders, cuja equipa está atualmente a analisar a proposta de lei de amnistia para garantir a sua conformidade com as regras do Estado de direito, também interveio durante o debate, mas absteve-se de revelar pormenores sobre a avaliação preliminar da sua equipa.
Iremos efetuar a nossa análise de forma cuidadosa, independente e objetiva para determinar a conformidade com a legislação da UE.
Didier Reynders
Comissário europeu da Justiça
Reynders confirmou que a Comissão Europeia recebeu queixas “de um grande número de cidadãos e partes interessadas” que manifestam a sua preocupação quanto à conformidade da lei e das “comissões especiais do Parlamento” com os valores fundamentais da UE.
“Iremos efetuar a nossa análise de forma cuidadosa, independente e objetiva para determinar a conformidade com a legislação da UE”, afirmou Reynders.
O recém-nomeado ministro da Justiça de Sánchez, Félix Bolaños, deverá reunir-se com Reynders e com a comissária para os valores e a transparência, Věra Jourová, em Bruxelas, na próxima semana. Reynders tinha enviado uma carta aos ministros espanhóis, no início deste mês, solicitando mais informações.
A Comissão Europeia pode propor sancionar os Estados-membros por violações do Estado de direito, ao abrigo do artigo 7.º dos Tratados da UE, e está atualmente a reter fundos da Hungria e da Polónia por retrocesso democrático.
O vice-presidente do PPE, Esteban González Pons (espanhol), acusou o chefe de governo espanhol Pedro Sánchez de pôr em perigo os fundos europeus, incluindo a dotação de 163 mil milhões de euros em fundos de recuperação pós-Covid.
Mas, até agora, a Comissão absteve-se de divulgar a sua avaliação da proposta de lei e não foram manifestadas quaisquer preocupações relativamente à erosão do Estado de direito.
“Lawfare” sob escrutínio
Um dos aspectos mais controversos do acordo político celebrado entre o JxCat e os socialistas é a referência ao conceito de “lawfare”, ou seja, a utilização estratégica da lei como instrumento para atingir os adversários políticos.
Carles Puigdemont quer que a Espanha crie comissões parlamentares para investigar se os seus tribunais foram desnecessariamente severos nas sentenças proferidas contra os separatistas, com o objetivo de perseguir figuras pró-independência.
Os juristas receiam que esta medida possa comprometer significativamente a independência do poder judicial e a separação de poderes, consagrada na Constituição espanhola.
Apesar de o texto da lei de amnistia não fazer referência ao lawfare, Reynders disse ao Parlamento que a sua equipa está também a investigar a proposta de criação de “comissões parlamentares”.
Reynders apelou, ainda, a Espanha para que implementasse as reformas judiciais urgentes recomendadas no relatório anual da Comissão sobre o Estado de Direito, publicado em julho.
Por Mared Gwyn Jones & Aida Sanchez, Isabel Marques da Silva (Trad.)