Esperava-se um Big Bang, com os preços do petróleo ultrapassando os 100 dólares por barril, mas na quarta-feira a referência Brent caiu para o mínimo de três meses, abaixo dos 80 dólares por barril. Esta tarde, o Brent ultrapassou timidamente o limite de 80 dólares por barril, mas não parece que iniciará uma corrida em alta.
Em setembro, o petróleo ultrapassou a faixa dos 90 dólares por barril e parecia prestes a atingir a meta de 100 dólares por barril, o que muitos analistas previam que aconteceria antes do final do ano. O Brent subiu acima dos 97 dólares por barril, à medida que a Arábia Saudita e a Rússia impunham cortes na oferta de petróleo e o outono e o inverno se aproximavam com perspectivas de um aumento na procura, esgotando as reservas globais de petróleo.
Era um cenário baseado puramente no jogo da oferta e da procura, uma vez que o impacto geopolítico da invasão da Ucrânia pela Rússia já tinha sido absorvido e o prémio de risco incorporado nos preços.
A única incógnita que restava era a ameaça de uma recessão económica global devido ao aumento das taxas de juro por parte dos principais bancos centrais para combater a inflação. Mas nem isso aconteceu. Os sinais de uma aterragem suave começaram a tornar-se cada vez mais claros, com a economia americana a mostrar uma resiliência surpreendente e o estímulo económico na China a produzir resultados, aumentando, assim, as perspectivas de um aumento nos preços do petróleo.
Depois veio o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, que ameaçou arrastar o Médio Oriente para um conflito regional e pôr em perigo os carregamentos de petróleo da região. Esta nova dimensão geopolítica tornou quase certa o aumento dos preços do petróleo acima dos 100 dólares por barril. O Banco Mundial previu mesmo um aumento do preço do petróleo para 150 dólares por barril.
Porque é que o conflito no Médio Oriente não fez disparar o preço do petróleo?
No rescaldo do ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro, muitos analistas tentaram traçar um paralelo entre esta crise e outra crise há 50 anos, em 7 de Outubro de 1973, quando Israel se envolveu numa guerra contra os países árabes, liderados pelo Egito e pela Síria.
Mas não existe nenhum paralelo.
A Guerra do Yom Kippur, também conhecida como Guerra do Ramadão, Guerra de Outubro, ou Guerra Árabe-Israelita de 1973, foi um conflito armado travado de 6 a 25 de outubro de 1973, entre Israel e uma coligação de estados árabes formada pelo Egito, Síria, Arábia Saudita, Argélia, Jordânia, Iraque, Líbia, Kuwait, Tunisia e Marrocos, alguns deles entre os maiores exportadores de petróleo no mundo.
Em outubro de 1973, membros da OPEP, liderados pelo Rei Faisal da Arábia Saudita, proclamaram um embargo petrolífero dirigido às nações que apoiaram Israel durante a Guerra do Yom Kippur. No final do embargo, o preço do petróleo tinha subido quase 300%, de 3 dólares por barril para quase 12 dólares por barril em todo o mundo.
O choque para a economia mundial foi brutal. As exportações de petróleo do Médio Oriente para o Ocidente diminuíram entre 60% e 70% em novembro de 1973. O embargo petrolífero árabe pôs fim, em 1973, ao longo período de prosperidade no Ocidente que tinha começado em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, lançando a economia mundial na contracção económica mais acentuada desde a Grande Depressão da década de 1930.
A longo prazo, o embargo do petróleo em 1973 mudou a natureza da política económica no Ocidente no sentido de uma maior exploração, investigação de energias alternativas, conservação de energia e uma política monetária mais restritiva para melhor combater a inflação.
Mas, o actual conflito no Médio Oriente não tem as mesmas características. O conflito envolve apenas Israel e o Hamas. Apesar de todos os horrores e atrocidades cometidos contra civis de ambos os lados, e da catastrófica situação humanitária do povo palestiniano, nenhum país árabe, nem mesmo o Irão, está disposto a ser arrastado para a crise.
O Médio Oriente está a passar por mudanças profundas. Os grandes países produtores de petróleo do Médio Oriente, nomeadamente a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, já compreenderam que a transição climática, embora possa durar mais tempo, é irreversível. Eles estão a lançar políticas ousadas para diversificar as suas economias.
O Médio Oriente também pretende desempenhar um papel importante na geopolítica e na geoeconomia globais. A Arábia Saudita fez a paz com o seu eterno rival, o Irão. Na véspera do ataque do Hamas, a Arábia Saudita preparava-se para iniciar conversações com Israel, depois de uma série de países árabes terem estabelecido relações diplomáticas com Israel. Além disso, com excepção do Irão e da Síria, poucos ou nenhum país árabe apoia o Hamas.
A crise no Médio Oriente está a tornar-se cada vez mais uma catástrofe humanitária que atinge o povo palestiniano. O que resta de dimensão geopolítica é saber quem terá autoridade sobre a Faixa de Gaza no período pós-conflito. É uma decisão que deveria ser tomada pelas Nações Unidas, mas que terá a oposição de Israel, que já anunciou a sua intenção de controlar a Faixa de Gaza.
A menos que algo inesperado transforme a crise num conflito mais amplo, envolvendo países árabes, não há nenhum elemento no contexto actual que possa exercer pressão sobre os preços do petróleo.
Os factores económicos e a transição climática
Com a eliminação do risco geopolítico, os mercados estão cada vez mais atentos aos factores económicos que podem afectar o preço do petróleo.
A contenção do preço do petróleo oferece uma trégua para os bancos centrais na sua luta contra a inflação. O aumento das taxas de juro começa a fazer-se sentir e os receios de uma recessão económica são cada vez maiores, sobretudo na Europa. Embora não se preveja uma diminuição das taxas de juros no curto prazo, os bancos centrais poderão encerrar o período de aperto monetário continuo.
A anemia do preço do petróleo não deixa de ser um revês para a Arabia Saudita que lidera uma coligação entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e outros grandes produtores de petróleo, incluindo a Rússia, para subir os preços. O reino reduziu a sua produção para o nível mais baixo dos últimos anos numa tentativa de sustentar os preços, mas viu a sua economia sofrer a contracção económica mais acentuada dos últimos três anos , em parte porque sacrificou os volumes de vendas.
Agora, o apoio do seu principal aliado de mercado, a Rússia, parece diminuir. Embora Moscovo tenha prometido apoiar a Arábia Saudita, dados de rastreamento de petroleiros mostram que as exportações russas aumentaram para o maior nível em quatro meses, de cerca de 3,48 milhões de barris por dia. O Presidente Vladimir Putin depende das receitas do petróleo para financiar a sua guerra contra a Ucrânia.
No próximo ano, prevê-se também que a oferta de petróleo dos Estados Unidos, Brasil, Guiana e outros produtores aumente.
Do lado da demanda, não existe pressão para fazer aumentar os preços. A retoma da economia chinesa ainda não é suficientemente forte para se fazer sentir sobre as matérias-primas.
O consumo europeu de diesel e nafta – combustíveis que alimentam camiões, comboios, navios e construção – baixou consideravelmente. No próximo ano, a procura per capita de gasolina nos EUA cairá para o nível mais baixo em duas décadas, enquanto a produção sobe para um recorde acima dos 13 milhões de barris por dia, de acordo com a Administração de Informação sobre Energia.
A deterioração do equilíbrio entre oferta e procura reflecte-se na chamada curva forward do petróleo Brent . O prêmio dos contratos futuros de curto prazo sobre aqueles para entrega posterior – conhecido como atraso e normalmente um sinal confiável de escassez de oferta – diminuiu drasticamente nas últimas semanas, de 1,65 dólares por barril no início de outubro para o primeiro mês para cerca de 10 centavos na quarta-feira.
A Agência Internacional de Energia prevê que os mercados globais voltem a registar excedentes no próximo ano, à medida que o crescimento da procura começa a diminuir de intensidade devido as energias renováveis.
O petróleo já não é a arma usada para alavancar questões políticas ou económicas. Se a Arábia Saudita tentou recentemente pressionar os preços do petróleo, foi mais para financiar a sua própria diversificação económica do que para influenciar acontecimentos externos.
O grande sinal sobre as perspectivas para o petróleo no médio prazo virá da Conferência das Nações Unidas sobre o Clima COP 28, em Dubai. A questão que deverá ser debatida na COP 28 e que terá um impacto importante nas perspectivas do mercado petrolífero é chegar a um acordo sobre se os combustíveis fósseis devem ser gradualmente eliminados ou se as emissões de carbono devem ser controladas através de tecnologias de captura de carbono
As duas opções são radicalmente diferentes. No primeiro caso, envolve a eliminação gradual dos combustíveis fósseis da matriz energética. No segundo caso, os combustíveis fósseis poderão fazer parte da matriz energética do futuro se as emissões de carbono puderem ser capturadas e removidas da atmosfera.
É verdade, qualquer que seja a decisão da COP 28, ela não terá um impacto imediato no mercado petrolífero. Mas, ela servirá de bússola para avaliar as perspectivas do mercado a médio prazo e orientar os investimentos no sector petrolífero, o que terá um enorme impacto nos países produtores.
Por: José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola