Quando o presidente Xi Jinping reuniu líderes mundiais pela primeira vez em 2017 para delinear a sua visão para a expansão do soft power chinês através de uma mega iniciativa de comércio e investimento em infra-estruturas, ele chamou ao projecto Cinturão e Rota (BRI – Belt and Road Initiative em inglês) ou Rota da Seda, numa alusão ao poder económico da China nos séculos passados até meados do século XIX.
Em 2017, a China estava no auge como segunda potência económica mundial e, segundo a maioria dos analistas, estava no bom caminho para ultrapassar a economia dos Estados Unidos dentro de duas décadas.
Hoje, 17 de outubro 2023, a China acolhe o terceiro Fórum do BRI num contexto completamente diferente.
O futuro da iniciativa parece incerto. Embora o projecto tenha atraído bilhões de dólares na primeira década, e mais de 145 países tenham aderido a iniciativa, representando 75% da população mundial e mais de metade do PIB global, o ímpeto diminuiu nos últimos anos.
A actividade global da China nos países da BRI caiu cerca de 40% em relação ao pico de 2018, à medida que a segunda maior economia do mundo abranda. Pequim enfrenta acusações de ser um credor irresponsável que leva os países ao incumprimento. Os laços rompidos com os Estados Unidos tornaram a associação ao projecto chinês cada vez mais polémica – a Itália, o único membro do Grupo dos Sete, deverá sair até ao final do ano.
A participação de líderes mundiais é muito menor que no passado. Os holofotes estão concentrados na participação do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, que chegou esta manhã a Pequim. Do lado da União Europeia, o único líder presente é o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban. Os outros líderes vêm do chamado Sul Global.
O surto de Covid travou a iniciativa comercial e de infra-estruturas da China, uma vez que um abrandamento global pôs em perigo a capacidade dos devedores de reembolsar os seus empréstimos. A Zâmbia foi o primeiro país africano a entrar em incumprimento durante a pandemia no final de 2020, colocando a China, o maior credor do país , no centro das atenções.
À medida que outras nações, incluindo a Etiópia, o Sri Lanka e o Paquistão, caíam em crises de dívida, o envolvimento anual no âmbito da BRI baixou para 63,7 mil milhões de dólares no primeiro ano da crise sanitária global, comparado com o pico de mais de US$ 120 bilhões em 2018.
Esse recuo foi sustentado por tensões geopolíticas e problemas internos que assolam a economia da China, e que mostram poucos sinais de diminuir.
Choques externos como a guerra na Ucrânia e, talvez nas próximas semanas, a nova guerra no Médio Oriente, estão a aprofundar os encargos da dívida e da inflação.
Mas o choque mais importante veio das tensões políticas e da concorrência económica entre a China e os Estados Unidos. Os Estados Unidos pretendem claramente bloquear o caminho da China para a hegemonia económica. A União Europeia mantém uma posição mais branda, preferindo falar em contenção de riscos e não em desligamento da China. Mas o resultado é o mesmo: a fragmentação da globalização.
A China respondeu mudando para os chamados projectos “pequenos mais bonitos” que beneficiam os meios de subsistência das pessoas. O Diário do Povo estatal citou este mês uma estação de tratamento de água no Botswana modernizada por uma empresa chinesa e uma parceria tecnológica com uma empresa de sementes na Costa Rica como exemplos .
O acordo médio de investimento da BRI diminuiu 48% desde o pico de 2018, para cerca de 392 milhões de dólares no primeiro semestre deste ano. O relatório acompanha tanto o valor dos projetos de construção financiados pela China como daqueles em que as empresas chinesas têm participações acionárias.
As empresas privadas da China também estão a tornar-se mais ativas num espaço outrora dominado por bancos políticos e empresas estatais.
O foco geográfico da estratégia também evoluiu em sintonia com a política externa da China. A Arábia Saudita foi um dos três principais beneficiários de empréstimos do BRI este ano, numa altura em que o líder chinês procura expandir a sua influência no Médio Oriente.
Outro grande desafio para a China é de preservar a sua imagem junto dos países do chamado Sul Global, principalmente os países africanos. Para as nações do Sul Global, os esforços da China para apresentar o seu país como líder do mundo em desenvolvimento têm sido uma fonte vital de financiamento. A China concedeu 114 mil milhões de dólares em financiamento ao desenvolvimento apenas a África, de 2013 a 2021.
Esses gastos estimularam os governos dos Estados Unidos e da Europa a expandir o envolvimento com alguns países em desenvolvimento para combater a influência da China. Mas embora os rivais ocidentais tenham prometido milhares de milhões de dólares, muitos dos seus projectos demoraram a arrancar. Em menos de duas décadas, A China tornou-se a referência de parceria para o desenvolvimento de muitos países africanos.
O BRI baseia-se no pressuposto, aliás verdadeiro, de que as relações económicas e comerciais entre os países criam benefícios mútuos e que o crescimento resultante permitiria aos países cumprir os encargos da sua dívida.
Hoje a situação mudou. A inflação global, os aumentos generalizados das taxas de juro e o peso crescente da dívida externa em muitos países africanos expuseram os limites do modelo de parceria chinesa. A China entra num terreno desconhecido: a ajuda ao desenvolvimento.
Mas, mesmo com o ritmo mais lento dos investimentos do BRI, a China continua a ser um parceiro importante para os países africanos. Já aqui dissemos várias vezes que no mundo multipolar de hoje, os países africanos não têm de escolher entre os vários blocos geoeconómicos. Os Estados Unidos, a Europa, a China, o Japão, a Índia e o Brasil, entre outros, representam importantes polos económicos para os países africanos.
José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola