A Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, proferiu esta manhã no Parlamento Europeu o seu discurso sobre o Estado da União Europeia em 2023. O Portal de Angola acompanhou na íntegra o discurso de von der Leyen.
Grande parte da sua intervenção centrou-se no balanço das conquistas e desafios da agenda apresentada pela Comissão Europeia, sob a sua presidência, em 2019, no Parlamento Europeu, em favor de uma Europa verde, digital e geopolítica. Este foi o último discurso sobre o Estado da União Europeia antes das próximas eleições europeias previstas para o outono de 2024.
“Vejam onde a Europa está hoje”, disse von der Leyen, acrescentando “Assistimos ao nascimento de uma União geopolítica — em apoio da Ucrânia, contra a agressão da Rússia, em resposta a uma China assertiva e com investimentos em parcerias. Temos agora um Pacto Ecológico Europeu como elemento central da nossa economia e que encerra uma ambição sem paralelo. Preparámos o caminho para a transição digital e tornámo-nos pioneiros em matéria de direitos digitais a nível mundial.”
Em seguida a Presidente da Comissão Europeia falou sobre a fase seguinte anunciando medidas importantes para enfrentar a transição climática.
No seu discurso, ela procurou dar um equilíbrio entre o protecionismo da indústria europeia e a re-globalização, redefinindo as relações com a China e fortalecendo os laços com outros parceiros estratégicos.
Ela foi firme ao anunciar que a Europa continuará a apoiar a indústria europeia nesta transição. “Começámos com um pacote de medidas — do ato legislativo Indústria de Impacto Zero ao ato legislativo Matérias-Primas Críticas”, disse ela. “Com a nossa Estratégia Industrial, estamos a analisar os riscos e as necessidades de cada ecossistema no âmbito desta transição.”
A Comissão Europeia começará já este mês a estabelecer um conjunto de diálogos com a indústria sobre a transição para energias limpas. O principal objetivo destes diálogos será apoiar todos os setores na definição do respetivo modelo de negócios no contexto da descarbonização da indústria.
Ao anunciar que “ O futuro da nossa indústria de tecnologias limpas tem de ser construído na Europa”, von der Leyen deixou claro a intenção da União Europeia de desenvolver e proteger uma indústria de tecnologias limpas made in Europa.
Mas a Presidente da Comissão Europeia teve o cuidado de não cair num discurso protecionista a semelhança dos Estados Unidos. Ela optou por defender a indústria europeia atacando as medidas protecionistas de outros países, nomeadamente da China.
Ela começou por dizer que a Europa está consciente de que a concorrência mundial é boa para o negócio. Que a concorrência pode gerar e salvaguardar postos de trabalho na Europa. Mas que a concorrência só é genuína quando é justa.
Assim, as dificuldades da indústria europeia em manter-se competitiva seriam devidas às práticas predatórias de concorrentes estrangeiros que beneficiam de subsídios estatais extremamente elevados.
Ela apontou o dedo à China, dizendo: “não nos esquecemos de como as práticas comerciais injustas da China afectaram a nossa indústria solar. Muitas empresas jovens foram expulsas por concorrentes chineses fortemente subsidiados. Empresas pioneiras foram forçadas a declarar falência”.
Ao falar do mercado de automóveis elétricos, von der Leyen disse “que os mercados mundiais estão agora inundados de automóveis elétricos chineses mais baratos. E o baixo preço desses automóveis é artificialmente mantido graças a elevadíssimos subsídios estatais.”
Assumindo uma postura invulgarmente agressiva, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a “Comissão Europeia dará início a um inquérito anti subvenções relativamente aos veículos elétricos provenientes da China”. Segundo ela “A Europa está aberta à concorrência. Não a um nivelamento por baixo.”
Dada a dimensão do mercado de veículos elétricos e o seu rápido crescimento, as potenciais tarifas resultantes da investigação poderão ter um impacto muito maior do que quaisquer ações anti subsídios anteriores contra as importações chinesas.
A decisão de lançar a investigação foi aparentemente tomada sem que tenha havido reclamação por parte da indústria automóvel europeia.
A investigação marca o primeiro passo concreto para combater o apoio estatal rival às tecnologias verdes, depois de mais de um ano de subsídios cada vez maiores nos EUA, China, Reino Unido e Europa. Dependendo dos resultados, poderá levar os parceiros comerciais a adoptar medidas protecionistas mais agressivas e retaliatórias.
Sendo a China o maior mercado para a Volkswagen AG e outros fabricantes de automóveis alemães, o conflito com Pequim pode ser arriscado. A BMW AG importa seu iX3 movido a bateria da China, com modelos Mini em seguida. A montadora com sede em Munique gerou 33% de seu lucro operacional no país no ano passado, seguida pela Porsche, VW e Mercedes-Benz, estimaram analistas do Citigroup Inc. em nota no final do mês passado.
A investigação parece ser uma vitória para a França – lar das marcas Renault, Citroën e Peugeot, de mercado de massa, que têm relativamente pouca exposição à China. A administração do presidente Emmanuel Macron há muito que alerta para um afluxo de veículos chineses e tem aumentado a pressão para tal medida nas últimas semanas.
O ministro da Economia alemão, Robert Habeck, foi muito mais prudente ao dizer que a medida não visa manter os carros baratos e eficientes fora do mercado europeu, mas sim verificar se a China está a proporcionar às empresas uma vantagem injusta.
Isso mostra que há fissuras na posição dos Estados membros da EU.
Precaver, mas sem desligar — é a abordagem que a União Europeia propõe para a China ao mesmo tempo que anuncia a sua intenção de concluir acordos comerciais e de investimento com outros países.
É verdade que o processo de re-globalização e relocalização tem sido baseado em subsídios e regulação, especialmente por parte das duas maiores economias do mundo: os Estados Unidos e a China.
Embora tenha apontado o dedo à China, Von der Leyen não mencionou os Estados Unidos. A administração Biden implementou uma política fortemente protecionista baseada em subsídios e regulamentos, como “a Lei de Redução da Inflação” e a “Lei da Ciência e Chips” para encorajar as empresas a estabelecerem-se nos Estados Unidos. Essas duas leis têm dito um impacto fortemente negativo sobre a indústria europeia.
Apesar das críticas serem dirigidas apenas à China, é verdade que o discurso de von der Leyen marca uma nova etapa no processo em curso de reglobalização e relocalização do comércio e da indústria mundiais. Ela recordou, com razão, a necessidade de criar um sistema de concorrência internacional justo. As tensões entre os Estados Unidos e a China na corrida pela hegemonia económica e pelo controlo de sectores industriais estratégicos estão a criar distorções enormes à economia mundial com custos inflacionistas elevados e, acima de tudo, a prejudicar os países em desenvolvimento.
A Europa sempre desempenhou um papel importante no estabelecimento de regras internacionais para criar condições de concorrência equitativas e um quadro institucional internacional justo. Mas até agora não houve nenhuma proposta séria como reanimar a Organização Mundial do Comércio (OMC), que se encontra em estado vegetativo, e outras instituições multilaterais para debater a questão e adoptar soluções.
Vivemos atualmente um período em que cada um constrói a sua fortaleza, com o objetivo de se defender dos outros. É muito provável que algumas medidas de protecção estejam em contradição com as regras da OMC. Mas ninguém se dá ao trabalho de as contestar sabendo que os mecanismos de resolução de disputas da OMC estão paralisados. Talvez seja um pouco ingénuo da nossa parte pensar que estão reunidas as condições para discutir questões desta natureza num quadro multilateral. Um mundo de fortalezas e uma OMC inoperante pode ser a nova norma.
Os países em desenvolvimento também terão de aprender a navegar numa linha ténue entre protecionismo e globalização.
Por: José Correia Nunes
Diretor Executivo Portal de Angola