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Sábado, Novembro 23, 2024

A União Africana é um novo membro do G20: o que significa e os desafios que representa

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A notícia de que a União Africana seria convidada a aderir ao G20 já circulava antes da Cimeira do G20 na Índia, de 9 a 10 de setembro, mas mesmo assim, o evento oficial foi marcado por um significado histórico importante.

Quando o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, no seu discurso de abertura na cimeira do grupo em Deli, em 9 de setembro, convidou a União Africana, representada pelo presidente em exercício, Azali Assoumani, presidente das Comores, a sentar-se à mesa dos líderes do G20 como membro permanente, a União Africana entrou no clube mais poderoso de países que está a moldar a agenda da nova ordem mundial.

A União Africana tem agora o mesmo estatuto que a União Europeia, anteriormente o único bloco regional considerado membro de pleno direito. Antes, a União Africana era considerada uma “organização internacional convidada”.

Além de questões puramente anedóticas, como se o grupo continuará a chamar-se G20 ou G21, a entrada da União Africana levanta um duplo desafio para o G20 e para África.

A legitimidade do G20 para discutir e tomar decisões sobre questões globais tem sido regularmente questionada desde a sua criação em 1999.

Para se compreender melhor a questão é necessário recuarmos no tempo. O G20 foi concebido pelo G7, um grupo de sete países – Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, com a participação subsequente da União Europeia – que na altura da sua criação em 1975/76 eram considerados os mais industrializados do mundo.

A criação do G20 foi discutida na cimeira do G7 em Colónia, em junho de 1999, e o grupo foi formalmente estabelecido na reunião de Ministros das Finanças do G7, em 26 de setembro de 1999, seguido de uma reunião inaugural do G20 em 15-16 de dezembro de 1999, em Berlim.

Os países convidados a fazer parte do G20 foram propostos pelo G7 com base em critérios económicos, mas que, em última análise, reflectiam também considerações geoestratégicas. Por exemplo, a Arabia Saudita foi colocada no grupo devido a sua importância estratégica como produtor de petróleo. É neste contexto que o continente africano teve apenas um representante no G20: a África do Sul. O resto do continente foi ignorado.

O que levou os países mais industrializados a criarem o G20, fórum formado por países industrializados e países emergentes, numa altura em que o mundo era unipolar devido ao colapso da União Soviética e quando as teorias económicas dominantes, sob o chamado Whasington Consenso, assentavam numa abordagem fortemente orientada para o mercado, o comércio livre e a globalização?

Existe um amplo consenso de que o G2O foi criado em resposta à uma série de enormes crises económicas e financeiras que abalaram os mercados emergentes no final da década de 1990. Os países industrializados perceberam que o G7 e o sistema de Bretton Woods seriam incapazes de impor as reformas necessárias para a estabilidade económica e financeira global sem criar um grupo mais amplo que incluísse as economias emergentes para fornecer o quadro institucional que desse voz e representação ao processo de reforma.

A criação de um quadro institucional multilateral global que desse voz e representação aos países em desenvolvimento exigiria uma reforma profunda das instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente as Nações Unidas, o FMI e o Banco Mundial, o que ainda não foi feito.

Dos cinco assentos de membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas com direito de veto, três pertencem a países do G7. Os países do G7 detêm mais de 40% das quotas do FMI e grande parte do poder de decisão do Banco Mundial. Desde a criação destas duas instituições de Bretton Woods, a liderança tem sido partilhada entre os Estados Unidos (Banco Mundial) e a Europa (FMI).

O G20 foi, portanto, a solução encontrada para dar alguma legitimidade ao processo de reformas, sem, no entanto, poder pretender representar a grande maioria dos países que hoje constituem o chamado Sul Global.

É verdade que, à medida que a China, a Índia, o Brasil e outros países emergentes do G20 vão se reafirmando na cena internacional, o G20 vai abrangendo um âmbito mais amplo de questões que estão no cerne dos interesses económicos e políticos dos países em desenvolvimento.

Também é verdade que a criação dos BRICS em 2009 e a expansão do grupo para seis novos países, incluindo dois membros do G20, a Arábia Saudita e a Argentina, na cimeira da Africa do Sul de 24 de Agosto, contribuiu para reequilibrar o poder a favor dos países emergentes no seio do G20.

Mas numa altura em que a nova ordem mundial está a ser discutida, em que a globalização na sua forma actual está a ser questionada e em que as alterações climáticas ameaçam a humanidade, a marginalização da África no seio do G20 é um exemplo notável da incoerência entre o discurso da comunidade internacional sobre a importância estratégica da África e a realidade dos factos.

A decisão da Cimeira do G20 na Índia de admitir a União Africana como membro de pleno direito dará a África uma voz maior dentro do grupo. É um marco importante que deve ser celebrado.

Mas isto não significa que os países africanos estarão representados no G20 através da União Africana. A União Africana não tem as mesmas competências exclusivas ou partilhadas com os países membros, nem os mesmos mecanismos de coordenação e tomada de decisão que a União Europeia.

Pensar que a União Africana pode, no seu estado actual, representar os países africanos no G20 demonstra uma visão extremamente redutora da África.

A União Africana será mais um “porta-voz” do que um “representante” dos países africanos. É aqui que reside o desafio.

Cabe aos países africanos responder ao desafio, através dos mecanismos de coordenação regional existentes para que os vários interesses económicos e políticos sejam devidamente reflectidos numa posição comum que o “porta-voz” deverá levar às reuniões do G20.

Se este não for o caso, a presença da União Africana no G20 apenas permitirá à comunidade internacional ter a sua consciência em paz, mas roubará aos africanos a oportunidade de fazerem ouvir as suas vozes.

Por José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola

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