As maiores economias do mundo estão a oferecer enormes subsídios públicos numa corrida acirrada para conquistar as indústrias do futuro ligadas a transição climática, a revolução digital e a Inteligência artificial. Os perdedores são todos os países que não podem pagar.
Novos créditos fiscais para a fabricação de semicondutores, baterias, equipamentos de energia solar e outras tecnologias verdes estão a atrair uma quantidade enorme de capital para os EUA. A União Europeia está tentando responder com o seu próprio pacote de apoio à energia verde . O Japão anunciou planos de US$ 150 bilhões em empréstimos para financiar uma onda de investimentos em tecnologia verde. Todos eles estão a trabalhar para se tornarem menos dependentes da China, que tem uma grande liderança em áreas como baterias, energias renováveis e minerais para produzi-las.
A ordem económica liberal saída do “Washington Consensus” acabou
Os países com menos poder financeiro para apoiar as suas indústrias estão a ficar para trás. Muitos são economias ágeis que cresceram durante décadas de livre comércio, de globalização das cadeias de abastecimento, mas estão em desvantagem numa nova era de políticas industriais agressivas e dirigidas pelos governos. Países industrializados, como o Reino Unido, não têm escala para competir com os maiores blocos económicos na oferta de subsídios. Mercados emergentes como a Indonésia, Brasil, Africa do Sul que esperavam usar os seus recursos para subir na escada económica, também estão ameaçados pela mudança.
Por exemplo, a Intel recebeu US$ 11 bilhões em subsídios do governo alemão para construir duas fábricas de semicondutores , no que o primeiro-ministro Olaf Scholz chamou de o maior investimento estrangeiro direto da história alemã. O financiamento governamental prometido é substancialmente maior do que o orçamento anual do Ministério de Comércio e Indústria de Singapura.
Para muitas empresas de tecnologia criadas no Reino Unido, o crescimento está noutro lugar. A startup britânica de tecnologia de baterias Nexeon, que desenvolveu a sua tecnologia perto de Oxford, com a ajuda de financiamento do governo, levantou mais de US$ 200 milhões no ano passado. A sua primeira fábrica comercial será na Coreia do Sul, provavelmente seguida por uma fábrica na América do Norte.
Os EUA estão a oferecer bilhões de dólares em subsídios e incentivos para o financiamento de industrias em energia verde e semicondutores como parte da Lei de Redução da Inflação e do Chips Act, atraindo somas colossais de investimentos estrangeiros. A fábrica de carros alemã BMW acaba de inaugurar uma nova fábrica de baterias na Carolina do Sul. As empresas sul-coreanas Hyundai e LG anunciaram uma fábrica de baterias de US$ 4,3 bilhões na Geórgia. A Panasonic do Japão está construindo uma fábrica no Kansas. A TSMC de Taiwan, maior produtor mundial de semicondutores, planeia contruir fábricas de semicondutores nos Estados Unidos e na União Europeia.
Desconstruir a globalização
A corrida aos subsídios marca uma rotura na globalização económica que por décadas quebrou as barreiras ao comércio e investimento entre os países. As empresas relocalizavam as suas atividades à procura de lucros, mão de obra barata e proximidade com as cadeias de abastecimento. Hoje, elas relocalizam à busca de maiores incentivos e subsídios. A Organização Mundial do Comercio está em estado de letargia e sem liderança para enquadrar o comércio internacional.
A globalização transformou países outrora pobres, como a Coreia do Sul e Taiwan, em economias desenvolvidas de alta tecnologia, tirando centenas de milhões de pessoas da pobreza. Os consumidores ocidentais obtiveram uma abundância de bens de consumo acessíveis e um padrão de vida mais elevado. Avanços tecnológicos e novas ideias de gestão também circulavam mais livremente entre os países, assim como bens e recursos financeiros.
O modelo também teve custos elevados.
O prémio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, descreveu, e bem, os efeitos negativos da globalização nos países em desenvolvimento no seu livro “Globalização e os seus descontentamentos”.
Stiglitz escreveu no seu livro: “Vi em primeira mão o efeito devastador que a globalização pode ter sobre os países em desenvolvimento, e especialmente sobre os pobres desses países. Acredito que a globalização – a remoção de barreiras ao livre comércio e a integração mais estreita das economias nacionais – pode ser uma força para o bem e tem o potencial de enriquecer todos no mundo, especialmente os pobres. Mas também acredito que, se assim for, a forma como a globalização tem sido gerida, incluindo os acordos comerciais e as políticas impostas aos países em desenvolvimento no processo de globalização, precisa ser radicalmente repensada”.
Mas a globalização também teve efeitos negativos nos países desenvolvidos. Comunidades outrora prósperas nos EUA e na Europa Ocidental foram esvaziadas à medida que os empregos na indústria se mudaram para a Ásia. Isso levou ao ressurgimento de movimentos populistas nesses países e à adopção de políticas protecionistas. As preocupações ambientais cresceram à medida que a economia global consumia mais recursos naturais. Algumas economias enfrentaram surtos desestabilizadores de fuga ilícita de capitais à medida que o dinheiro estrangeiro entrava e saía.
O desenrolar dessa integração global – seja por motivos de segurança nacional, rivalidade geopolítica e geoeconómica, ou perturbações na cadeia de abastecimentos – trouxe as suas próprias contradições. A emergência da China como superpotência militar e económica alterou os elementos básicos da ordem económica e política mundial.
A Europa, Estados Unidos e China estão numa competição de subsídios e os perdedores nessa competição são todas as economias que não têm os recursos fiscais para apoiar as suas indústrias.
A adopção da nova política industrial pelos três grandes blocos pode ser especialmente dolorosa para os países que esperavam explorar as novas tecnologias para impulsionar o seu próprio desenvolvimento económico.
Mesmo os países ricos em minerais essenciais para as novas tecnologias e outros recursos naturais terão dificuldades. Por exemplo, as regras dos EUA, implementadas como parte do IRA, negam subsídios para baterias de veículos elétricos que contêm grandes quantidades de minerais de nações que não são parceiras americanas de livre comércio.
Os vencedores
Como líder na corrida aos subsídios, os EUA estão a passar por um boom de investimentos. Os EUA receberam cerca de 22% do investimento estrangeiro direto global no ano passado, tornando-se o maior receptor mundial, segundo dados das Nações Unidas. Isso é um pouco menor do que os 26% recebidos em 2021, quando o investimento global recuperou após a pandemia, mas significativamente maior do que os 13% obtidos em 2019. Os gastos com construção relacionados à manufatura aumentaram 76% em maio em comparação com o ano anterior, para uma taxa anual ajustada sazonalmente de US$ 194 bilhões, mostram os dados do Census Bureau.
A União Europeia está preparando o seu próprio pacote de apoio , relaxando os critérios e os limites dos subsídios que os países membros podem dar à sua indústria. Até 2030, a UE quer que 40% das principais tecnologias necessárias para a transição verde sejam fabricadas no bloco, incluindo equipamentos solares – um setor atualmente dominado pela China – turbinas eólicas e baterias.
A China mantém a sua liderança em áreas como baterias, energias renováveis e minerais estratégicos para a transição climática.
Novas alianças
Os países que não podem competir com os 3 grandes blocos, EUA, EU, China têm duas opções: alinharem-se a um dos blocos e beneficiar de suas políticas industriais, como o Canadá e o México fizeram por meio do seu acordo de livre comércio com os EUA, ou seguir uma política de não alinhamento e tentar obter vantagens mútuas negociando com os três blocos. A segunda opção será, no entanto, mais difícil, porque no quadro da nova política industrial e da nova ordem mundial, os interesses económicos estão fortemente ligados aos interesses geopolíticos.
Por José Correia Nunes
Director Executivo Portal de Angola