Há cada vez mais pessoas a regressar a Cabo Delgado. Os habitantes voltam para cidades destruídas por uma guerra que se alastra desde 2017, no Norte de Moçambique. O ministro da defesa Cristóvão Chume garante que o governo criou condições de segurança para o regresso das populações; “Mocímboa da Praia é um local estável, com um nível elevado de retorno da população. O termómetro em relação à estabilidade e instabilidade da região mede-se através da quantidade de população que regressa às zonas afectadas” pelos insurgentes, disse o ministro à RFI.
Depois de um longo período de paralisação, as estradas que conduzem a Cabo Delgado voltam a ter circulação de pessoas e de veículos. Milhares de deslocados regressam a casa, bem como os comerciantes e as empresas retomam as suas actividades.
No Norte de Moçambique, os vestígios da guerra estão por todo o lado: paredes crivadas de balas, casas, lojas e veículos queimadas; os serviços administrativos, os postos de gasolina, as escolas e os bancos foram completamente destruídos. Perto de 80% da população já está de volta a Palma. “As populações vieram de várias partes desta e de outras províncias, onde se tinha refugiado. As pessoas querem continuar a realizar as suas actividades, a nível da agricultura e na recuperação das casas”, descreve o administrador da cidade de Palma, João Buchili.
O regresso das populações acontece depois da intervenção dos soldados ruandeses e da força da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que tentam garantir a segurança na região. “A população aceita soldados, não só do Ruanda, mas as forças locais de Moçambique. Estas forças actuam juntas contra os terroristas. A população sabe que a vida deles está entregue aos militares neste distrito”, acrescenta o administrador de Palma.
Mocímboa da Praia foi tomada a 12 de agosto de 2020. A ocupação durou 11 meses e 27 dias, obrigando os habitantes a fugir pelos matos para sobreviver. Três anos depois, temem-se novos ataques. “As pessoas que morreram eram pessoas como nós. É dificil viver aqui e é preciso ter coragem porque deixamos de confiar. Eles vieram sem avisar” conta-nos Júlio Rafael, 27 anos.
“Não sabemos que guerra é esta, nem quem são os autores dos ataques. Vimos chegar pessoas com armas a matarem pessoas, a queimarem casas. Fugi para Nampula com a minha família. Em Nampula não vivia bem. Foi por iso que voltei. Recebia 1.000 meticais dos meus avós, que recebem a pensão de antigo combatente”, acrescenta.
De regresso a Mocímboa da Praia, Júlio Rafel diz sentir “segurança dos ruandeses e da força local. Vivemos bem o convívio com as forças. Pouco a pouco a qualidade de vida está melhorar” com o regresso do comércio de rua, a abertura de escolas. Júlio Rafael recorda, ainda, ter ouvido os terroristas dizer “‘todos queremos ser muçulmanos’, mas a maioria dos habitantes de Mocímboa da Praia são muçulanos e estas eram palavras em vão”.
Muitos fugiram em direcção à capital regional Pemba, outros partiram para Mueda. É o caso de Jordão Sabime, 25 anos, que percorreu 150 quilómetros até chegar a Mueda, onde se refugiou com a familia. “Fugimos todos. Andámos durante três dias no meio do mato. Fugi com os meus filhos e a minha esposa, que estava grávida, o bébé nasceu a caminho de Mueda. Vivemos durante um ano em Mueda”, conta-nos.
Jordão Sabime, queixa-se de ter perdido tudo; “não temos nada, queimaram tudo, não temos casa”.
Apesar do regresso de uma parte da população, centenas de milhares de pessoas continuam deslocadas no Norte de Moçambique. Durante a fuga, muitas pessoas sofreram ataques de homens armados. A violência sexual, os casamentos forçados e o recrutamento forçado de rapazes para esses grupos armados começam hoje a ser denunciados.
As famílias separadas contam-se às centenas e tentam agora reconstruir-se na esperança de que esta página obscura do terrorismo no Norte de Moçambique seja definitivamente virada.
Por Lígia ANJOS