De zonas marinhas protegidas a estudos sobre impacto ambiental, o inédito tratado de proteção do alto-mar, aprovado no sábado (4) após longas negociações entre os membros da ONU, prevê uma série de instrumentos para a conservação de mais da metade dos oceanos que não pertencem a nenhum país.
Este novo tratado internacional firmado em Nova York, o primeiro destinado a proteger e regulamentar a exploração da biodiversidade marinha das zonas que não pertencem a nenhuma jurisdição nacional, é essencial para conservar pelo menos 30% da terra e dos oceanos do mundo até 2030.
Atualmente, apenas 1% das águas internacionais – uma extensão gigantesca que representa cerca de metade do planeta e mais de 60% dos oceanos – está protegido.
E isso mesmo depois de a ciência comprovar a importância de proteger todos esses oceanos com uma biodiversidade muitas vezes microscópica, que proporciona metade do oxigênio que respiramos e limita o aquecimento climático ao absorver parte importante do CO2 gerado pela atividade humana.
– Oceanos em perigo
O alto-mar começa onde terminam as denominadas Zonas Econômicas Exclusivas (ZEE) dos países, que chegam a um máximo de 200 milhas náuticas (370 km) das respectivas costas.
O texto aprovado reconhece a necessidade de “abordar, de maneira coerente e cooperativa, a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas do oceano, devido, em particular, ao impacto da mudança climática nos ecossistemas marinhos”, como o aquecimento das águas, a perda de oxigênio, a acidificação, a contaminação por plástico e a sobrepesca.
Quando entrar em vigor, uma vez que tenha sido ratificado por um mínimo de 60 países, a Conferência das Partes (COP), – órgão de decisão que reunirá os Estados signatários -, poderá criar áreas marinhas específicas em águas internacionais para a proteção, o cuidado e o uso responsável dos recursos biológicos marinhos, assim como do subsolo, definido, como “a Zona”.
Esses santuários localizados em zonas particularmente frágeis ou importantes para as espécies em perigo, são o ponto mais emblemático do futuro tratado. Até agora, os países poderiam criar essas áreas protegidas em suas próprias águas territoriais.
A COP terá que definir como aplicar suas decisões junto com outras organizações mundiais e regionais que atualmente têm autoridade sobre partes do oceano.
Em particular, as organizações regionais de pesca e a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês) que atualmente supervisiona as licenças para a exploração de mineração em alto-mar em algumas áreas e pode, em breve, tomar a decisão controversa de permitir que as empresas comecem a minerar, advertem as ONGs.
Embora a maioria das decisões da COP seja consensual para evitar bloqueios de um país ou de um pequeno grupo de países, os signatários concordaram que medidas de grande alcance, como a criação de santuários marinhos, podem ser aprovadas por uma maioria de três quartos dos membros presentes.
As atividades militares, por sua vez, ficam de fora do tratado, assim como as pesqueiras, que são regulamentadas por outros instrumentos jurídicos.
O que o texto não prevê é como serão controladas as medidas de conservação. Alguns especialistas propõem que se recorra aos satélites para seu monitoramento.
– Recursos genéticos marinhos
Cada país, costeiro ou não, e toda entidade sob sua jurisdição, poderá realizar, em alto-mar, coleta de vegetais, animais e micro-organismos, cujo material genético poderá ser utilizado, inclusive comercialmente, por exemplo, por empresas farmacêuticas que esperam descobrir moléculas milagrosas.
Para que os países em desenvolvimento, que não têm os meios de financiar pesquisas custosas, não se vejam privados de seu pedaço de um bolo que não pertence a ninguém, o texto prevê o princípio de compartilhar os benefícios de maneira “justa e equitativa”.
Além disso, será criado um mecanismo para assistir financeiramente os países em desenvolvimento a implementar o acordo, que será abastecido com contribuições anuais dos membros e dos benefícios procedentes da utilização de recursos genéticos marinhos e da sequenciação de recursos genéticos em águas internacionais.
A COP decidirá as modalidades para compartilhar esses benefícios econômicos. Este foi um dos imbróglios entre Norte e Sul.
De maneira geral, o texto prevê o apoio aos países em desenvolvimento mediante a transferência de tecnologia e o fortalecimento de suas capacidades de pesquisa, assim como a criação de uma “plataforma de livre acesso” para compartilhar as informações.
Além disso, o acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos marinhos em águas internacionais em mãos de povos indígenas e de comunidades locais deve contar previamente com o seu consentimento expresso.
– Estudos de impacto –
O tratado cria o princípio da obrigação de que, antes de receber a autorização, sejam realizados estudos sobre o impacto para o meio ambiente das atividades contempladas.
Também insta os países a realizarem estudos sobre o impacto em águas internacionais das atividades que realizem em águas sob sua jurisdição e que possam contaminar ou danificar o entorno marinho.
As modalidades para a consulta e tais estudos serão elaborados por um futuro órgão científico e técnico dependente da COP.
Em caso de disputas, as partes terão que resolvê-las por “meios pacíficos” de sua “própria escolha”, que no caso de divergências técnicas, poderão ser resolvidas por um painel de especialistas constituído pelas referidas partes.