José Eduardo Agualusa, escritor angolano respeitado no mundo todo e um dos nomes incontornáveis para quem deseja conhecer a literatura africana de língua portuguesa, esteve, recentemente, no País e concedeu, em exclusivo, uma entrevista ao Novo Jornal. Entre os temas de conversa, revelou estar a escrever um livro biográfico sobre Abel Chivukuvuku e deu o seu parecer sobre o processo eleitoral em curso. Escritor diz ser urgente a implementação de políticas de massificação do livro e da leitura, que sejam capazes de proliferar o País com pequenas bibliotecas nos bairros, bem como a introdução e divulgação massiva das línguas nacionais.
Regressa ao País dois anos depois e já manteve encontro com vários jovens amantes da leitura e escritores da nova geração. Foi um encontro proveitoso?
Foi uma bela surpresa encontrar, àquela hora e num domingo, tanta gente reunida para discutir sobre livros e literatura. Devo dizer que foi uma conversa de bom nível. É difícil encontrar um público tão interessado e, ao mesmo tempo, tão conhecedor. Estavam aí clubes de leituras, pessoas que conheciam as minhas obras e tinham perguntas sobre o processo de criação literária. Foi muito interessante mesmo. As perguntas mais interessantes para nós, escritores, são sempre aquelas em que nos colocam perguntas novas, que nos obrigam a pensar. Estou feliz por estar aqui e por ver esses movimentos de jovens de criação a vários níveis, não apenas na literatura, mas também no cinema, no teatro, entre outras áreas. Estive na Geração 80 e vi alguns vídeos e fiquei muito impressionado.
Mas o que lhe traz para Angola especificamente?
Eu vim trabalhar essencialmente, porque estou a escrever um livro, que é uma biografia de Abel Chivukuvuku. Estou a escrevê-lo como se fosse um romance. Estou a usar as estratégias do romance para construir esse livro, até porque tem um lado ensaístico. Penso que é uma tentativa de assistir-se à construção de Angola numa outra perspectiva, ao invés de ser a partir de Luanda, é a partir do Bailundo. Para mim, é um livro que estou a fazer com grande entusiasmo, porque tenho aprendido muito. Agora, inclusive, surgiu-me uma ideia de romance muito a partir de tudo quanto venho investigando para construir esse livro. Precisava de falar com algumas pessoas e não apenas com os actores mais importantes da história.
E porquê Abel Chivukuvuku?
Foi uma coincidência. Primeiro, foi uma iniciativa dele, e eu que nunca tinha pensado escrever algo do género comecei a ficar interessado, porque, na literatura, já fiz quase tudo, já fiz romance histórico, romance de viagem, mas uma biografia nunca tinha feito. Há anos que eu tenho a ideia de fazer uma editora só dedicada a produzir biografias e livros de testemunho, porque acho que, em Angola, há pessoas com histórias extraordinárias, e essas histórias precisam de ser conhecidas e divulgadas, até para ajudar a criar a identidade nacional. O livro aborda também histórias muito antigas, por exemplo, ajuda-nos a perceber como foi a construção desse nacionalismo Ovimbundu que deu origem à UNITA, que é outra visão de Angola. O Abel tem uma história de vida extraordinária. É um homem que sobreviveu a duas quedas de avião e durante a guerra, em 1992, quase teve um linchamento, em Luanda, portanto, é um sobrevivente.
E Abel Chivukuvuku tem sido um sobrevivente até na política. Deixou a UNITA e criou a CASA-CE e deixou essa última para travar uma “guerra” ainda sem fim para legalizar o seu PRA-JA, e agora regressa à UNITA, no âmbito da Frente Patriótica, como o número dois da lista de deputados.
É, claramente, um sobrevivente. Mesmo dentro da UNITA, ele morreu politicamente algumas vezes. É uma personagem extremamente interessante e é um espírito independente, o que também me atraiu muito. Outra grande virtude dele é que ele é um homem que fala com grandes assombros, uma virtude para quem está a escrever uma biografia. Se fosse uma pessoa que se retraísse a falar seria mais difícil, mas o Abel não é assim, é o contrário disso. É uma pessoa que não tem problemas em se expor, que fala com enorme desassombro, e fala de tudo.
Já pensou num título para este livro?
O título vai ser o mais difícil (risos). Cada livro exige o seu tempo de construção, tudo vai depender de todo o processo.
Em Angola, temos um grande défice de biografia. A título de exemplo, José Eduardo dos Santos faleceu recentemente e não deixou nada escrito, pelo menos é o que se sabe.
Sim, há poucos livros biográficos em Angola. Um livro biográfico sobre José Eduardo dos Santos seria uma boa biografia, embora mais difícil de fazer, porque ele quase não falava, não há muitas entrevistas dele. Mas acho que é urgente fazer. Daria numa grande biografia. Há outras pessoas na história de Angola cujas biografias eu gostaria de fazer, como Viriato da Cruz e Mário Pinto de Andrade. Como já referi, se eu tivesse tempo e dinheiro, gostaria de fazer uma editora dedicada a produzir biografias, não apenas de actores políticos, mas também culturais, sociais, etc. Angola está cheia de histórias extraordinárias, quase toda a gente tem histórias para contar. Por exemplo, uma das histórias que eu gostaria de contar é a de Pedrito do Bié, porque são histórias que interessam não apenas Angola, mas um público muito mais vasto. O livro sobre o Abel é um livro que vai interessar o público universal, e mesmo em Angola penso que é um livro que pode interessar a toda a gente. É um livro que parte de uma figura política, mas não é um livro político.
E já há alguma previsão de lançamento da obra?
Estou a escrever e estou bastante avançado. Gostaria de lançar o livro ainda este ano, se possível no dia 11 de Novembro, por razões óbvias, mas também é o aniversário do Abel Chivukuvuku.
A narrativa faz uma viagem à infância e à juventude da personagem ou apresenta já um Abel Chivukuvuku como o conhecemos hoje?
Não vou contar (risos), mas parte de determinado episódio, depois vai para infância, tem um capítulo que me deu um enorme prazer em escrevê-lo, que é o da génese do Reino do Bailundo, no qual tento explicar como, a partir daí, se gera outra imagem sobre Angola, uma outra ideia de Angola. Explica como o nacionalismo do Planalto Central se organiza de uma forma completamente inversa daquilo que aconteceu do litoral, com a génese do MPLA.