Defesa do empresário Carlos São Vicente considera que “arbitrariedades” do processo contra o luso-angolano prejudicam a imagem de Angola, e salienta que a comunidade internacional vai estar “vigilante” no julgamento.
Nas vésperas do julgamento de Carlos São Vicente, marcado 26 de janeiro, o advogado francês François Zimeray deu esta segunda-feira (24.01) uma conferência de imprensa, a partir de Paris, em que voltou a insistir que não têm sido respeitados os direitos do empresário, nem da defesa, que só foi avisada do início do julgamento há duas semanas.
Acredita, por isso, que as autoridades suíças que congelaram uma conta de 900 milhões de euros do empresário naquele país não vão colaborar com as suas congéneres angolanas, pois têm “altos padrões” quanto aos direitos fundamentais e já mostraram “impaciência” face à Procuradoria-Geral da República angolana, considerando que esta até agora apenas apresentou um dossier “vazio”.
“Essa aposta do poder de organizar uma prisão arbitrária e um falso processo não vai funcionar”, considerou o advogado, salientando que a situação de desrespeito dos direitos humanos “revela, infelizmente, o que está a acontecer nesse país”.
Prisão preventiva
Para a defesa de Carlos São Vicente está em causa o excesso de prisão preventiva — o empresário foi detido há 500 dias –, bem como as condições desumanas em que se encontra detido, com impacto na deterioração da sua saúde, e o facto de não ter tido acesso às acusações de que é alvo para poder responder.
O empresário, casado com Irene Neto, filha do primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto, está preso preventivamente desde setembro de 2020 e é acusado de vários crimes, entre os quais fraude fiscal, envolvendo valores superiores a mil milhões de euros, peculato e branqueamento de capitais.
François Zimeray disse que as autoridades angolanas devem responder a várias questões, nomeadamente a necessidade de detenção do empresário se não havia risco de fuga, a existência de um processo após Carlos São Vicente ter sido alvo de investigação e declarado inocente e a confiscação dos seus bens antes do julgamento, entre outras “arbitrariedades” que não dignificam a imagem de Angola e afetam a sua atratividade para o investimento estrangeiro.
“A apropriação dos bens é ilegal e vai minar a imagem de Angola e a sua atratividade para os investidores e para quem queira trabalhar em Angola no futuro. Vai ser nocivo para a imagem de Angola”, destacou, acrescentando que a comunidade internacional “vai estar vigilante” sobre o processo.
Julgamento em Luanda
O início do julgamento do empresário, dono da AAA Seguros, está marcado para o dia 26 de janeiro, na 3.ª Secção Criminal do Tribunal da Comarca de Luanda.
De acordo com a acusação, o empresário, que durante quase duas décadas teve o monopólio dos seguros e resseguros da petrolífera estatal angolana Sonangol, terá montado um esquema triangular, com empresas em Angola, Londres e Bermudas, que gerou perdas para o tesouro angolano, em termos fiscais, num montante acima dos mil milhões de euros.
As autoridades judiciais angolanas ordenaram a apreensão de bens e contas bancárias pertencentes ao empresário, tendo a Procuradoria-Geral da República de Angola pedido também o congelamento de contas bancárias e apreensão de bens de Irene Neto.
Confiscação de bens
Segundo relata a defesa num “site” dedicado ao caso, em 06 de outubro de 2020, Carlos São Vicente foi visitado na cadeia por dois procuradores do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos, sem a presença dos seus advogados, tendo recusado entregar os seus bens.
Falam também sobre a confiscação de bens sem julgamento: “Muitos imóveis de Carlos São Vicente ou de sociedades suas foram apreendidos; pouco depois começaram a ser distribuídos, a título definitivo, mediante instruções da PGR, por vários ministérios e outros órgãos do Estado”, referem, sublinhando que esta distribuição, antes da realização de um julgamento “significa que já foi tomada a decisão de condenação”.
“O mesmo se passou com ações de uma sociedade pertencentes a Carlos São Vicente: após a sua apreensão, o depositário nomeado apressou-se a tornar público o destino definitivo dessas ações, assumindo que já pertenciam ao Estado”, acrescentam.
Lamentam ainda que parte dos imóveis apreendidos estejam ao abandono, nomeadamente a rede hoteleira constituída pelos hotéis IU e IKA, que “começou a definhar”.
“Os fornecedores deixaram de ser pagos, as unidades hoteleiras deixaram de prestar os serviços normais, levando a que muitas delas tivessem encerrado e outras continuado a trabalhar somente em serviços mínimos, com avultadas perdas de exploração. Muitos das centenas de trabalhadores dessa rede hoteleira já não eram pagos e perderam o emprego, deixando muitas famílias na miséria”, dizem os advogados no site.