Fez hoje um ano que o governo de Abiy Ahmed lançou a ofensiva contra os separatistas do Tigray, no norte do país. Uma ofensiva que tinha sido apresentada como uma operação de curta duração mas que acabou por se transformar num conflito sangrento que alastrou para as vizinhas regiões de Amhara e Afar, provocando milhares de mortos e deslocados. De acordo com um relatório divulgado ontem pela ONU, existe inclusivamente a suspeita de que tenham sido lá cometidos crimes contra a Humanidade.
Um ano depois do início do conflito no extremo norte da Etiópia, uma operação que o chefe do governo etíope afirmava ter terminado 3 semanas depois do seu lançamento, a vantagem parece ter mudado de campo. Nestes últimos dias, os separatistas da Frente de Libertação do Povo do Tigray (TPLF) afirmaram ter conquistado duas cidades estratégicas de Amhara, região vizinha do Tigray, e eles ameaçam agora chegar a Addis Abeba dentro de poucos meses, senão mesmo semanas.
Uma situação perante a qual a comunidade internacional tem estado a lançar apelos para uma cessação das hostilidades. Tal foi o caso designadamente da União Europeia e da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD). O Presidente do vizinho Quénia também insistiu em comunicado que “a luta deve parar” e convidou os seus homólogos leste africanos a reunirem-se para evocar o conflito, sendo que o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou por sua vez ter conversado com o chefe do governo etíope e ter-lhe proposto criar as condições para um diálogo entre Addis Abeba e os insurgentes.
No mesmo sentido, os Estados Unidos enviaram hoje à capital Etíope o seu emissário para o Corno de África, Jeffrey Feltman, que já se encontra no país no intuito de conversar com as partes com vista a chegar a um cessar-fogo.
Contudo e para já, os apelos internacionais parecem não estar a surtir efeito. Num comunicado publicado na rede Facebook, o serviço de comunicação do governo disse que “este país não cede face à propaganda estrangeira! Estamos a travar uma guerra existencial”.
Neste contexto, Manuel João Ramos, especialista do Corno de África ligado ao Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, considera que a Etiópia “nunca esteve desde muitos anos tão dividida como está” e o “risco desta guerra se tornar uma guerra entre regiões é fortíssimo”. Por outro lado, o investigador mostra-se pouco confiante na capacidade de os Estados Unidos obterem uma suspensão dos combates no terreno, dada a sua influência que considera fraca naquele país.
Em um ano de conflito que provocou milhares de mortos e deslocados, foram várias as denúncias de violações dos Direitos Humanos, a ONU tendo inclusivamente falado da possibilidade de terem sido cometidos crimes contra a Humanidade. As Nações Unidas denunciam também e sobretudo a situação catastrófica em que se encontram milhões de pessoas que neste momento precisam de assistência humanitária urgente em zonas cujo acesso é difícil.
Saviano Abreu, porta-voz da agência das Nações Unidas para a Coordenação dos Assuntos Humanitários (OCHA) no leste e sul do continente africano, refere que cerca de 7 milhões de pessoas estão a precisar de apoio, sendo que umas 400 mil correm o risco de morrerem de fome se não forem rapidamente socorridas.
Desencadeado há um ano, o conflito no Tigray encontra a sua origem no antagonismo que se criou entre os responsáveis do TPLF que dirigiram a coligação no poder durante 30 anos na Etiópia e Abiy Ahmed, depois da chegada deste último no poder em 2018. Os separatistas do Tigray acusaram Ahmed de concentrar todos os poderes em detrimento das regiões periféricas, acusações desmentidas pelo chefe do governo etíope que, entretanto, lançou uma ofensiva no Tigray no dia 4 de Novembro de 2020. Para tal, ele alegou que os separatistas teriam atacado duas bases do exército governamental, o que os interessados negaram.
Um ano depois, o chefe do governo etíope que chegou a ser galardoado em 2019 com o Prémio Nobel da Paz por ter restabelecido o diálogo com os velhos inimigos eritreus, acaba de estabelecer o Estado de Emergência no seu país, um dispositivo que possibilita a mobilização de qualquer cidadão etíope com idade de combater e permite igualmente a detenção arbitrária de toda e qualquer suspeita de colaborar com o inimigo.