O cessar-fogo imediato que vigora, desde a meia-noite desta sexta-feira, na República Centro-Africana (RCA), veio acalentar um optimismo acrescido em torno dos esforços da diplomacia angolana na resolução dos múltiplos conflitos que afligem a região e o continente.
O presidente da RCA, Faustin Archange Touadéra, ordenou unilateralmente a paralisação das operações militares, em todo o território nacional, em resposta a uma das decisões saídas da minicimeira de Luanda da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), realizada a 16 de Setembro deste ano.
Convocado pelo chefe de Estado angolano, João Lourenço, na qualidade de presidente em exercício da CIRGL, o encontro de Luanda visou buscar soluções para o fim da violência na RCA, transformada em uma das piores crises humanitárias de África.
Depois de duas iniciativas similares, em Janeiro e Abril deste ano, esta foi a terceira reunião organizada, na capital angolana, sobre o mesmo assunto, tendo culminado na adopção do “Roteiro Conjunto para a Paz na RCA”, apresentado por Angola e Rwanda.
O roteiro propunha a cessação imediata e incondicional das acções militares e “negociações republicanas” como a melhor e única saída para o conflito no país.
O objectivo principal foi analisar os resultados alcançados na implementação das recomendações das primeira e segunda minicimeiras de Luanda, de 29 de Janeiro e 20 de Abril de 2021, incluindo a apresentação do Roteiro Conjunto para a Paz na RCA (RCP-RCA).
No seu discurso à Nação, durante a declaração do cessar-fogo, Touadéra confirmou que o seu Governo decidiu abraçar a proposta, juntamente com alguns dos principais elementos que formam a Coligação dos Patriotas para a Mudança (CPC), movimento rebelde do ex-presidente François Bozizé.
Para além do cessar-fogo, anunciou ter criado uma comissão organizadora do Diálogo Republicano, para a qual pediu a adesão massiva dos seus compatriotas, para se tirar o país da situação de crise.
Segundo ele, o Roteiro de Luanda foi também assinado pelos principais líderes da CPC, à excepção de Nourredine Adam e Ali Darassa, respectivamente da FPRC e da UPC, com o compromisso de cessar as suas acções armadas em todo o país, rejeitar qualquer projecto que vise desestabilizar as instituições da República e confinar as suas tropas para desmobilização e reintegração.
Ao mesmo tempo, disse, especialistas da CIRGL estão engajados em consultas para convencer os dois líderes rebeldes que ainda não subscreveram o documento, visando a sua renúncia definitiva à violência e regresso à paz duradoura na RCA, num ambiente favorável à reconciliação nacional.
Explicou que a sua decisão de decretar o cessar-fogo unilateral imediato é a demonstração da sua determinação e desejo de favorecer o caminho do diálogo, e não o das armas, na resolução da crise que abala o país.
Disse acreditar que a medida vai permitir aos cidadãos das áreas ocupadas pela CPC e por outros grupos armados o acesso à ajuda humanitária e aos serviços sociais básicos, bem como a liberdade de movimento e a protecção
contra a violência indiscriminada, facilitando o diálogo republicano e a execução do Roteiro de Paz de Luanda.
Touadéra apelou, por isso, aos líderes da CPC, aos representantes designados e ao Governo para que respeitem a palavra dada e tomem todas as as providências necessárias para o acantonamento, o mais rápido possível, dos combatentes da CPC.
Depois de exortar a comunidade internacional a apoiar a
RCA na implementação do Roteiro de Luanda, Faustin Touadéra encerrou a sua mensagem com um agradecimento especial à CIRGL e à CEEAC (Comunidade Económica dos Estados da África Central) pelo seu apoio constante ao processo de paz, na RCA.
Optimismo e encorajamento de Angola
Ao longo dos últimos tempos, Angola manteve invariavelmente um discurso optimista e encorajador, em relação ao processo de paz centro-africano, que passou a figurar entre as prioridades da sua presidência na CIRGL.
Tal como em ocasiões anteriores, o chefe de Estado angolano, enquanto presidente em exercício da organização sub-regional, reafirmou, na última minicimeira de Luanda, o apoio incondicional da CIRGL e manifestou-se confiante num desfecho feliz, com soluções conducentes à paz e à estabilidade na RCA.
Por isso, reiterou a sua firme posição em defesa do levantamento do embargo de armas contra a RCA, argumentando que este país estava a viver um contexto político interno diferente, caracterizado pela legitimidade das instituições do Estado que carecem das capacidades necessárias para garantir a sua própria segurança.
Encorajou o seu homólogo da RCA a continuar determinado a assumir e liderar o processo de paz, em particular a implementação eficaz do Roteiro de Luanda, e o cumprimento do Acordo Político para a Paz e Reconciliação na RCA.
João Lourenço convidou a RCA a não perder essa oportunidade de alcançar a paz, pela via da conjugação de esforços das forças militares nacionais e das Nações Unidas, apoiando-se nos avanços alcançados no campo da negociação com as forças políticas internas.
Trata-se dos resultados obtidos nas negociações com a oposição e a sociedade civil, assim como com as lideranças dos grupos rebeldes, a partir do exterior, através dos bons ofícios de Angola, do Rwanda e do Tchad, em nome das sub-regiões dos Grandes Lagos e da África Central.
Para o estadista angolano, o Roteiro de Luanda define os principais eixos e o conjunto de acções a implementar no âmbito do processo de pacificação, cuja participação de todas as forças vivas centro-africanas será indispensável para o sucesso.
Estas acções, prosseguiu, são uma prova da solidariedade africana, do engajamento da CIRGL e da CEEAC na busca da paz e da segurança na RCA.
Corolário da cimeira de N’Sele
O actual desfecho do processo de paz centro-africano é igualmente uma consequência lógica de iniciativas anteriores direccionadas sobretudo ao relançamento da CIRGL, enquanto mecanismo de cooperação regional.
Tudo começou com a cimeira tripartida de N’Sele, realizada a 31 de Maio de 219, nos arredores de Kinshasa.
Desse encontro, também organizado por iniciativa de Angola, saiu o compromisso de “redinamizar” a então moribunda CIRGL para ser instrumental na resolução dos crónicos problemas de segurança da sub-região.
Constatou-se que a organização andava muito ausente ou sem a dinâmica que dela se esperava, contrastando com o seu desempenho num passado recente em que demonstrou ser “um parceiro incontornável” no plano internacional.
A necessidade de unir esforços para erradicar o fenómeno dos grupos armados que criam a insegurança e a instabilidade na sub-região foi o principal objectivo da reunião de N’Sele, que juntou o chefe de Estado anfitrião e os seus homólogos de Angola e do Rwanda.
Também a tensão política entre os vizinhos Rwanda e Uganda esteve no centro da agenda de N’Sele, onde os chefes de Estado presentes assumiram o compromisso de tudo fazerem para desanuviar esse ambiente, e anunciaram algumas iniciativas para se atingir esse objectivo, incluindo o relançamento da CIRGL.
Na altura, o Rwanda e o Uganda acusaram-se mutuamente de planos militares hostis, com o Presidente Paul Kagamé a denunciar um alegado apoio do Uganda aos dissidentes rwandeses para derrubar o seu Governo.
Por seu turno, o ugandês Yoweri Museveni negava tais acusações, mas, em contrapartida, queixava-se de assassinatos misteriosos de opositores rwandeses em seu território.
Desde então, Luanda passou a ser a capital da sub-região central de África com encontros sucessivos ao mais alto nível e dedicados à resolução dos conflitos em diferentes países da região.
Em menos de dois meses, Luanda acolheu dois encontros consagrados a discutir a tensão entre o Rwanda e o Uganda, culminando com a assinatura dos documentos que formalizaram os primeiros consensos obtidos nos encontros anteriores, e com base sempre nas decisões tomadas em N’Sele, a 31 de Maio passado de 2019.
Concretamente, os dois países conseguiram chegar a entendimentos para ultrapassar a crise que minava as suas relações bilaterais, com fortes reflexos negativos na situação de segurança da vizinha RDC.
Foram entendimentos alcançados após diligências encetadas por Angola, juntamente com a RDC, depois de se condenar a persistência de grupos armados no leste congolês como obstáculos à paz e à estabilidade na região.
Os quatro países foram unânimes em defender o “diálogo permanente, franco e aberto”, quer a nível bilateral entre os Estados da região, quer no plano multilateral, para consolidar a paz e a segurança como premissas fundamentais para a integração económica.
A CIRGL é formada por 12 países (Angola, Burundi, Congo-Brazzaville, Quénia, República Centro-Africana, RDC, Rwanda, Sudão, Sudão do Sul, Tanzânia, Uganda e Zâmbia).