Aqui vai (por partes) a prometida análise política do Acórdão 700/2021 do TC (1). Na verdade estamos diante de dois acórdãos que são profundamente contraditórios nos seus propósitos.
O segundo acórdão, subscrito pela Juíza Josefa dos Santos Neto (JN), tem o formato de uma declaração de voto vencido, mas é suficientemente densa na sua exposição e argumentação para ultrapassar a sua condição formal.
Daí termos tomado a decisão de a promover para a categoria de acórdão, com todos os riscos desta equiparação irritar solenemente o próprio TC.
Para termos uma noção desta comparação diremos que a parte do primeiro acórdão sob a epígrafe “questões de fundo” que contém a substância da deliberação, tem quase o mesmo número de páginas da declaração feita por JN que ronda as 10 laudas.
Do acórdão propriamente dito, com pouco mais de 50 páginas, mais de dez são consagradas apenas a justificar a legitimidade dos reclamantes que foi posta em causa pelo requerido.
Para mim a legitimidade deste segundo acórdão reside no facto da sua subscritora embora tenha apenas um voto, ser de algum modo representante das sensibilidades deste país que não se revêem na sensibilidade política que domina aquela instância e que, obviamente, é a que governa Angola há mais de 45 anos.
O facto de 4 magistrados dos 11 que compõem o TC terem estado ausentes desta discussão, não deixa de beliscar a legitimidade do exercício, independentemente das razões que tenham estado na sua origem.
Quem me acompanha neste “relacionamento” com o TC desde 2008, sabe que eu tenho muitas dificuldades em entender a bondade da sua intervenção por causa da sua composição político-partidária.
Nesta altura só o PR tem competência para indicar directamente 4 dos seus membros e escolher entre eles o Presidente.
Lendo os dois acórdãos fica perfeitamente claro que os argumentos de razão da declaração de voto de JN são suficientemente robustos para derrubar os constantes da deliberação tomada pelo TC na última quarta feita, dia 5 de Outubro.
O problema é que tudo naquelas bandas depende de uma aritmética política que dá sempre o mesmo resultado para a Oposição, faça sol, faça chuva ou não faca nada.
O resultado chama-se CHUMBO e do grosso.
É por aí que eu me oriento na minha análise política.
(Cont)
Análise política do Acórdão 700/2021 do TC (2)
Ponto prévio:
Que julgamento!
Se bem me lembro, não há um único argumento que a UNITA apresentou em sua defesa que o TC tenha validado.
Um único.
Acho que o TC esqueceu-se completamente que é um Tribunal onde acusação e a defesa estão em pé de igualdade, onde o exercício do contraditório não pode ser apenas para inglês ver.
O TC fez-me lembrar o Polícia de Trânsito que implica com tudo e mais alguma coisa para ver se consegue a famosa “gasosa”.
Quando já não tem mais nada para implicar, pede a caixinha de primeiros socorros.
■ Com este Acórdão o TC teve o grande “mérito” de reforçar ainda mais o clima de insegurança jurídica que sempre tivemos em Angola, com a “instituição Ordens Superiores” a prevalecer uma vez mais sobre todos e sobre tudo.
Já alguém tinha dito que em Angola até o passado é imprevisível.
Este alguém que já não pertence ao mundo dos vivos foi a académica francesa Cristine Méssiant (1947-2006) de quem fui amigo e que é justamente considerada uma das estudiosas estrangeiras que melhor conheceu e escreveu sobre a Angola post-colonial.
Nesta “previsão” está efectivamente a resposta, dramática a todos os títulos, para percebermos melhor o rumo das coisas por aqui na sequência do controverso Acórdão que se vai juntar a tantos outros já produzidos por aquela instância nos seus 13 anos de existência.
Se de facto para abordarmos o passado ainda temos este tipo de desafio algo surrealista, fácil é concluir que em relação ao futuro as coisas são bem piores, como a UNITA acaba de comprovar na sua própria pele, ao ser obrigada a recuar no tempo dois anos da sua história mais recente, apenas por causa de uma pequena irregularidade que foi prontamente suprida, a fazer fé na sua defesa que o Tribunal ignorou olimpicamente.
Um recuo literalmente estratégico, pois desta vez o que está em causa é a destruição de toda uma estratégia definida no Congresso que acaba de ser brutalmente anulado em pouco mais de 50 páginas.
Em política a isto chama-se humilhação, sem aspas e em caixa alta negritada.
Em política a isto chama-se engolir um enorme sapo, tendo em conta que a UNITA já decidiu acatar a deliberação.
Não encontro outro nome para classificar este Acórdão.
Em direito só podemos estar a falar de uma sentença draconiana e a todos os títulos desproporcional, num processo que até reunia todas as condições para a ser liminarmente recusado, a começar pela falta de legitimidade dos reclamantes, incluindo a do seu mandatário, o advogado, que nem a cédula profissional tinha regularizada junto da Ordem.
Só me resta perguntar ao TC se aceitaria este processo três meses antes das próximas eleições.
A ter em conta a nova “doutrina” criada com este Acórdão, tudo agora é possível, tudo agora é permitido, desde que se desconfie do parceiro ou do adversário, seja lá por que motivo for.
Basta querer.
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PS1- O facto relevante é que ACJ tinha formalizado o seu pedido de renúncia junto de Portugal em tempo mais do que oportuno para se candidatar.
É a data deste pedido que conta.
É aqui que está a essência da questão e que retira qualquer base de sustentação para o alegado dolo da sua postura.
Tudo o resto são truques dos advogados para ganharem causas, como tu bem sabes ou pelo menos sabes melhor do que eu.
A interpretação do direito faz-se com base no espírito e na letra das normas, sem nos esquecermos do contexto sócio-político.
Um Tribunal político com o nível do Constitucional não pode separar a parte do todo.
PS2- Não adianta estarmos aqui com perguntas de algibeira, pois haverá certamente respostas para todas elas. Todos sabemos guardar e tirar moedas do cafucolo.
Em definitivo este Acórdão é o corolário de um agressivo processo político.
Não tenho a menor dúvida a este respeito.
Não tenho pretensões de ser jurista, nem acho que os juristas em matéria de inteligência/capacidade de discernimento tenham algum ascendente sobre os não juristas.
O que os juristas fazem muito bem quando são advogados é defender o seus clientes usando todos os meios possíveis e quantas vezes “impossíveis”, violando a própria lei. A história está cheia de advogados presos.
Também está de jornalistas, mas é mais por serem acusados pelos advogados, incluindo os do Estado que são os da PGR/Ministério Público.
PS3- A análise política não ignora os factos jurídicos, sendo por definição holística, já a tal (uma certa) análise técnico-jurídica pensa que Angola existe sem contexto a navegar com marcianos numa outra galáxia que não a Via Láctea.