O documentário “Para Lá Dos Meus Passos”, da realizadora Kamy Lara, e “Ar Condicionado”, do realizador Fradique, duas produções cinematográficas da Produtora Geração 80, são os vencedores dos prémios de Melhor Documentário e Melhor Ficção da 8ª edição do Arquiteturas Film Festival Lisboa, que decorreu de 1 a 6 deste mês, no Cinema São Jorge em terras lusas.
Além da selecção oficial e competitiva, o festival abordou Angola, país onde a história e a sucessão de regimes teve tradução na arquitectura e na memória colectiva, numa escolha com curadoria da jornalista, escritora e produtora Marta Lança, editora da plataforma Buala.
Entre os filmes angolanos apresentados no certame contam além dos dois premiados o documentário “Do Outro Lado do Mundo”, título também da produtora Geração 80, “Elinga Teatro 1988/2018”, de Paulo Azevedo, “Afectos de Betão – Zopo Lady”, de Kiluanji kia Henda, inspirado no primeiro capítulo de “Mais um dia de vida”, do jornalista polaco Ryszard Kapuscinski, “Luanda: A Fábrica da Música”, de Inês Gonçalves e Kiluanji Liberdade, “O Herói”, de Zezé Gamboa, “A Ilha dos Cães”, de Jorge António, e “Cartas de Angola”, de Dulce Fernandes.
Foi ainda projectado o histórico filme de Ruy Duarte de Carvalho “Uma Festa Para Viver”, que acompanhou os 15 dias anteriores à independência de Angola, em 1975, numa contagem decrescente que retrata as expectativas de trabalhadores da TAP e de uma família do Bairro do Cazenga, em Luanda.
O festival – que em 2020 não se realizou por causa da pandemia – exibiu 36 filmes de mais de uma dezena de países, envolvendo documentários, ficção, animação e obras experimentais, todos com a marca da arquitectura contemporânea.
De acordo com a sinopse de “Ar Condicionado”, o filme narra a época em que os ares condicionados começam misteriosamente a cair dos apartamentos na cidade de Luanda, Matacedo e Zezinha, um guarda e uma empregada doméstica, tem a missão de recuperar o aparelho do chefe. Essa missão leva-os à loja de materiais eléctricos do Kota Mino, que está a montar em segredo uma complexa máquina de recuperar memórias.
“Ar Condicionado” é uma jornada de mistério e realidade, uma crítica sobre classes sociais e como nós vivemos em conjunto nas esperanças verticais, no coração de uma cidade que é passado-presente-futuro. Ar Condicionado é a primeira longa-metragem de ficção da Geração 80.
A equipa do filme mudou-se para o prédio, com um guião aberto, com apenas três actores principais e uma equipa com a agilidade para se adaptar e aprender com o que o cenário, os moradores e os imprevistos têm para ensinar.
Filmado na sua maior parte com a luz natural da cidade de Luanda durante o sua estação mais fria e cinzenta, o cacimbo, o filme privilegia os personagens e o contexto sobre a narrativa tradicional.
Já o documentário “Para Lá dos Meus Passos” surge durante a criação da peça (Des)Construção da coreógrafa Mónica Anapaz para a temporada de 2017 da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, na qual cinco bailarinos exploram os conceitos de tradição, cultura, memória, identidade, questionando a transformação e a desconstrução destes temas nas suas próprias vidas.
A maioria deles – provenientes de outras províncias do país – traz consigo memórias e tradições ao se mudar para a movimentada, errática e frenética realidade da capital.
Em prol de uma integração, surge a necessidade da abdicação parcial do que somos e a necessidade de criação de uma nova identidade, reflectindo sobre o que de original permanece em nós ao longo dos diferentes caminhos de vida que vamos traçando.