O principal mecanismo da ONU sobre o direito dos povos indígenas alerta que o governo brasileiro não cumpre de forma integral seu programa de proteção aos grupos tradicionais no país diante da covid-19, pede que autorizações para novos projetos de desenvolvimento sejam suspensas e que todos os indígenas, mesmo em centros urbanos, sejam alvo de uma imunização prioritária.
Composto por sete especialistas independentes, o grupo da ONU apresentou 23 recomendações ao governo depois de receber denúncias contra o presidente Jair Bolsonaro. Para a entidade, todas as medidas tomadas para combater o vírus devem ser tomadas com a participação, consulta e o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas.
Entre as medidas, porém, a entidade estima que parte da resposta não deve ser apenas no campo da saúde. A ONU, portanto, pede que o governo tome a decisão de “abster-se de promover ou autorizar projetos de desenvolvimento (extrativistas, florestais, de desenvolvimento) nos territórios indígenas ou em torno deles durante a pandemia, dada a impossibilidade atual de conduzir processos de consulta livre, prévia e informada”.
A recomendação, a primeira em anos feito pela ONU sobre a situação indígenas no país, ainda pede que seja retomada “a demarcação de terras indígenas conforme exigido pela Constituição e pelos instrumentos internacionais de direitos humanos e assegurar que os processos de demarcação sejam finalizados antes da aprovação ou concessão de qualquer interesse em terras a particulares”.
Entre as recomendações, a ONU pede ao governo “adotar as medidas necessárias para a remoção efetiva de pessoas não indígenas, mineiros, madeireiros, fazendeiros, agricultores e outros ilegalmente em terras indígenas e colocar medidas de controle sobre a entrada de qualquer pessoa nos territórios dos povos indígenas em isolamento voluntário para proteger seu direito à autodeterminação, em particular estabelecendo barreiras sanitárias efetivas”.
O documento ainda recomenda “intensificar os esforços para proteger os povos indígenas contra todas as invasões em suas terras, inclusive para a exploração de recursos como mineração e extração de madeira ou intrusão de missionários, inter alia, intensificando as medidas de vigilância e pondo um fim às declarações oficiais que possam ser percebidas como encorajadoras de tais invasões”.
Indígenas em áreas urbanas
Um dos elementos da recomendação se refere a uma disputa travada entre as organizações indígenas nacionais e o governo. No plano de imunização, indígenas em centros urbanos não são necessariamente considerados como prioritários.
A ONU, porém, defende a avaliação dos grupos tradicionais. “Os especialistas disseram que medidas para combater a COVID-19 devem ser tomadas para todos os povos indígenas no Brasil, independentemente de onde eles estejam localizados. Isto inclui a vacinação de toda a população indígena sem discriminação, como parte de um plano nacional de vacinação”, disse.
Por isso, a ONU pede que o governo garanta “que todas as medidas tomadas para combater a COVID-19 sejam para todos os povos indígenas no Brasil, independentemente de sua localização, conforme estabelecido na Lei de proteção aos grupos vulneráveis, incluindo os povos indígenas, durante a crise da COVID-19”.
“Isso inclui vacinação para toda a população indígena no Brasil sem discriminação, incluindo povos indígenas e migrantes indígenas em áreas rurais e urbanas, e em terras indígenas que ainda não estão demarcadas, bem como em terras demarcadas, com prioridade como parte de um plano nacional de vacinação”.
Programa de proteção incompleto
Apesar de destacar a existência de programas do estado, a entidade alerta que sua implementação não é completa. A ONU lembrou, por exemplo, como o Supremo Tribunal Federal “ordenou ao governo que tomasse medidas de emergência para proteger os povos indígenas”. Mas o documento “observa que esta decisão ainda não foi implementada em sua totalidade”. Entre as recomendações, a entidade pede a implementação da decisão.
Isso envolveria “garantir o acesso a alimentos adequados, suprimentos de higiene suficientes, incluindo equipamentos de proteção pessoal, desinfetante, sabão, água potável, distribuição gratuita de produtos de higiene e distribuição de materiais de limpeza e desinfecção para as comunidades indígenas, a provisão de emergência de mais leitos hospitalares e unidades de terapia intensiva (UTIs) para os povos indígenas, aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação do sangue”.
A medida também exige o “fornecimento de fundos de emergência para a saúde dos povos indígenas e estabelecimento de unidades médicas móveis com equipamento adequado e acesso a cuidados médicos qualitativos”.
Para a ONU, o Brasil precisa “abordar a crise da covid-19 como uma questão de saúde pública e indígena, em vez de uma questão de segurança, evitar o deslocamento de militares e policiais para aliviar a crise, o que a experiência tem mostrado que muitas vezes leva ao sofrimento e ao deslocamento de comunidades indígenas”.
Atacar desinformação
Para o grupo, diante da desinformação promovida inclusive com a ajuda de aliados do estado, as “autoridades no Brasil deveriam divulgar informações precisas, confiáveis e oportunas em linguagem simples sobre a COVID-19 e vacinas aos povos indígenas, destacando a necessidade de mensagens coerentes e consistentes”.
Entre as recomendações, a ONU aponta para a necessidade de se “garantir o acesso e a divulgação de informações precisas, confiáveis e oportunas em linguagem clara e consistente com os princípios dos direitos humanos sobre a COVID-19 e suas respectivas vacinas. Isto é importante para tratar de informações falsas e enganosas”. “O envio de mensagens coerentes e consistentes por funcionários e instituições governamentais é de suma importância”, alertou.
Terras
“Eles também sugeriram respostas a questões em torno das terras indígenas que foram exacerbadas durante a pandemia da COVID, tais como: a necessidade de remover os povos não indígenas que se estabeleceram ilegalmente em terras indígenas; a proteção das terras indígenas contra invasões; a abstenção de autorizar projetos de desenvolvimento em terras indígenas durante a crise atual; e a retomada da demarcação de terras indígenas”, completam.