O Instituto Angolano de Controlo do Cancro diagnosticou, em 2020, 24 casos de cancro do ovário, na sua maioria em mulheres com idades entre 20 e 30 anos. Deste número, 15 acabaram por morrer. A especialista em oncologia Sales Cândido revelou que a doença é mais agressiva “em jovens que nunca tiveram filhos”. Hoje assinala-se o Dia Mundial do Cancro do Ovário
29 de Outubro de 2016 é um dia dramático para Mariana Sebastião, que, aos 28 anos, foi diagnosticada com cancro do ovário no Instituto Angolano de Controlo do Cancro, em Luanda.
Mas antes de receber a triste notícia, Mariana andou pelos corredores de alguns hospitais de referência da capital angolana, em busca de um diagnóstico para as fortes dores menstruais que sentia.
Mariana lembra que as dores menstruais, acompanhadas de cólicas e desmaios, começaram logo após ficar noiva de João Mawete, 30 anos. Namorados há cinco anos, os dois sonhavam ter quatro filhos. “O João é filho único e fazia questão de deixar claro que os filhos eram importantes para ele”, lembrou, acrescentando que, antes do noivado, Mawete já queria que ela engravidasse, para constatar que tudo estava nos conformes.
Preocupada com as dores menstruais da filha, a mãe, enfermeira de profissão, colocada no Hospital dos Cajueiros, município do Cazenga, marcou uma consulta com um médico ginecologista para determinar as causas.
“O médico ginecologista disse que era uma situação normal e que tudo iria passar, assim que tivesse filhos. Longe disso, era sinal de que o pior estava por vir”, contou, com os olhos lacrimejantes.
O “normal” era cada vez mais anormal. As hemorragias eram constantes. Com fortes dores no baixo-ventre, Mariana Sebastião começou a perder peso. Por isso, insatisfeita com o diagnóstico obtido no Hospital dos Cajueiros, foi a busca de uma segunda opinião médica na Maternidade Augusto Ngangula.
“Fui atendida por uma médica cubana, que orientou a realização de alguns exames. Dias depois dos resultados dos exames saírem, a médica aconselhou-me a procurar por um especialista em oncologia”, explicou.
Mesmo acompanhada do noivo, Mariana foi tomada pelo medo, pois desconhecia o papel de um oncologista. “Perguntei a médica se a situação era grave, mas para não ficar preocupada, ela disse que era necessário exames mais detalhados, como uma biopsia”, disse.
Após duas semanas de espera, Mariana foi atendida no Instituto Angolano de Controlo do Cancro, onde, depois de vários exames, foi diagnosticada com cancro do ovário em fase avançada.
“Até Outubro de 2016, quando fui diagnosticada com cancro do ovário, não sentia nada que indicasse que sofria desta maldita doença. Nunca tive casos na família, para dizer que é hereditário”, afirmou.
Para evitar a ramificação da doença pelos outros órgãos do corpo, levando assim à morte, foi aconselhada a retirar os dois ovários, o que a impediria de ter filhos biológicos para o resto da vida.
“Não queria acreditar no que estava a ouvir. Deixar de ter filhos? Olhei para a minha mãe e o meu noivo, e notei os dois perplexos. Simplesmente baixei a cabeça e comecei a chorar. 29 de Outubro de 2016 foi o dia mais triste da minha vida”, disse.
De nada adiantaram os choros. A situação era irreversível. Alguns dias depois, os dois ovários foram retirados. Mariana Sebastião fez quimioterapia e radioterapia para a eliminação de todas células cancerígenas. “Venci a doença, mas perdi a honra de ter os meus quatro filhos biológicos”, lamentou
Curada da doença, Mariana Sebastião contraiu matrimónio com João Mawete, em 2019. Feliz, o casal pensa realizar o sonho da paternidade por via da adopção. “Pai também é aquele que cria, por isso, estamos a pensar adoptar. Vamos ver”, disse
Enfermidade é mais agressiva em jovens sem filhos
A directora clínica do Instituto Angolano de Controlo do Cancro, Sales Cândido, revelou que o cancro do ovário é mais agressivo “em jovens que nunca tiveram filhos”.
Aquela instituição, disse, diagnosticou, em 2020, 24 casos do cancro do ovário, na sua maioria jovens com idades entre 20 e 30 anos. Deste número, 15 acabaram por morrer.
“O cancro do ovário e o segundo mais frequente, depois do cancro do colo uterino”, revelou, acrescentando que o segredo, para minimizar os efeitos da doença, passa pelo diagnóstico e tratamento precoce.
“Se a doença for diagnosticada cedo, é apenas retirado um ovário. Mas se for tardio, a solução é mesmo retirar os dois, impedindo a mulher de produzir óvulos e, sem isso, não pode engravidar”, explicou.
A especialista em oncologia disse que, nos países mais desenvolvidos, as mulheres, diagnosticadas com cancro do ovário e sem filhos, optam por congelar os óvulos, antes de iniciar o tratamento.
“Quando a mulher estiver pronta, é feita a fertilização do óvulo e coloca-se o embrião no útero dela. Em Angola ainda não é possível fazer a congelação de óvulos, por não existir ainda terapia para o efeito”, disse.
“Quem tem capacidade financeira, pode fazer isso no exterior do país. Mas quem não tem fica sem os dois ovários e impedida de ter filhos, porque não produz óvulos”, acrescentou.
Sintomas da patologia
O Dia Mundial do Cancro do Ovário foi celebrado pela primeira vez a 8 de Maio de 2013. Desde então, o mundo dedica o dia para melhorar a consciencialização e prevenir o risco do cancro do ovário.
Existe pouco conhecimento sobre os sinais e sintomas do cancro do ovário, o que contribui para que seja diagnosticado em fase tardia. Por isso, a taxa de sobrevivência do cancro do ovário é a mais baixa de todos os cancros que afectam as mulheres.
Os sintomas da doença são o aumento do abdómen, dificuldades de se alimentar, dor na região pélvica ou abdominal, sangramento vaginal fora do normal, fadiga extrema e perda de peso, náuseas, indigestão, gases, obstipação (prisão de ventre) ou diarreia; sensação constante de grande cansaço; falta de ar e vontade constante de urinar.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), este tipo de cancro é a sétima maior causa de morte de cancro em mulheres e oito a dez casos de cancro do ovário são descoberto em fase muito avançada.