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Sábado, Novembro 23, 2024

É preciso criminalizar o discurso do ódio

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A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais do homem, o que vamos encontrar respaldado tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos como na nossa CRA, Constituição da Republica de Angola.

Não haja, por isso, dúvidas de que cada um e todos os cidadãos têm o direito a exprimir livremente, sem censura, o seu pensamento, a sua actividade intelectual, artística, científica e a sua liberdade de comunicação.

Hoje, quase todas as nações do mundo enfrentam o fenómeno do uso abusivo da liberdade de expressão, o que suscita uma reflexão de escala planetária sobre os limites da liberdade, a responsabilidade decorrente desse uso e a fronteira entre a liberdade de expressão e a propagação do discurso de ódio.

O discurso de ódio é uma das formas de abuso da liberdade de expressão, já que se trata de uma manifestação agressiva e incitadora do ódio a certas pessoas. O discurso de ódio procura inferiorizar e discriminar outrem baseado em características, como sexo, etnia, orientação sexual, política, religiosa ou também pode ser quando um individuo aproveita as próprias instituições democráticas que lhe permitem manifestar a sua liberdade para veicular ideias fascistas e não democráticas, apelar à eliminação física de outros ou para incitar à pratica de actos ofensivos e discriminatórios como ataques de cariz politico, tribalista, racista, homofóbico ou de outro.

Não faltam, obviamente, defensores do “direito de ofender” outrem como algo inerente à própria liberdade de expressão e como algo decorrente da necessidade de não se ser “politicamente correcto”, para que a mensagem seja melhor compreendida. A prática leva-nos irremediavelmente ao abuso da liberdade de expressão e à violação de bens como a honra, bom nome e a dignidade de outrem.

No dia da liberdade de imprensa é lamentável reconhecer uma realidade que hoje dita um certo esgarçamento do debate público, substituindo temas e argumentos amparados em princípios pela disseminação de notícias falsas, de deturpação intencional de factos, para manchar reputações e destruir a imagem de pessoas e instituições.

Depois das milícias digitais criadas para coagir e impor o medo a quem não partilhe da mesma opinião, o conteúdo do debate político está a deixar-se pulverizar com mensagens ofensivas e insultuosas que extravasam das redes sociais para as ruas, palanques políticos, cartazes e palavras de ordem. Liberdade de expressão? Sim, claro que sim, mas sem limites, rapidamente caminharemos para péssimos exemplos como ameaças verbais gravíssimas, injúria, difamação, calúnia e incitação à violência.

Esta é uma ocasião propícia para uma reflexão sobre a necessidade de se compreender o que caracteriza um discurso de ódio e quão prejudicial ele pode ser para uma sociedade democrática, sobretudo se for”tranquilamente” disseminada pelos órgãos de comunicação social. Precisamos de diálogo para trazer de volta o debate baseado nas ideias políticas e não nos deixarmos sucumbir à indignidade do insulto, da desqualificação dos adversários e do preconceito.

E é pela sobrevivência da liberdade de expressão e de imprensa que é preciso responsabilizar e criminalizar o discurso do ódio. A responsabilização de quem abusa da liberdade de expressão nada tem de contraditório com a defesa da liberdade. Essa é uma discussão recorrente em todo o mundo, mas o maior perigo é o silêncio das instituições e permitir-se que em nome da liberdade de expressão se causem danos muito maiores. Quando, em represália pelos desenhos que ridicularizavam e ofendiam com humor pejorativo a figura de Maomé, ocorreram os atentados na revista francesa Charlie Hebdo, tornou-se inevitável a discussão sobre os limites do bom senso, ética, responsabilidade e respeito à religião islâmica.

Aqui mesmo no nosso continente o discurso de ódio também deixou marcas bem visíveis nos trágicos cem dias de 1994 em que morreram mais de 800 mil pessoas no Ruanda. Estações de rádio e jornais transmitiam propaganda de ódio, exortando as pessoas a “eliminar as baratas”, o que significava matar os tutsis. Os nomes das pessoas a serem mortas foram lidos na rádio. A liberdade de expressão foi usada ao serviço do genocídio. Um outro caso clássico ocorreu no Brasil quando um cartoonista foi dispensado por se ter manifestado de forma jocosa em relação a um caso de estupro colectivo.

Esse é o debate da responsabilização que temos de incitar urgentemente. A liberdade de expressão deve ser assegurada desde que não atente contra o direito dos outros à integridade física ou moral. E aqui chegados não tenhamos duvidas: só é possível garantir a liberdade de expressão com o respeito pelos limites dessa mesma liberdade e com respeito pelos direitos dos outros. De outro modo, o caminho é o caos, o ressentimento, a intolerância e a violência.

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