Desiludido com o rumo do país, o economista que pertenceu aos quadros da Sonangol admite que é preciso ir mais além no combate à corrupção. Só depois de tirar os “abutres” de cima dos investidores é possível captar investimento estrangeiro.
Angola vem de cinco recessões consecutivas e está a implementar várias reformas para transformar a sua economia. Entretanto, o Kwanza iniciou uma espiral de desvalorização face às moedas estrangeiras. Como é que se tem sentido essa desvalorização?
O maior problema é a desvalorização dos salários e da procura interna. Ao não pagar salários corrigidos estamos a diminuir a procura e estamos a diminuir a capacidade da própria economia funcionar. Há quem ache que a economia se desenvolve pela oferta e não pela procura. Eu pessoalmente penso que se houver procura é mais fácil as coisas desenvolverem-se. As pessoas vão fazendo a sua casa, as pessoas conseguem comer e hoje não é assim.
O poder de compra afundou, não há aumentos salariais da função pública desde 2019 e hoje a classe média é quase uma miragem. É um cenário angustiante…
O Estado hoje queixa-se que os funcionários públicos não pagam as rendas do Kilamba e outras centralidades, diz-se que não pagam a água e não pagam a luz. E não pagam porquê? Porque não têm dinheiro para pagar. Porque os funcionários públicos não têm como pagar, mas deram-lhes uma casa no Kilamba.
E qual é a solução?
Ou transformam aquilo em 100 anos para pagar, e ai talvez seja possível, mas o problema são as opções, as pessoas têm que comer, vestir e pagar a escola dos filhos. Só depois é que está o resto. Portanto, o Estado acaba por não conseguir receita deste imobiliário todo que construiu também porque não paga salários corrigidos. Já conversámos sobre isso, mas o Ministério das Finanças diz que não tem dinheiro para aumentar os salários. E depois não há dinheiro para recolher o lixo. E o que vai acontecer é que não há dinheiro para pagar a produção interna.
Temos um ambiente de negócios mau. O que é que se pode melhorar para captar investimento privado?
O país todo. A administração pública é aversa ao investidor, eles caem em cima dos investidores como se fossem abutres. Para fazer qualquer coisa você tem que pagar. E isto na administração pública. Assim fica difícil promover o investimento. Um ambiente muito mau.
Que olhar tem sobre o combate à corrupção que está a ser feita?
Uma coisa eu tenho a certeza, não se está a combater a corrupção que hoje se faz. E é isso que para mim é mais importante. Em todos os programas económicos lançados tens agentes do Estado a fazer desvios, mas em tudo.
Pode dar exemplos?
Tens no programa do combate à Covid-19 uma série de gente que cometeu actos incorrectos. Há uma lista, a última foi a história das vacinas pelo dobro do preço. Não tem cabimento nenhum. E começou com o bairro para alojar o pessoal que foi comprado a quem se sabe e o dinheiro não é dele. E ainda temos o programa do PIIM.
O que há de errado com o PIIM?
O PIIM é um lançamento de dinheiro ao vento. Vai ter o mesmo resultado que tiveram as obras dos chineses. É que ao invés de atribuíres um determinado orçamento a cada município, a cada província, e dizer “agora você vai escolher os projectos que vai fazer e vamos controlar”, não se fez. Os projectos são controlados aqui de Luanda e não pode. E fazem coisas que o município ou a província não precisa.
Mas têm sido divulgados casos de pessoas a serem investigadas e até mesmo presas…
Eles até estão a prender um ou outro, mas é o pilha galinhas. Não me parece que sejam os grandes malefícios. Estou preocupado que se ponha ordem em quem rouba daqui para frente. O que está para trás deixem os tribunais resolver. Acho muito bem esta história do São Vicente, que é uma dessas montagens vergonhosas que é necessário desmontar, e há mais do mesmo estilo. Há que pôr ordem nisso.
O combate à corrupção ainda não está a ter o efeito desejado?
É necessário que comecem realmente a dar sinais de que quem prevarica daqui para frente é punido. E o Presidente não pode ter gente à volta dele que é suspeita, independentemente de poderem ser ou não condenados. Para mim, a partir do momento em que é suspeito, não deve ficar à volta do Presidente. Mas o Presidente não consegue porque o partido não deixa.