O Brasil transformou-se num grande “reduto de mutação viral” e “constitui uma ameaça para o planeta”, de acordo com o médico Miguel Nicolelis. O país bateu novo recorde de mortes diárias por COVID-19 na quarta-feira, com 1840 óbitos. A pandemia está fora de controlo no país e, em muitas cidades e Estados, os governadores e autarcas estão a implementar medidas para restringir a circulação de pessoas.
É o terceiro recorde de mortes diárias no espaço de uma semana. A transmissão do vírus está a crescer na grande maioria dos estados brasileiros. Em muitos deles, o sistema de saúde entrou em colapso.
No estado de Santa Catarina, no sul do país, mais de 700 pessoas esperam por uma cama nos cuidados intensivos dos hospitais.
No Rio de Janeiro, pela primeira vez desde o início da pandemia, um recolher obrigatório vai entrar em vigor esta sexta-feira por uma semana, das 23h às 5h.
O estado de São Paulo voltará, este sábado e por duas semanas, à “fase vermelha” das restrições, que permite o funcionamento de serviços de saúde, alimentação, transporte público e escolas, mas proíbe a abertura de centros comerciais, restaurantes e salas de espectáculo.
Em Brasília, Mato Grosso, Pernambuco, Rondônia e Acre, entre outros, as actividades já foram reduzidas a serviços essenciais ou o horário de funcionamento do comércio foi limitado. Mesmo os estados mais ricos e com mais infraestruturas, como Paraná e Santa Catarina, estão em “alerta crítico” devido à alta ocupação de camas nos hospitais.
Segundo o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, que aconselhou governadores, estas medidas chegam demasiado tarde. “Não adianta fazer um ‘lockdown’ de 48 horas, não tem efeito nenhum. Se ele continuar mutando, nada impede que uma mutação mais letal surja. A preservação de grandes redutos de mutação viral, como o Brasil se transformou, constitui uma ameaça para o planeta”, declarou.
O número de vítimas mostra que as restrições à circulação determinadas nas últimas semanas por autarcas e governadores – e criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro – foram insuficientes para conter a pandemia.
Pelo menos duas variantes do novo coronavírus já foram identificadas no Brasil. Alguns estudos apontam que a variante que surgiu na Amazónia, duas vezes mais contagiosa, já foi detectada em 17 estados.
Com 212 milhões de habitantes, o Brasil sofre com a falta de doses de vacinas: até agora, 7,4 milhões de brasileiros foram vacinados e apenas 2,3 milhões tiveram a segunda dose. Ou seja, até agora, apenas um pouco menos de 3,5 % da população recebeu a primeira dose da vacina.
No Brasil, 260.000 pessoas morreram vítimas do novo coronavírus e foram registados mais de 10,7 milhões de casos.
“Pela primeira vez desde o início da pandemia, verifica-se em todo o país o agravamento simultâneo de diversos indicadores”, afirmou esta semana a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde. A instituição explicou que se trata de um “cenário alarmante” com o aumento de casos e óbitos, altos índices de síndrome respiratória aguda grave (SARS) e uma ocupação de mais de 80% dos leitos das unidades de terapia intensiva em 19 dos 27 estados e o Distrito Federal.
A Fiocruz advertiu que o cenário actual “representa apenas a ponta do iceberg de um patamar de intensa transmissão” do coronavírus no país.
Nos últimos sete dias, a média foi de 1.331 mortes diárias, um valor que até Fevereiro se mantinha cerca das 1.100 vítimas mortais. Desde Janeiro, o Brasil não consegue ficar abaixo de mil mortes por dia, como aconteceu entre Junho e Agosto do ano passado, durante a primeira vaga.
Os especialistas alertam que a degradação da situação sanitária se prende com a falta de distanciamento social durante as festas de fim de ano e as aglomerações do verão e do Carnaval, apesar de proibidas.
A situação de emergência e a falta de coordenação por parte do governo federal levaram autarcas e governadores a coordenarem-se para comprar vacinas. Na segunda-feira, secretários estaduais de Saúde pediram a implementação de um recolher obrigatório a nível nacional e um confinamento nas áreas mais críticas.
Porém, o Presidente Jair Bolsonaro continua a promover aglomerações, questiona o uso de máscaras, a eficácia das vacinas e critica as autoridades que aplicam medidas de isolamento social devido ao seu impacto económico.
De olhos postos nas eleições de 2022, Bolsonaro afirmou, na semana passada, que os governadores que decretarem a suspensão de actividades “terão que pagar” com seus próprios orçamentos as ajudas económicas à população mais pobre.