Presidente guineense admite realizar um referendo constitucional em 2021 e alega que revisão não visa reforçar poderes presidenciais. Em entrevista à Lusa, Sissoco Embaló diz que Casamança é um problema dos senegaleses.
“O Presidente preside ao Conselho de Ministros, quando entender, é o que faço, preside o Conselho de Segurança Nacional e o Conselho de Defesa Nacional. Exonera e nomeia, posso dissolver o Parlamento, eu é que marco a data das eleições. Nomeio e acredito os embaixadores e fiscalizo a ação governamental e até do parlamento, eu é que emposso os juízes do Supremo Tribunal. Agora, não quero mais poderes, tenho de sobra”, disse o chefe de Estado guineense.
“Nesta Constituição, a única coisa que estamos a fazer é a clarificação e a criação de um Tribunal Constitucional e a única inovação é o Conselho Económico Social. Não é para criarmos um imperador”, afirmou Umaro Sissoco Embaló, repetindo que não quer ter mais poderes.
No entanto, o projeto de revisão da Constituição elaborado pela comissão criada pelo Presidente altera, por exemplo, nas competências do chefe de Estado, a formulação relativa a participação no Conselho de Ministros. Ou seja, o artigo referente às atribuições do Presidente da República passa a dizer que o chefe de Estado preside ao Conselho de Ministros. Na atual Constituição, refere-se que o chefe de Estado preside ao “Conselho de Ministros, quando entender”.
A questão da presidência do Conselho de Ministros é reforçada no artigo referente àquele órgão, que ao contrário da Constituição em vigor, que determina que é presidido pelo primeiro-ministro, refere que o chefe de Governo pode “presidir ao Conselho de Ministros por delegação do Presidente da República”.
Excluídas candidaturas de guineenses residentes no estrangeiro
Qaunto à data de realização do referendo, o chefe de Estado disse que “ainda vai ser este ano”, sublinhando que o processo está no “bom caminho”. “Na semana passada informaram-me que estão na fase final. Já enviaram cópias para todas as instituições, partidos políticos e depois vou convocar o presidente da Assembleia, procurador e outros para marcar o referendo”, afirmou.
Ainda em relação ao Presidente da República, a proposta refere que só pode ser candidato ao cargo quem tiver tido “residência permanente no território nacional nos cinco anos imediatamente anteriores à data de apresentação da candidatura”, limitando as candidaturas de cidadãos que não residam no país.
O líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, com quem Sissoco Embalo disputou as eleições presidenciais de 2019, reside em Portugal há mais de um ano, tendo abandonado o país na sequência da contestação do resultado das eleições.
O projeto de revisão também modifica a reformulação relativa à nomeação e exoneração do primeiro-ministro, que passar a dizer que o Presidente nomeia ou exonera “tendo em conta os resultados eleitorais e a existência ou não de força política maioritária que garanta estabilidade governativa e por coligações ou alianças, depois de ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento”.
Segundo a atual Constituição, a iniciativa de revisão da Constituição cabe ao Parlamento e as propostas de revisão têm de ser aprovadas por maioria de dois terços dos deputados que constituem a Assembleia Nacional Popular (ANP), ou seja, 68 dos 102 parlamentares.
Embaló constituiu no ano passado uma comissão para apresentar uma proposta de revisão da Constituição ao parlamento, mas paralelamente a ANP tem a já decorrer um anteprojeto no mesmo sentido. Fonte do Parlamento disse à Lusa que o anteprojeto da ANP está na fase de divulgação e o Parlamento está disponível para receber contribuições, incluindo do Presidente. Questionada sobre o referendo, a fonte explicou que não existe lei de referendo na Guiné-Bissau e que, segundo a Constituição, cabe à ANP decidir ou não a realização de uma consulta popular.
Casamança é um problema dos senegaleses
O Presidente da Guiné-Bissau considera que o conflito em Casamança é “um problema dos senegaleses”, recusando que haja qualquer “problema” ou “crise” com o país vizinho. “Nós não nos metemos, somos um país de pessoas sérias. Há pessoas que gostam de falar, que faz parte do quotidiano deles, não me meto nos problemas de Casamança, isso não nos pertence”, afirma na mesma entrevista.
Em janeiro, as autoridades senegalesas lançaram mais uma ofensiva contra o Movimento das Forças Democrática de Casamança (MDF), depois de as forças militares do Senegal terem denunciado abusos de rebeldes contra civis e para destruir campos de cânhamo (planta de canábis) indianos atribuídos à rebelião.
Os rebeldes de Casamança ameaçaram entrar na Guiné-Bissau se sofrerem ataques das tropas senegalesas a partir de território guineense, acusando as autoridades de Bissau de se terem aliado ao Senegal contra a região independentista. O MFDC luta desde 1982 pela independência de Casamança, limitada a sul pela Guiné-Bissau e a norte pela Gâmbia.
As conversações de paz, tornadas ainda mais difíceis pelas divisões internas do MFDC, foram relançadas após a chegada ao poder do Presidente senegalês, Macky Sall, em 2012. No entanto, estas não foram suficientes para um acordo que pusesse fim a um conflito que causou milhares de vítimas civis e militares, devastou a economia e forçou muitas pessoas a fugir da região.
Bissau aguarda vacinas do “amigo e Presidente do Senegal”
“Para a semana vamos receber 10.000 doses de vacinas de oferta do meu amigo e Presidente do Senegal, Macky Sall, a União Africana também nos vai mandar e nós também vamos comprar, estamos a ver onde vamos comprar se à Rússia, à China, à Europa”, revelou ainda o chefe de Estado.
O representante do Banco Mundial em Bissau, Amadou Ba, anunciou no sábado que está a ser preparado um projeto de apoio à vacinação contra a covid-19 na Guiné-Bissau no valor de cinco milhões de dólares (4,1 milhões de euros), que deverá ser aprovado até abril.
A União Europeia já tinha anunciado que a Guiné-Bissau vai receber 144.000 doses da vacina AstraZeneca até ao final de março ao abrigo da iniciativa Covax, que junta vários parceiros internacionais. Desde que foram detetados os primeiros casos de Covid-19 na Guiné-Bissau, em março de 2020, o país já registou mais de 3.260 casos de infeção pelo novo coronavírus e 48 vítimas mortais.
Guiné-Bissau apoia recandidatura de Guterres
Umaro Sissoco Embaló disse também que vai apoiar a recandidatura de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas, destacando ainda que as relações com Portugal nunca foram tão próximas. “É óbvio. Sou amigo pessoal de Guterres, conheço o António Guterres há 30 anos. Nós, com Portugal, sempre concertámos e essa concertação é permanente”, afirmou o chefe de Estado guineense.
O Governo português formalizou em 24 de fevereiro a recandidatura de António Guterres para um segundo mandato de cinco anos como secretário-geral da ONU. O atual mandato de António Guterres iniciou-se em 1 de janeiro de 2017 e termina em 31 de dezembro deste ano.
Em janeiro deste ano, o ex-primeiro-ministro português anunciou a sua disponibilidade para cumprir um segundo mandato de cinco anos entre 2022 e 2026. As Nações Unidas deram início este mês ao processo formal de seleção do próximo secretário-geral da organização, ao pedirem aos 193 Estados-membros que submetessem os nomes de candidatos ao cargo.