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A China está a marcar, a alta velocidade, a sua presença no panorama dos média em África com a agência de notícias Xinhua a apresentar a maior rede de correspondentes. A imprensa livre em África está em risco?
Do desenvolvimento de infraestruturas ao comércio, cinema e educação, não há dúvidas de que a presença da China em África está a ter uma influência significativa no continente berço.
“Para a China, a propaganda tem conotações positivas, é vista como uma ferramenta proativa na educação e formação de opiniões para contribuir para uma ‘sociedade harmoniosa'”, disse Ivana Karaskova, especialista em política externa e de segurança chinesa, durante uma conferência virtual.
O evento, que teve como mote “Contando a história da China – as tentativas de Pequim de reinar entre os media em África e na Europa”, foi organizado pelo Mercator Institute for China Studies (MERICS).
Notícias “Made in China“?
Desconhecido para muitos, a China tem investido maciçamente nos órgãos de comunicação social de África como uma estratégia para atingir as suas ambições a longo prazo.
O gigante asiático pretende moldar positivamente a sua imagem, oferecendo conteúdo gratuito aos meios de comunicação locais. Ao empregar canais de televisão, rádio, e online financiados pelo Estado, Pequim construiu com sucesso a maior rede de correspondentes em todo o mundo através da sua agência de notícias Xinhua, de acordo com Joseph Odindo, ex-director editorial do Nation Media Group (NMG) do Quénia, e Standard Group.
Os meios de comunicação chineses, incluindo a China Central Television (CCTV), continuam esforços para se integrarem em África
“Os esforços da China para ganhar influência nos média locais começaram por volta do ano de 2004-05”, observou Odindo. Coincidiu com a transferência do escritório regional da Xinhua de Paris para Nairóbi, no Quénia, em 2006. “Parecia ter havido uma percepção de que Nairóbi poderia ser usada como plataforma de lançamento”, explicou o veterano jornalista da África Oriental.
De acordo com Joseph Odindo, o então chefe da Xinhua desenvolveu uma ligação muito próxima com jornalistas quenianos. Acabou por conseguiu convencer Odindo e outros a instalar uma antena parabólica Xinhua para que a agência pudesse começar a transmitir conteúdos de televisão.
Joseph Odindo observou os primeiros esforços da China para entrar na esfera dos média na África
“Ele pressionou muito, agressivamente, pelo uso do conteúdo da Xinhua”, disse Odindo. Os correspondentes da Reuters e da AFP debateram exaustivamente o assunto. “Mas a linha de argumento [da Xinhua Quénia] sempre foi, ‘vão manter-se presos à perspectiva ocidental das notícias? Têm de dar uma oportunidade a esta outra perspectiva'”, explica.
Logo depois, o órgão de comunicação de Odindo começou a retransmitir duas a três histórias da Xinhua por semana. “Só para representar a outra perspetiva e mostrar que somos justos, não temos nada contra a China”, justificou.
Quénia como plataforma de lançamento da China
Tendo reunido uma das maiores redes de correspondentes estrangeiros em África, a Xinhua conseguiu superar outras emissoras internacionais.
Mas esta não é a única empresa de comunicação social chinesa com sede em Nairóbi. O escritório africano da China Global Television Network (CGTN) está também sediada na capital do Quénia. O China Daily também publica conteúdo dos seus escritórios em Nairóbi e Joanesburgo, na África do Sul. A China Radio International tem uma estação em Nairóbi – CRI 91.9 FM – que transmite em todos os países da África Oriental. Finalmente, existe a Star Times, uma empresa privada chinesa de televisão.
“A questão aqui é que a presença deles, quando consolidada, é uma arma muito poderosa para projetar a perspectiva chinesa”, sublinha Odindo.
O investimento chinês na indústria dos média no Quénia criou 500 empregos, sendo que até 300 deles são jornalistas na televisão e na rádio. Também introduziram tecnologia de ponta e formaram muitos jornalistas.
A China Central Television (CCTV), que administra a CCTV Africa, tem uma estação na capital do Quénia, Nairóbi
Jornalistas africanos vão para a China para formação
Odindo foi um dos jornalistas beneficiados e muitos do seu grupo também tiveram a oportunidade de realizar formação na China. “Quando eu estava no Grupo Standard, tínhamos de fazer um gráfico que nos permitisse ver quem estava numa formação, quem deveria voltar e quem seria o próximo. Caso contrário, podi´íamos chegar ao ponto de encontrar metade da redação em formação em Pequim”, lembra.
A China também aproveitou a oportunidade para ajudar algumas empresas de comunicação social a sair de uma crise financeira. Os média em grande parte da África Subsaariana têm sentido “o aperto” causado pela ruptura digital, a fuga de audiências e de publicidade.
A China oferecia ao The Standard Group um suplemento a cada quinze dias, o que os deixava abertos para a publicação de conteúdos chineses e outras histórias. Mas as coisas não saíram como planeado. “Tivemos um sério desacordo com eles quando publicámos um relatório investigativo sobre o projeto ferroviário SGR do Quénia financiado pela China”, observou Odindo.
A investigação examinou o difícil processo de construção do projeto e como custou grandes somas de dinheiro dos contribuintes. “A embaixada chinesa cancelou todos os seus anúncios com o The Standard e retiraram o suplemento. Exigiram que interrompessemos a cobertura negativa”, recorda.
África sobreviverá à influência da China?
O Programa da Fundação Konrad Adenauer (KAS) para a África Subsaariana passou os últimos anos a observar a crescente influência da China nos média, segundo Christoph Plate, diretor do Programa da KAS para a África Subsaariana em Joanesburgo.
Christoph Plate diz que a influência dos média chineses em África é difícil de abalar Plate deu o exemplo de um professor de jornalismo na África do Sul que fez o seu doutoramento na China. “Ele agora está a ser lembrado repetidamente do país que o habilitou a fazer um doutorado”, disse Plate. “As instituições chinesas estão a pressionar outro professor da Universidade de Addis Abeba para iniciar um centro de média na capital da Etiópia para investir nele”, acrescentou.
“Quando se trata da China, o poder económico absoluto que os chineses trazem no campo dos média no continente, é muito difícil de repelir”, explicou Plate. “Começa com a possibilidade de usar fios da Xinhua gratuitamente, passando pela oferta de bolsas de estudo, assistência técnica adicional para emissoras e compra de empresas de média e criação de suas próprias empresas em África.”
Para Odindo, no entanto, os média no Quénia permanecem seguros na sua independência. “Há uma tradição muito forte de reportagem independente. Não acho que as tentativas da China de penetrar nos média locais, como The Nation, The Standard e Royal Media Services, de alguma forma prejudicaram o nosso jornalismo ou a maneira como vemos as coisas”, conclui.
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