Nos países desenvolvidos, o início deste ano trouxe, em vez da tão ansiada vacinação em massa, uma nova estirpe de Covid-19, aparentemente muito mais contagiosa.
Em África, mesmo entre os países mais ricos, como a África do Sul, a vacinação ainda nem sequer começou. Nos países africanos mais pobres, não há sequer previsão fiável de quando possa começar.
Entretanto, a generalidade dos países africanos mantêm-se fechados ao mundo – e o mundo a eles. E o atraso na vacinação – para além da possibilidade de aparecimento de novas estirpes mais contagiosas, como a agora identificada na África do Sul – significa que, mesmo quando estiverem abertos entre si, os países do Norte provavelmente demorarão a abrir ao Sul.
Vários países europeus fecharam-se aos voos da África do Sul. No próximo dia 24 de Janeiro, por exemplo, Angola irá suspender as ligações aéreas com Portugal, Brasil e África do Sul – 3 dos países que originam maior tráfego nas suas fronteiras.
É claro que o conceito de “fronteira” em África não é o mesmo que nos países do Norte. Basta ler esta interessantíssima reportagem da DW África junto da fronteira moçambicana de Ressano Garcia para perceber porquê. Aliás, já está montado um negócio na travessia de fronteiras fechadas. Uma vez, disse-me um passageiro perante uma peripécia no aeroporto de Kinshasa que “em África, tudo é possível”. É uma realidade ambivalente, e muitas vezes explorada pelos sem escrúpulos, mas uma diferença inquestionável e uma idiossincrasia africana.
Temos, portanto, uma situação em que o Norte se fecha a África, mas África está relativamente aberta, uma vez que o confinamento simplesmente não é possível para a larga maioria das pessoas, em entre países que partilham fronteiras porosas de muitos milhares de quilómetros. Duas tendências começam aqui a emergir: primeiro, a aceleração da transição para o digital, de que é exemplo os ministérios e agências de Governo a terem de adaptar-se rapidamente às novas realidades das reuniões Zoom (e estão a fazê-lo); a outra, igualmente interessante, é que os países africanos estão a olhar cada vez mais uns para os outros, em vez de para o Norte. Com o comércio altamente dificultado com fontes tradicionais de investimento e importações, novas soluções podem ser necessárias.
Conjugadas, estas duas tendências trazidas pela pandemia podem significar uma transformação importante do continente africano.
Um sinal delas foi a visita, na semana passada, do presidente cabo-verdiano a Bissau – a primeira (pasme-se) de um chefe de Estado deste país à capital de um vizinho com ligações históricas e culturais tão próximas. Conforme relatamos no Africa Monitor desta semana, Jorge Fonseca fez-se acompanhar de uma importante comitiva de empresários. Tradicionalmente virado para o Turismo e para a Europa, Cabo Verde está perante uma crise económica e financeira como provavelmente nunca viveu nos seus 40 e poucos anos de vida. E está a virar-se para a sua região imediata, de forma bastante evidente.
Normalmente, as grandes crises trazem grandes transformações. E impactos inesperados. Em África, talvez estejamos a já perante estes.