Um desacato entre vizinhos terá sido a causa da morte de uma mãe e do seu filho adulto nas Filipinas. O momento em que um polícia dispara sobre os dois vizinhos, no domingo passado, foi gravado e as imagens que rapidamente se espalharam nas redes sociais estão a gerar uma onda de indignação contra o Governo filipino e a reacender os protestos por uma reforma nas forças militares e policiais do país.
No domingo, o sargento Jonel Nuezca não estava ao serviço quando baleou mortalmente os seus vizinhos – Sonya Gregorio, de 52 anos, e o filho Frank Anthony Gregorio, de 25 – na província de Tarlac. O incidente foi filmado por uma testemunha e partilhado na Internet.
No vídeo vêem-se imagens do polícia, que estava de folga e à paisana, a confrontar a família Gregorio por causa de uma “boga” – um foguete feito em casa e popular na região na altura das Festas de Natal e de Ano Novo – e a discutir antes de disparar sobre mãe e filho, de acordo com o Guardian. Mas as tensões da discussão entre os vizinhos aumentaram quando Nuezca tentou prender Frank Gregorio e a mãe se agarrou ao rapaz para evitar que fosse detido e levado.
Após uma acalorada troca de palavras entre a filha do sargento e a vizinha Sonya Gregorio, ouve-se no vídeo Jonel Nuezca a dizer: “Vou acabar com vocês agora”. As imagens mostram, então, o polícia a disparar sobre mãe e filho.
O vídeo rapidamente começou a circular nas redes sociais – com as hashtags “StopTheKillingPH” e “PulisAngTerorista”, ou acusações como “a polícia é terrorista” – e intensificou as críticas ao presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, que foi acusado por grupos de direitos humanos de permitir que tanto polícias como militares agissem com impunidade.
Ainda no domingo, depois de ser acusado por duplo homicídio, o sargento Jonel Nuezca entregou-se e foi detido. Debold Sinas, chefe da Polícia Nacional das Filipinas, disse à imprensa local que Nuezca já tinha enfrentado cinco acusações administrativas, incluindo duas por assassinato, embora ambas tenham sido anuladas por falta de provas.
Família assassinada pela impunidade do Governo
Este assassinato à queima-roupa por um polícia fora de serviço é o mais recente de uma série de assassinatos envolvendo a Polícia Nacional das Filipinas, que atualmente está a ser alvo de uma investigação internacional. O Tribunal Penal Internacional considerou, na semana passada, que havia evidências para apoiar as alegações de que as autoridades filipinas cometeram vários crimes contra a humanidade como parte do combate do presidente Rodrigo Duterte contra o negócio da droga nas Filipinas.
Edre Olalia, da União Nacional dos Advogados do Povo que está a investigar as mortes, acusou o governo de Duterte pelo incidente.
“Quando aqueles que juram fazer cumprir as leis estimulam e inspiram os responsáveis pela aplicação da lei com garantias de impunidade e até mesmo uma palmadinha nas costas, são criados monstros prontos para enlouquecer a qualquer hora, em qualquer lugar por uma variedade de razões e circunstâncias”, disse ao New York Times.
O presidente Duterte é acusado de encorajar frequentemente a polícia a matar criminosos, prometendo protegê-los enquanto permanecer no Governo.
“Esteja alerta e seja sábio”, disse o presidente filipino às autoridades recentemente. “Apenas um pequeno erro da parte deles, dispare”, disse ainda, referindo-se a possíveis suspeitos.
As imagens que circularam geraram indignação e os apelos por justiça invadiram as redes sociais. Os ativistas ligados aos direitos humanos consideram também que os assassinatos de domingo foram resultado da retórica violenta do presidente e do seu apoio à polícia e às promessas de proteção.
“Muitos membros da polícia filipina estão simplesmente fora de controlo”, disse Phil Robertson, vice-diretor da Human Rights Watch para a Ásia.
“Como em muitos incidentes de violência policial recente, o assassinato de Sonya Gregorio e do seu filho Frank por Nuezca foi descarado e ressalta a impunidade que prevalece nas Filipinas”, continuou. “Aconteceu no contexto de um ambiente propício para a violência policial que o próprio presidente Duterte encorajou”.
Segundo alguns grupos de direitos humanos, Duterte já tinha ameaçado anteriormente os ativistas para não abrirem processos contra polícias e militares por execuções extrajudiciais, afirmando que “nunca irão para a prisão – não sob minha supervisão”.
O ministro do Interior, Eduardo Año, reagiu e condenou os assassinatos, afirmando que se tratava de incidentes isolados que não deveriam refletir a imagem da Polícia Nacional das Filipinas.
“Embora haja infelizes incidentes como este, a grande maioria do nosso pessoal PNP desempenha as suas funções juramentadas todos os dias com honra e integridade para proteger e servir o povo”, disse o ministro filipino num comunicado. “O pecado de Nuezca não é o pecado de toda a Polícia Nacional das Filipinas”.
Já o presidente filipino comentou o indicidente e as acusações numa conferência de imprensa, na segunda-feira, dizendo que o polícia acusado do duplo homicído devia permanecer na prisão e que estava “doente da cabeça”. Duterte defendeu-se ainda alegando que apenas pormeteu proteger os polícias que agissem de acordo com a lei.
“Se age bem, estou consigo”, disse Duterte. “Se agir mal, terá que pagar com o inferno”.
De acordo com dados da Reuters, já foram assassinados pelas autoridades filipinas, desde 2016, 5.942 alegados traficantes de drogas. Mas os grupos de direitos humanos dizem que este número é um “eufemismo” e acusa a polícia de executar aleatoriamente consumidores e traficantes.