O advogado angolano Carlos Feijó é um dos visados no processo de investigação em Portugal que envolve o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia. Se houver ilicitude, analistas defendem retirada de títulos académicos.
Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL), está a ser investigado por suspeita de envolvimento numa alegada teia de corrupção. De acordo com o Ministério Público, o académico português terá facilitado a atribuição de doutoramentos a alunos de alguns países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), nomeadamente de Angola e de Moçambique, a troco de contrapartidas económicas, entre as quais diamantes.
As suspeitas surgem no âmbito do processo “Tutti Frutti”, quando a Polícia Judiciária (PJ) intercetou conversas telefónicas entre Bacelar Gouveia e o antigo deputado social-democrata Sérgio Azevedo, seu aluno na UNL, que então se preparava para prestar provas de doutoramento.
O jurista português Rui Verde, que conhece bem o suspeito, analisa o caso com alguma prudência. “Esta questão dos doutoramentos em troca de diamantes tem que ser vista com alguma cautela, sobretudo porque predomina em primeiro lugar o princípio da presunção de inocência”, considera Rui Verde.
Políticos sob suspeita
Segundo o semanário português Expresso, na alegada rede de tráfico de influências que envolve o professor universitário recaem ainda suspeitas sobre membros e ex-membros do Partido Socialista (PS) e do Partido Social Democrata (PSD).
A DW África sabe que entre os referidos alunos figura o nome de Carlos Feijó, ex-ministro de Estado e Chefe da Casa Civil durante o consulado de José Eduardo dos Santos. Também Eduardo Sambo, comissário da Polícia angolana e professor na Universidade Agostinho Neto, figura na lista de suspeitas.
Para Rui Verde, é difícil uma única pessoa “vender” doutoramentos em troca de diamantes, embora admita que tal seja possível quando a mesma é bastante influente na academia.
“O que temos para já são umas informações vagas de troca de doutoramentos por diamantes que têm que ser mais bem explicadas, porque em princípio o doutoramento é dado por um júri e não por uma pessoa”, recorda. “Tem um procedimento em que há um orientador, depois há várias certificações de qualidade”, frisa.
Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL), entende que é preciso “saber se efetivamente houve esse tipo de corrupção e como é que tudo se processou”, já que “uma só pessoa não pode de per si dar graus de doutoramento”.
“São dados através de um exame final público, perante um júri de cinco a sete elementos doutorados, eventualmente alguns especialistas das áreas em que a tese se reporta. Portanto, há que verificar isso”, acrescenta.
Jorge Bacelar Gouveia não sabe de nada
Jorge Bacelar Gouveia, que foi deputado social-democrata e concorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) como “jurista de mérito”, garantiu a alguns meios de comunicação social portugueses não saber de nada e nunca ter sido ouvido pelo Ministério Público sobre estes factos.
Contactada pela DW África, a reitoria da Universidade Nova de Lisboa confirma as buscas ocorridas na Faculdade de Direito e refere, através de um comunicado distribuído à imprensa, que “a direção da Nova School of Law sinalizou, nos últimos dois anos, algumas situações que levantaram dúvidas sobre a conduta do professor Jorge Bacelar Gouveia”. “Contudo jamais foi considerada a possibilidade de o professor Jorge Bacelar Gouveia ter praticado atos suspeitos de constituir crime”, lê-se na nota.
“Na sequência de uma iniciativa unânime dos membros que compõem o Conselho Científico, o Professor Jorge Bacelar Gouveia renunciou no dia 3 de dezembro ao cargo de presidente do Conselho Científico da Faculdade, que ocupava desde 2014. A Universidade Nova de Lisboa constituiu-se assistente no processo-crime”, conclui ainda o documento.
Segundo Rui Verde, as Procuradorias-Gerais da República dos PALOP, nomeadamente de Angola e de Moçambique, devem abrir também investigações sobre este caso. “É evidente que se vier a comprovar-se que os títulos foram dados de forma corrupta devem pura e simplesmente ser anulados. Deixam de existir na ordem jurídica”, afirma o especialista.
Já o analista angolano Eugénio Costa Almeida defende que é importante identificar os supostos beneficiários, mas esta é uma matéria que compete aos Governos e respetivos ministérios da Educação e Ensino Superior, para que lhes sejam retirados os títulos, com as consequências que daí podem advir. “Se se vierem a confirmar que, de facto, os títulos são ilícitos, estes devem ser retirados aos referidos beneficiários”, referiu.
De acordo com o académico, “se os títulos foram dados de forma ad-hoc, ou seja, sem que tenha sido através de um exame final, isso implica que não há apenas uma pessoa envolvida nos atos ilícitos, além dos putativos beneficiários”.