Eleitores preferiram muitas vezes candidatos de partidos tradicionais, expondo a vulnerabilidade da “anti-política” do Presidente.
As eleições municipais deste domingo no Brasil foram marcadas por vários maus resultados de candidatos apoiados pelo Presidente Jair Bolsonaro, por exemplo na cidade de São Paulo, onde o candidato apoiado pelo Presidente, o jornalista Celso Russomanno, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), não vai chegar a disputar uma segunda volta, que será entre o actual prefeito Bruno Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira, e Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) – uma boa parte dos municípios terá uma segunda volta a 29 de Novembro.
Apesar de nestas eleições o factor local ser muito importante, os resultados são vistos como podendo dar pistas para a política nacional. O jornal O Globo resumia em título: “Freio na antipolítica, fracasso de Bolsonaro”. Na mesma linha, o analista Creomar de Souza, do grupo Dharma Political Risk and Strategy, disse à agência Reuters: “A pandemia pôs um travão na tendência antipolítica e rejeição dos partidos tradicionais por serem corruptos”, declarou. “Os eleitores perceberam que os políticos eleitos por Bolsonaro em 2018 têm falhas e querem ver os serviços públicos melhorar.”
O Estado de São Paulo sublinha que Bolsonaro fez campanha por 59 candidatos, mas só nove foram eleitos. Durante a contagem dos votos, Bolsonaro chegou a apagar uma publicação nas redes sociais em que tinha apelado ao voto a vários candidatos. Mais tarde, o Presidente desvalorizou os maus resultados dos candidatos por si apoiados, preferindo sublinhar a “histórica derrota” da esquerda, garantindo que “a onda conservadora chegou em 2018 para ficar”.
A gestão da pandemia foi um factor determinante para as escolhas dos brasileiros. Em Belo Horizonte, por exemplo, o prefeito Alexandre Kalil decretou medidas de quarentena e distanciamento físico para limitar a transmissão do vírus que provoca a covid-19 e que foram criticadas por Bolsonaro, que desvalorizou a pandemia. Kalil foi agora reeleito com 63% dos votos.
No Rio de Janeiro, o antigo prefeito Eduardo Paes do partido Democratas (DEM) ia à frente na corrida e enfrentará o actual detentor do cargo, o bispo evangélico Marcelo Crivella, dentro de duas semanas. Crivella foi apoiado por Bolsonaro e a sua passagem à segunda volta é uma das poucas boas notícias para o Presidente, que tem no Rio de Janeiro um importante território político.
Em Salvador da Bahia, foi eleito Bruno Reis, do DEM; o partido venceu ainda na primeira volta corridas em Curitiba e Florianópolis.
Partidos tradicionais como o DEM e o PSDB tiveram bons resultados, expondo a vulnerabilidade de Bolsonaro não ter partido: o Partido Social Liberal (PSL).
O seu projecto de criar de raiz um partido, o Aliança pelo Brasil, foi um fracasso e a única esperança é que esteja pronto a tempo de 2022. “Foi um tiro no pé”, considerou o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, Carlos Félix de Melo, entrevistado antes da votação pelo PÚBLICO.
O falhanço dos “bolsonaristas” nas primeiro teste eleitoral desde que Bolsonaro está no Palácio do Planalto ficou patente com o resultado do filho do Presidente, Carlos, que, embora tenha conseguido ser reeleito como vereador no Rio de Janeiro, perdeu o estatuto de mais votado para Tarcísio Motta, do PSOL.
No Twitter, o antigo ministro da Justiça do Governo de Bolsonaro e juiz da operação anti-corrupção Lava-Jato Sergio Moro fez a sua análise da eleição, sublinhando o “fracasso” dos candidatos apoiados pelo Presidente e considerando o PSOL o partido mais relevante da esquerda.
O Partido dos Trabalhadores, do antigo Presidente Lula da Silva, teve alguns maus resultados, como uma votação historicamente baixa em São Paulo (8,7%), perante o bom resultado do PSOL (20%).
A eleição foi ainda marcada por um problema técnico num computador do Tribunal Superior Eleitoral, o que levou a um atraso na apuração de votos, embora o tribunal garanta que nenhum dado foi perdido. O incidente já está a ser usado por aliados de Bolsonaro para lançar teorias para tentar desacreditar o sistema eleitoral.
O facto de ter havido uma tentativa para derrubar o sistema através de um ataque informático levado a cabo a partir de Portugal (embora também com hackers da Nova Zelândia e do Brasil) foi referido para dar força a estas teorias, embora o ataque tenha fracassado.