Um estudo realizado por mais de 70 investigadores brasileiros indica que o novo coronavírus pode afetar o cérebro e provocar a morte de neurónios, mesmo em pacientes leves, que não tenham necessitado de tratamento hospitalar.
A investigação, publicada na terça-feira na plataforma científica medRxiv, mas que ainda se encontra sob avaliação, indica que o vírus pode promover alterações significativas na estrutura do córtex, a região do cérebro mais rica em neurónios e responsável por funções complexas como memória, atenção, consciência e linguagem.
“Os pacientes com covid-19 podem apresentar sintomas neuropsiquiátricos e/ou neurológicos. Descobrimos que ansiedade e comprometimento cognitivo são manifestados por 28-56% dos indivíduos infetados com SARS-CoV-2 com sintomas respiratórios leves ou sem sintomas respiratórios e estão associados com espessura cortical cerebral alterada”, aponta o estudo, coordenado por investigadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP).
A investigação encontrou ainda danos cerebrais em 19% dos indivíduos que morreram de covid-19 e que estavam sob análise.
Segundo os investigadores, quando o novo coronavírus entra no cérebro ataca células responsáveis pelos processos metabólicos, dificultando a produção de energia e a nutrição dos neurónios e podendo levar, consequentemente, à morte do tecido cerebral.
“Todos os tecidos cerebrais afetados exibiram focos de infeção por SARS-CoV-2, particularmente em astrócitos [células mais abundantes do sistema nervoso central]. A infeção de astrócitos derivados de células estaminais neurais alterou o metabolismo energético, alterou proteínas-chave e metabólitos usados para alimentar neurónios (…) e desencadeou um fenótipo secretor que reduz a viabilidade neuronal”, acrescentou.
“Os nossos dados suportam o modelo em que o SARS-CoV-2 atinge o cérebro, infeta astrócitos e desencadeia mudanças neuropatológicas que contribuem para as alterações estruturais e funcionais no cérebro de pacientes com covid-19”, frisa o documento publicado na medRxiv.
Em declarações ao portal de notícias G1, Clarissa Lin Yasuda, umas das coordenadoras do estudo, declarou que encontraram muitos pacientes que, mesmo já curados da covid-19 há cerca de dois meses, continuavam a apresentar sintomas neurológicos, como fortes dores de cabeça, sonolência excessiva, alteração da memória, além de perda de olfato e paladar.
“Em alguns casos raros, até convulsões, e esses pacientes nunca tinham sentido isso antes”, salientou a investigadora.
O estudo aponta ainda indícios de que a via de acesso para o cérebro é através do nariz.
A investigação analisou imagens de ressonância magnética em pacientes leves, que não tinham precisado ainda de hospitalização, que demonstraram uma redução importante do córtex cerebral em algumas regiões próximas das vias aéreas, na chamada região orbitofrontal, comprovando que se trata de alterações da estrutura cerebral.
Clarissa Lin Yasuda afirmou ainda que há suspeitas de que o vírus possa ativar doenças genéticas como esquizofrenia, Parkinson e Alzheimer.
“O que nós ainda não sabemos é a gravidade destas lesões, se são passageiras ou se podem ser irreversíveis, por isso vamos acompanhar esses pacientes pelos próximos três anos para saber se o vírus desencadeia doenças degenerativas em quem tem algum potencial genético”, explicou a investigadora ao G1.
O Brasil é o país lusófono mais afetado pela pandemia e um dos mais atingidos no mundo, ao contabilizar o segundo número de mortos (mais de 5,1 milhões de casos e 151.747 óbitos), depois dos Estados Unidos.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de um milhão e oitenta e sete mil mortos e mais de 38,2 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.