A Comissão Europeia considera “extremamente chocante” o relatório da Amnistia Internacional, que acusa o Exército moçambicano de atrocidades na província de Cabo Delgado. E pede uma investigação “transparente”.
A comissária europeia responsável pelas Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen, pede a Moçambique uma investigação “transparente e efectiva” às denúncias de violações de direitos humanos na província nortenha de Cabo Delgado.
“O recente relatório da Amnistia Internacional é extremamente chocante. Todas as alegações, incluindo as que envolvem membros das Forças Armadas de Defesa e da polícia, devem ser investigadas de forma transparente e efectiva, com total respeito pelos direitos legais tanto das vítimas como dos acusados”, afirmou a comissária durante um debate no Parlamento Europeu sobre a situação no norte de Moçambique, na quinta-feira (17.09).
Jutta Urpilainen frisou que “a União Europeia advoga uma abordagem integrada e coordenada que promova a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito […] sem esquecer a liberdade de imprensa e a sociedade civil”.
Ministro nega acusações
Na semana passada, a organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional acusou as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas de cometerem atrocidades durante o combate aos insurgentes em Cabo Delgado.
A Amnistia disse estar na posse de vídeos e fotos que documentam “tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos de detidos, o desmembramento de alegados combatentes da oposição, possíveis execuções extra-judiciais e o transporte de um grande número de cadáveres até valas comuns”.
Esta semana, um vídeo em que uma mulher é executada por homens fardados, com um uniforme semelhante ao das Forças Armadas, tornou-se viral nas redes sociais, causando revolta na sociedade civil. Várias organizações, incluindo a Amnistia Internacional, insistiram na necessidade de abrir um inquérito.
O ministro moçambicano da Defesa, Jaime Neto, nega que os homens que aparecem no vídeo sejam militares das Forças Armadas de Moçambique. Rejeita também que as FDS tenham cometido abusos durante o combate aos grupos armados em Cabo Delgado e suspeita de uma campanha para denegrir a imagem do Exército.
“Alguns moçambicanos tiram ou fazem essas imagens ou montagens e entregam lá fora e nós sabemos quem são, vamos expô-los um dia”, afirmou Jaime Neto.
No entanto, a Human Rights Watch (HRW) refere que, embora o vídeo divulgado nas redes sociais ainda não tenha sido verificado, a execução da mulher, que aparece nua e indefesa, “surge num contexto de acusações de abusos por parte dos soldados do Governo”. Daí a necessidade urgente de investigar o caso “de forma imparcial”, salienta a organização não-governamental em comunicado.
Apoio a Moçambique: 25 milhões de euros já garantidos
Cabo Delgado é palco de ataques armados há quase três anos. A violência causou mais de mil mortos. 250 mil pessoas foram obrigadas a fugir para zonas mais seguras. Esta quinta-feira, a Comissão Europeia reafirmou a sua solidariedade com o povo moçambicano.
“Hoje, o norte de Moçambique enfrenta uma nova ameaça, um surto de violência armada, com uma dimensão regional perigosa”, recordou a comissária Jutta Urpilainen.
“Temos uma relação política e de desenvolvimento forte com Moçambique e estamos prontos a discutir opções para assistência. Congratulo-me também por vos informar que o Governo e a UE abriram um diálogo político focado em desenvolvimentos humanitários e questões de segurança em Cabo Delgado”.
Esta semana, o embaixador da União Europeia em Moçambique, António Sánchez-Benedito Gaspar, anunciou que o bloco está a preparar uma estratégia de apoio reforçado a Cabo Delgado, a definir até ao final do ano.
Segundo o embaixador, citado pelo jornal “O País”, a UE já garantiu metade de um total de 50 milhões de euros a serem disponibilizados pelos países europeus para apoiar os deslocados e desenvolver o norte de Moçambique.
FRELIMO trava investigações?
Em conferência de imprensa, na quinta-feira (17.09), o porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, no poder) disse que o partido respeita e valoriza o apoio da União Europeia e de outras organizações para melhorar a vida dos moçambicanos. Mas, relativamente aos apelos para uma investigação às denúncias de violações dos direitos humanos, a FRELIMO declara “apoio incondicional” às Forças de Defesa e Segurança. Além disso, esta é uma questão que deve ser resolvida pelos moçambicanos, admoestou Caifadine Manasse.
“Continuaremos a respeitar o pensamento de todas as organizações internacionais e nacionais, mas sempre valorizando o nosso pensamento, porque só nós os moçambicanos devemos lutar e fazer tudo ao nosso alcance para manter a nossa soberania”.
Mas o maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), acusa a FRELIMO de estar a inviabilizar as investigações sobre os ataques armados no país.
“Registaram-se assassinatos de cidadãos indefesos por parte das FDS. A RENAMO requereu a criação de uma comissão de inquérito com intuito de ir averiguar as graves violações que se registam na zona centro do país e na província de Cabo Delgado, [mas] a bancada maioritária rejeitou esta pertença”, denunciou o porta-voz da RENAMO, José Manteigas, na quinta-feira.