Vicente Jorge Silva fundou o jornal Público, assinou algumas obras cinematográficas e chegou até a ser deputado pelo Partido Socialista.
Morreu hoje Vicente Jorge Silva, jornalista, político, amante do cinema e também cineasta, aos 74 anos. Natural do Funchal, na Madeira, foi diretor-adjunto do Expresso e fundador do jornal Público.
O cinema sempre foi o seu grande sonho de infância. Ia ao cinema com os pais e, quando não tinha autorização para ver filmes disfarçava-se e ousava a entrar na sala com a cumplicidade dos porteiros. A paixão acabou por se materializar e, dos filmes que realizou ao longo da sua vida, destacam-se “O Discurso do Poder” (1976), “Vicente Fotógrafo” (1978) e “Porto Santo” (1997).
Uma curta-metragem de sete minutos chamada “Limite das Horas” foi a sua primeira obra cinematográfica, que exibiu para várias pessoas no ateliê fotográfico do seu pai e à qual perdeu o rasto, porque acabou por se estragar.
Começou depois a escrever crítica de cinema para o Jornal da Madeira, numa página chamada Foco, onde escrevia sobre filmes para maiores de 17 anos e sobre o “amor livre”. Acabou por ser proibido de redigir a opinião por pressões sociais.
Sempre foi um “bocadinho rebelde” até chegar aos 15 anos – o “princípio da idade da razão” – revelou Vicente Jorge Silva numa entrevista à RTP Madeira, em 2016. Logo aos 14 anos teve problemas com a PIDE.
“Tive que deixar o liceu, porque o meu pai achava que era perigoso, ele tinha algumas razões para pensar assim. Não era nada bom aluno, era uma rebeldia permante. Chamaram-me à PIDE por causa de escrever nos jornais o que não devia. Eu ousar escrever nos jornais sem ter idade para isso era já um sinal de um rebeldia que os incomodava”, disse.
Foi para Paris, onde trabalhou numa fábrica de cola e depois rumou a Inglaterra, onde trabalhou a lavar pratos num hotel. Chegou a inscrever-se e foi aceite na escola de Cinema de Londres, mas o passaporte caducou e não o renovaram. Voltou para Portugal.
Na Madeira, abriu uma agência de publicidade – a primeira do arquipélago – que foi sucedida do jornal “Comércio do Funchal”, também tinha uma atitude de rebeldia e que, não só mexeu com a região autónoma, como também teve um grande impacto a nível nacional.
Em 1974, entrou no semanário Expresso, onde chegou a ser diretor-adjunto e onde lançou o “Expresso-Revista”. Sair da Madeira foi uma libertação, segundo disse. Foi dentro do semanário de Francisco Balsemão, que teve a ideia de fundar o jornal “Público”, em 1990, com o objetivo de criar um jornal diário que quebrasse as distâncias, sobretudo as temporais.
Ganhou dois prémios enquanto jornalista, um deles o Prémio Cupertino Miranda, considerado o principal prémio do jornalismo português na altura. Foi-lhe proposta ainda uma condecoração, que recusou.
Admirador de Olaf Palme, sempre se considerou uma pessoa de esquerda democrata. Saltou do jornalismo para a política ao ser eleito deputado para a Assembleia da República pelo Partido Socialista. O salto acabou por não se traduzir numa mudança feliz para Vicente Jorge Silva.
“Para quem é jornalista de alma e coração, é muito difícil adaptar-se aos constrangimentos do mundo político. Não é possível a gente mudar de pele e de alma”, argumentou em entrevista à RTP.