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Sábado, Novembro 23, 2024

55 projectos de investimento sem financiamento: Maioria das sedes municipais ainda à espera de água potável

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Para realizar os investimentos planeados para todas as zonas urbanas do país seria necessário um investimento de aproximadamente mil milhões de dólares. Estratégia ambiciosa, desenhada em 2012, emperrou com a crise provocada pela queda dos preços do petróleo.

Entre 134 concursos públicos para a construção de sistemas de abastecimento de água nas zonas urbanas de todo o país (excepto as províncias de Luanda e Benguela), lançado em 2014, foram concluídos apenas 25 projectos. A maioria das sedes municipais continua sem água potável e saneamento básico.

Dos concursos lançados há cerca de seis anos, foram celebrados 118 contratos, segundo um relatório consultado pelo Jornal de Angola, publicado em Junho, relativo ao Programa de Abastecimento de Água em Zonas Urbanas do Ministério da Energia e Águas (MINEA).

A construção e/ou reabilitação dos 25 sistemas permitiu incrementar a produção de água em 89 mil e 623 metros cúbicos por dia, segundo o MINEA.

Actualmente, existem 12 sistemas municipais em construção e 26 em fase de planeamento para início ou reinício das obras. Os restantes 55 contratos foram suspensos, por não terem financiamento assegurado, e aguardam a disponibilização de recursos.

Grande parte destes acordos foram celebrados em 2014, ano em que se registou o início de uma grave crise financeira e económica que condiciona, até hoje, a realização de novos investimentos públicos. No total, os contratos representam cerca de 560 milhões de dólares ao câmbio actual. Segundo o relatório do MINEA, “o valor médio dos investimentos no sector das águas é de 152 milhões de dólares”.Para realizar os investimentos planeados nos vários municípios seria “necessário um investimento de aproximadamente mil milhões de dólares”.

“Entre 2013 e 2014, foram celebrados acordos no valor de 51 mil milhões de Kwanzas (cerca de 80 milhões de dólares). Em 2016, com recurso à primeira emissão de Eurobonds (o Estado financiou-se no exterior do país em 1,5 mil milhões de dólares, durante o ano de 2015, a primeira operação do género em Angola) celebrámos um novo conjunto de contratos no valor de 54 mil milhões de Kwanzas (93 milhões de dólares).

Da linha de crédito da China, que ainda tem projectos em execução, recolhemos 387 milhões de dólares”, explica Elsa Ramos, directora nacional das Águas no MINEA.

O programa visava intervir directamente nas infra-estruturas de todas as sedes municipais, seja por via da reabilitação ou da construção de novos sistemas de produção e distribuição. A iniciativa resultou de uma estratégia, desenhada em 2012, com o objectivo de abastecer de água potável todas as zonas urbanas (a definição refere-se às sedes municipais) fora das províncias de Luanda e Benguela.

çaram com parte das obras, mas que paralisaram por dificuldades económicas. A segunda prioridade é atender aqueles projectos que têm contratos assinados, mas que não chegaram a arrancar. E a terceira prioridade é identificar os recursos e assinar contratos para os projectos sem financiamento garantido”, disse Elsa Ramos.

Em relação aos 55 contratos sem programação financeira e sem horizonte temporal para serem concretizados, a responsável refere que o MINEA está, em primeiro lugar, “a reequilibrar os orçamentos e a procurar novas fontes de financiamento”.

A directora nacional das Águas explicou ainda que, “tendo acontecido a crise” de 2014, foi necessário redesenhar toda a estratégia do sector, agora com o horizonte temporal 2017-2022.

“Tivemos de analisar todos os investimentos e acabamos por reduzir o objectivo do programa para 85 por cento das zonas urbanas. Era nesse sentido que estávamos a trabalhar, até 2022, para ver onde poderíamos chegar. Todos os nossos projectos, toda a nossa força recebeu, outra vez, um ponto de interrogação devido à pandemia e novamente pela crise económica associada ao coronavírus. Vamos ver como ajustar o programa”, lamenta a responsável do MINEA.

A estratégia correcta?

Também no início da década de 2010, em paralelo com os programas do Governo, foi consignado um projecto de transformação e desenvolvimento institucional com o Banco Mundial: o Projecto de Desenvolvimento Institucional do Sector das Águas (PDISA).

A primeira fase de implementação (PDISA 1) já terminou e a iniciativa foi desdobrada numa segunda parceria (PDISA 2). O grande objectivo do PDISA 1 era alterar radicalmente a estrutura organizacional do sector da água em Angola.

Actualmente, o país conta com 16 empresas provinciais de água efectivamente constituídas (a larga maioria já está em funcionamento) e com um Instituto Regulador do Sector de Energia e Água (IRSEA), com funções de supervisão (apesar de ser um organismo sob alçada do MINEA, facto que limita a sua independência).

Até à implementação do PDISA 1, exceptuando as províncias de Luanda e Benguela (que contam com empresas públicas de distribuição de água desde o período colonial), todas as restantes 16 regiões do país eram abastecidas pela Direcção Nacional de Águas (DNA), que também era responsável por toda a cadeia de valor e pela regulação: produzir, distribuir, cobrar, manter as pequenas redes de distribuição, investir no aumento da cobertura, atender as populações sem acesso à água canalizada e ainda estipular os mecanismos de preços e de exploração comercial.

“O grande objectivo do PDISA 1 era ajudar o país a transitar de um modelo antigo, onde o Governo assumia todo o processo, mas, na realidade, quase não havia acesso à água potável. Agora, a ideia passa por colocar as empresas provinciais de distribuição de água ao serviço do cidadão e implementar um modelo que seja capaz de providenciar um bom serviço, com empresas profissionais, técnica e financeiramente sustentáveis”, explica o catalão Aleix Capdevila, gestor de projectos do Banco Mundial, em conversa com o Jornal de Angola.

O PDISA 2, que já está a ser implementado, basicamente prossegue os mesmos objectivos da primeira fase, em linha com a estratégia previamente definida pelo país.

“Mas podemos considerar que o ponto forte do programa é mesmo o apoio institucional, não só à DNA, mas, sobretudo, às empresas provinciais de água”, destaca o técnico do Banco Mundial.

Na segunda fase do projecto, a instituição multilateral também está a assessorar as instituições públicas na implementação de um plano de assistência técnica junto das empresas provinciais: são equipas de três pessoas que servem de espelho do Conselho de Administração, ou seja, vão assumir funções equivalentes ao presidente do Conselho de Administração, ao administrador técnico e ao administrador financeiro- -comercial.

O objectivo destas acções é tornar as empresas sustentáveis que, no longo prazo, possam caminhar sozinhas, sem o apoio financeiro do Governo central.

“As empresas também devem ter capacidade para incrementar e investir na cobertura da rede e na abertura de novas ligações, de emitir facturas e de cobrálas para que sejam financeiramente sustentáveis. Sem empresas que prestem um bom serviço, não se consegue nada”, defende Aleix Capdevila.

No entanto, a própria estratégia nacional é debatida por figuras ligadas à sociedade civil. A força do país no sector das águas está aplicada no investimento em sistemas convencionais de produção, armazenamento e distribuição nas zonas urbanas (as zonas rurais têm o programa “Água para Todos”, para além dos furos e pontos de água geridos pelas administrações e, em poucos casos, pela própria população), aumento da rede e de novas ligações, ao mesmo tempo que se reestrutura e provincializa toda a prestação de serviços.

António Venâncio, engenheiro formado na ex-URSS (mais precisamente na actual Ucrânia), que faz parte de um grupo de cidadãos interessados em desenvolver o sector, considera que os programas públicos são demasiado caros, necessariamente lentos na sua implementação, e que a ausência de um grande debate nacional tem limitado a busca por novas soluções, mais adaptadas aos recursos internos e às necessidades urgentes em termos de água potável e saneamento básico.

Desígnio nacional Parece que o país ainda não assumiu que o investimento em sistemas de água, saneamento e higiene tem de ser um desígnio nacional, sobretudo pelo impacto na saúde pública (a maior parte das doenças endémicas estão

associadas à falta de água potável e de saneamento básico), na qualidade de vida e na protecção do meio ambiente, factores que se correlacionam de forma decisiva com a economia e o desenvolvimento comunitário e interpessoal.

“Na minha opinião, a primeira coisa a fazer é separar a Energia da Água e Saneamento. O Governo baralhou tudo e confundiu as pessoas”, considera António Venâncio, que defende a criação de um Ministério do Saneamento Básico e do Meio Ambiente ou, em alternativa, de um instituto ligado ao meio ambiente, “mas com muito poder”.

“Também falta uma autoridade nacional para gerir o saneamento básico e um instituto para regular e analisar a qualidade da água. A DNA deveria gerir apenas os recursos hídricos”, acredita o engenheiro angolano, que assume sem rodeios que “o pensamento do sector está todo errado”.

Se o país continuar a seguir o modelo que tem vindo a ser desenvolvido com o apoio de instituições internacionais, na opinião de António Venâncio, “nem daqui a 50 anos” teremos água potável em casa. Com sérias consequências para o futuro dos angolanos.

“Neste momento, as águas residuais, pluviais e outras estão simplesmente a infiltrar-se na terra, por falta de saneamento básico, e a criar um sério problema ambiental (a contaminação dos solos), quando 90 por cento desta água poderia ser reaproveitada pelo sistema, depois do tratamento adequado”, lamenta o engenheiro civil.

Elsa Ramos, por outro lado, defende que o sector é complexo e que há diversas variáveis com influência directa na forma como são definidos os investimentos.

“Às vezes, parece que demoramos muito tempo a desenhar e a executar os projectos, mas nós somos obrigados a seguir alguns passos”, disse a responsável do MINEA.

Em primeiro lugar, é importante definir se é necessário construir sistemas novos ou reabilitar os sistemas antigos.

Os projectos devem ter uma vida útil de 10 a 20 anos, por isso é necessário acompanhar o ritmo de crescimento da população e o seu impacto nas redes de distribuição de água.

Outro desafio importante são os recursos humanos. O sector enfrenta uma grande carência de quadros (desde as categorias superiores até ao canalizador, técnico de análise de qualidade da água, entre outros) e também não existem muitas instituições direccionadas para a formação em hidráulica, facto que coloca os investimentos públicos em risco.

“Finalmente, enfrentamos grandes desafios na cobrança dos serviços. Realmente, as pessoas querem água potável, mas devem ter consciência de que é preciso pagá-la”, explica a directora nacional das Águas.

O caso do Cuando Cubango

Cinco dos nove municípios da província do Cuando Cubango, uma das maiores do país, que enfrenta uma crónica falta de serviços públicos, não têm previsão sobre o acesso à água potável.

Os dados constam de um relatório do Ministério da Energia e Águas (MINEA), publicado no último mês de Junho. Apenas as zonas urbanas dos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale e Calai prestam algum serviço institucional de água aos cidadãos. Na sede municipal do Rivungo, as obras estão concluídas e o sistema está em fase de testes.

“Não podemos dizer que a província esteja à parte. Quando identificamos projectos, fazemo-lo para o país todo. Por outro lado, os investimentos não são apenas realizados a nível central, temos investimentos promovidos a nível provincial e municipal.

Quando tivermos os financiamentos disponíveis, precisamos de definir prioridades, não só para o Cuando Cubango, mas para o país todo. Temos de ter paciência. Os projectos de água são onerosos e não conseguimos atender o país todo ao mesmo tempo”, lamenta Elsa Ramos, directora nacional das Águas.

Os projectos concebidos para as sedes municipais do Cuangar, Cuchi, Dirico, Mavinga e Nancova não foram enquadrados no Orçamento Geral do Estado para 2020 por falta de recursos financeiros.

 

 

 

 

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