Autarcas italianos se revoltam contra governo em Roma e denunciam superlotação nos centros de acolhimento. Países no Mediterrâneo registam aumentos na chegada de migrantes e pedem ajuda à União Europeia.
Autarcas de várias localidades italianas se revoltam contra o governo em Roma e relatam as péssimas condições nos centros de acolhimento de migrantes – que, com frequência, são pequenos demais e acabam superlotados. Alguns ainda exigem a proibição de novas admissões em suas municipalidades.
Mas de 13 mil migrantes chegaram à Itália em 2020 através do mar Mediterrâneo, o que representa um total de 9 mil pessoas a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado. Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur), muitos decidiram fazer essa perigosa travessia no mês de julho, quando as condições de navegação são um pouco melhores.
Felix Weiss, da ONG Sea Watch de resgates marítimos de migrantes, retornou à Alemanha após várias semanas em uma missão de reconhecimento aéreo sobre a ilha de Lampedusa, um dos principais pontos de chegada de migrantes no território italiano. Ele alerta que a situação no local esta prestes a se deteriorar.
“A situação em Lampedusa é extremamente tensa. Nos últimos meses, quase 5 mil pessoas chegaram à ilha por conta própria. Isso equivale a dois ou três barcos por dia”, relatou. O grupo de voluntários alemães não registou nenhuma agressão, mas recentemente, dois pequenos estaleiros que armazenam as embarcações dos migrantes foram incendiados.
Weiss diz ter sentido uma mudança de postura por parte da população local, que costumava ser tolerante para com os migrantes. Actualmente, a maior parte dos refugiados que chegaram a Lampedusa são da Tunísia, país cuja economia também foi fortemente abalada pela pandemia de covid-19.
Populistas tentam tirar proveito da crise
A epidemia do novo coronavírus aumentou a pressão económica sobre a população local. O turismo, a maior fonte de renda da ilha, entrou em colapso. Weiss estima que, até o momento, o número de visitantes deve ser de menos da metade do normal. Se os barcos de migrantes começarem a chegar nas praias turísticas, o que já aconteceu recentemente, a situação pode se tornar ainda mais complicada.
Dentro desse quadro, as ofertas de ajuda vindas de Roma nem sempre são bem recebidas. O governo italiano propôs enviar um navio de quarentena para abrigar migrantes na municipalidade de Porto Empedocle, na Sicília, mas o prefeito rejeitou a medida, temendo riscos ainda maiores para o turismo na região.
A prevenção contra a covid-19 nos centros de acolhimento vem sendo bastante problemática. Centenas de migrantes optaram por deixar ilegalmente esses locais, em violação às regras de quarentena. Ainda assim, não houve registro de um novo surto da doença.
Enquanto isso, o líder do partido populista de extrema direita Liga, Matteo Salvini, tenta obter ganhos políticos com a situação. Há uma semana, em visita a Lampedusa, o ex-ministro do Interior – que quando estava no cargo fez todo o possível para bloquear a entrada de migrantes no país – culpou diretamente o aumento da chegada de novas embarcações de refugiados pelas más condições do turismo e da pesca na região.
Salvini, que foi recebido por um grande número de apoiantes na ilha, vem utilizando repetidamente em seus discursos e postagens no Twitter o termo “invasão” e questionando se é realmente necessário fornecer ajuda aos migrantes.
Pedido de ajuda à União Europeia
O governo italiano reagiu aos pedidos de ajuda dos municípios com o envio das Forças Armadas. Em torno de 300 soldados foram enviados para a Sicília para vigiar os campos de refugiados e as estações de quarentena.
Roma reforçou o pedido de mais apoio por parte da União Europeia (UE), o que implica que os parceiros europeus devem contribuir mais para fornecer abrigo e cuidados aos migrantes e requerentes de asilo que chegam à Europa através da costa italiana.
Na noite de sexta-feira (31/07), a ministra do Interior, Luciana Lamorgese, e seu homólogo francês, Christophe Castaner, chegaram a um consenso para dar sobrevida ao chamado Acordo de Malta sobre a distribuição de migrantes no sul da Europa para outras regiões do continente. Dentro do pacto de 2019, um grupo de nações europeias – incluindo a Alemanha – concordou em aceitar uma distribuição ordenada dos migrantes. Na prática, porém, o plano não vem funcionando.
Mas, não é apenas a Itália que regista um número crescente de pessoas em busca de refúgio. A Espanha também vem registando um aumento na chegada de migrantes através do Mediterrâneo. Em Julho, foram 2 mil pessoas a mais do que nos meses anteriores. Em Murcia e Almería, chegaram no ultimo fim de semana em torno de 700 refugiados, na maioria, vindos da Argélia, e não do Marrocos, como seria de costume.
Contudo, ao contrário da Itália, a situação na Espanha não piorou em relação ao ano anterior, com excepção das ilhas Canárias. O governo, porém, não tem a situação totalmente sob controle. Observadores denunciam desentendimentos entre as autoridades no que diz respeito à jurisdição, devido a imposição de quarentena obrigatória.
O governo espanhol não quer que os refugiados sejam alojados nos centros de acolhimento, temendo novas contaminações de coronavírus, e insiste que as localidades devem fornecer as acomodações necessárias por conta própria. Isso vem sendo feito através de barracões, o que também gera problemas em razão do calor intenso no país nos meses de verão.
A situação na Grécia, por outro lado, se mantém relativamente calma. A agência de refugiados do país registrou apenas 244 chegadas de migrantes em suas fronteiras em Julho, em comparação com os 5.008 do mesmo mês no ano passado.
O problema no território grego, porém, continua sendo a superlotação dos campos de refugiados nas regiões insulares, além das denúncias de expulsões e deportações ilegais de migrantes no país.
Itália promete reformar políticas migratórias
Enquanto os países que enfrentam esses desafios ainda tentam se organizar em nível europeu, o governo da Itália quer dar um exemplo ao facilitar o trabalho das ONGs no resgate de migrantes. Relatos na imprensa italiana nesta sexta-feira afirmavam que o Partido Democrata (PD) e o Movimento Cinco Estrelas (M5S), que compõem a coligação de governo, chegaram a um acordo para mudar as regras impostas pelo populista Salvini quando ocupava o Ministério do Interior.
Um dos termos do acordo estabelece o fim das pesadas multas impostas aos navios das organizações humanitárias que levam migrantes para os portos do país. Além disso, o governo quer reintroduzir a ampliação da ajuda humanitária aos refugiados e expandir os procedimentos de admissão.
Entretanto, Weiss, da ONG Sea Watch, ainda vê essas propostas com cepticismo, enquanto a situação no país permanece a mesma. “No momento, os serviços de resgate e emergência não trabalham connosco”, afirmou.
“As autoridades nos dizem que não vão mais trabalhar com as ONGs ou sequer dialogar com as organizações. Também vimos nos últimos dias como os barcos da Guarda Costeira simplesmente passam ao lado das embarcações e apenas recolhem os refugiados quando eles entram nas águas de Lampedusa”, relatou.